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DONA FULÔ E OUTRAS JOIAS NEGRAS

João Paulo - 30/10/2024 09:20 - Atualizado 30/10/2024

Uma rara coleção de joias brasileiras – conhecidas como Joias de Crioula – motivou a realização da exposição Dona Fulô e Outras Joias Negras, promovida pelo CCBB e que será exibida no Museu de Arte Contemporânea da Bahia a partir de 7 de novembro, data em que também será lançado “Florindas”, livro que complementa a exposição. A mostra, que teve origem no encantamento e na posterior identificação de uma fotografia onde uma mulher negra aparecia plena de joias e ricamente vestida, revela a prática implementada pelas “escravas de ganho” e mulheres libertas, que por vários caminhos evocavam sua história ancestral africana. Com altivez, orgulho e fé.

A foto era de Dona Fulô; o encantamento e a busca pela identidade da personagem, do colecionador baiano Itamar Musse. Após adquirir uma importante coleção de Joias de Crioula, recebeu de presente de Emanoel Araújo – artista, curador e museólogo, considerado um dos maiores expoentes da arte afro-brasileira – a foto de uma mulher negra com muitas joias, onde reconheceu imediatamente a pulseira que a mulher usava dentro de sua coleção. Resolveu, então, pesquisar a identidade da personagem e também saber mais sobre outras mulheres que possuíram preciosidades tão originais.  – “Porque essas joias simbolizavam a manutenção de sua cultura, a preservação da sua autoestima e a sua resistência a condição de mercadoria”.

Essa é a história que chega ao século XXI, contada nesta exposição e no livro Florindas que narra a trajetória dessa descoberta – que vai muito além da apresentação das joias raras. Dividida em três núcleos, a exposição Dona Fulô e Outras Joias Negras preenche os espaços expositivos do MAC com as histórias dessas mulheres que compraram sua liberdade com o trabalho nas ruas – e traz à tona fatos mantidos em silêncio por tantos anos, apresentando nomes como o de Florinda Anna do Nascimento e tantas outras mulheres pretas empreendedoras no Brasil.

A mostra refere-se ao valor simbólico da construção cultural que vem com os negros escravizados e se transforma na convivência entre diferentes matrizes no novo continente. Refere-se às mulheres que escreveram e escrevem esta história de Florinda, Quitéria, Rita, Tia Ciata, Mãe Menininha ou Mãe Senhora. Faz referência às joias objeto da coleção e a outras joias: a herança da cultura afrodiaspórica nas obras de artistas negros contemporâneos, além de documentos e imagens do universo que propiciou o surgimento das Joias de Crioula, produzidas na clandestinidade por ourives da Bahia – não registrados “no Senado da Câmara”, muitos deles ”solteiros ou pardos forros” –, sob demanda de mulheres negras alforriadas.

NÚCLEOS DA MOSTRA

Histórias Florindas

Aqui é proposto ao visitante um mergulho no Brasil dos séculos XVIII e XIX, em especial na Bahia dos tempos de Colônia e Império, e na magnífica prática transgressiva implementada pelas escravas alforriadas, que por vários caminhos evocavam sua história ancestral africana.  Histórias Florindas faz um sobrevoo sobre a Salvador que abriga o surgimento das Joias de Crioulas e os desdobramentos ao longo dos séculos até a atualidade. Em um ambiente imersivo, coloca as diferentes representações das épocas, dos artistas viajantes do século XIX aos primeiros fotógrafos que registram as mulheres, suas vestimentas e suas joias; de Pierre Verger às ganhadeiras de Itapuã. Tempos que convivem em uma mesma experiência.

Artistas:

Pierre Verger; Adenor Gondim; Lady Maria Callcott; Vik Muniz; Rosa Bunchaft; Vicente de Mello; Carlos Julião; Jean Baptiste Debret; Joseph Leon Righini; Friedrich Salathé; William Smyth; Jean Leon Palliere; Jean Baptiste Grenier.

Raras Florindas

O segundo núcleo tem como centro a coleção de Joias de Crioula reunida por Itamar Musse. Elas são apresentadas em contato com os tecidos e com as fotos das mulheres paramentadas. O símbolo maior é Florinda Anna do Nascimento, Dona Fulô, cujas joias com que se deixa fotografar estão todas integradas a esta coleção.

Artistas:

Pierre Verger; Adenor Gondim e Vicente de Mello.

Armas Florindas

O terceiro eixo, realizado pelas curadoras Eneida Sanches e Marília Panitz, apresenta um recorte da produção contemporânea de artistas brasileiros negros que emulam essa história e propõe novas transgressões poéticas.  Através de esculturas, vídeos, pinturas, objetos e outras mídias, os artistas fazem numerosos desdobramentos das joias de Dona Fulô: joias-folhas, joias-marés, joias-rezas, joias-roupas. Os recursos utilizados vão do uso do corpo como cofre para garantir a proteção de seus bens, ao aceno de liderança e autoridade para os desvalidos, e à espiritualidade – fundação sobre e ao redor da qual tudo se agrega e regenera.

Participam desse núcleo: Bauer Sá (BA), Charlene Bicalho (MG), Cris Tigra (MG), Eustáquio Neves (PB), Gilmar Tavares (BA), Janaina Barros e Wagner Leite (SP), Josafá Neves (DF), Lidia Lisboa (PR), Maré de Matos (SP), Moisés Patrício (SP), Nádia Taquary (BA), Paulo Nazareth (MG), Sidney Amaral (SP), Silvana Mendes (MA), Tiago Santana (BA), Hariel Revignet (GO), Antonio Obá (DF), Dalton Paula (GO) e Sonia Gomes (MG).

O LIVRO

Complementa a exposição o lançamento do livro “Florindas” – dividido nos volumes “Joias na Bahia” e “Preciosa Florinda” – que perpetua, em textos e imagens, a história de Florinda Anna do Nascimento e apresenta toda a coleção de joias do acervo de Itamar Musse. Organizado pelo próprio colecionador, Itamar Musse, e pelo editor Charles Cosac, o livro conta com a coordenação do historiador Eduardo Bueno e de Ana Passos. A publicação esclarece fatos capitais sobre as condições em que viviam as mulheres negras na Bahia dos séculos XIX e XX. E revela a impressionante história de Florinda Anna do Nascimento, carinhosamente chamada de Dona Fulô.

FLORES NEGRAS. FLORES LINDAS

Com estes versos Gilberto Gil homenageia Florinda no poema que escreveu especialmente para o livro. A publicação, reúne textos de outros personagens, entre os quais o do artista plástico Vik Muniz, autor da obra que ilustra a capa da edição.

Ao longo de mais de 400 páginas, além de Gil e Vik Muniz, Eduardo Bueno, Giovana Xavier, Sheila de Castro Faria, Lilia Moritz Schwarcz, Mary Del Priore, Thaiz Darzé, Carol Barreto e Pedro Corrêa do Lago, entre outros, adornam a memória de Florinda com sentimentos profundos, lembranças e vivências pessoais.

Dona Fulô e Outras Joias Negras é realizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil em Salvador. O projeto, patrocinado pelo Banco do Brasil por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, possui apoio do Museu de Arte Contemporânea da Bahia, do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural e da Secretaria Estadual da Cultura. Tem concepção assinada pela 4Art Produções Culturais e conta com o acervo do IPAC – Coleção Itamar Musse.

CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL

O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) é uma rede de espaços culturais gerida e mantida pelo Banco do Brasil, com o objetivo de ampliar a conexão dos brasileiros com a cultura e valorizar a produção cultural nacional. A diversidade, a relevância e o ineditismo da programação do CCBB são os diferenciais que contribuem para democratizar o acesso à cultura.

Presente no Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e Belo Horizonte, está em avançado processo de instalação de sua nova unidade em Salvador. Na capital baiana, passa a ocupar o Palácio da Aclamação, histórico edifício do início do século passado e que, durante mais de cinquenta anos, foi residência oficial dos governadores da Bahia.

Mesmo antes de iniciar suas atividades no Palácio da Aclamação, o CCBB já realiza intervenções culturais na cidade de Salvador. Nesse contexto, promove sua segunda exposição na Bahia, em projeto que reafirma as origens e ancestralidade, suas narrativas e símbolos, a decolonização, dentre outras questões que oferecem caminhos para compreender a construção contemporânea de identidades e a contribuição da população negra na formação do Brasil.

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