Em abril deste ano, o ranking anual de bilionários da revista Forbes mostrou que a pessoa mais rica do mundo era o francês Bernard Arnault, presidente do grupo LVMH, controlador de grifes como Louis Vuitton e Moët & Chandon. Na época da publicação, a fortuna dele era estimada em US$ 233 bilhões (cerca de R$ 1,27 trilhão, na atual cotação do dólar). Poucos meses depois, no entanto, o bilionário não apenas deixou de ser o mais rico do mundo como caiu da primeira para a quinta posição do ranking, com uma perda de US$ 57,8 bilhões (R$ 315 bilhões) em seu patrimônio.
A fortuna de Arnault era estimada em US$ 175,2 bilhões (R$ 955 bilhões), uma queda de 24,8% em relação ao início do ano. Essa baixa acompanha a desvalorização de cerca de 25% nas ações da LVMH nos últimos seis meses. E essa não é a única companhia do segmento de luxo que vem sofrendo em 2024. Veja o desempenho das ações de outras empresas do setor nos últimos seis meses:
O que está acontecendo com as marcas de luxo?
O varejo de luxo é visto por especialistas do mundo inteiro como um setor bastante resiliente às oscilações trazidas pelos ciclos econômicos, justamente por ter como principal público os super-ricos. Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, explica que esse público tende a mudar de maneira bem menos intensa os seus padrões de consumo do que pessoas de classe baixa e classe média.
No entanto, movimentos mais duradouros de desaquecimento econômico podem impactar o consumo dos ricaços, além de diminuir o número de pessoas que compram itens de luxo esporadicamente. Em uma combinação de dois principais fatores ligados a “preocupações econômicas mais amplas” é isso que tem impactado o segmento de luxo, de acordo com Thiago Kurth Guedes, diretor de desenvolvimento de negócios da Bridgewise.
Os principais desafios são:
Diminuição de demanda da China
A Ásia é o principal mercado consumidor de artigos de luxo no mundo, com destaque para a China, país com a maior população do mundo e o segundo em número de bilionários, atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2023, a Ásia (excluindo o Japão) respondeu por 31% de toda a receita da LVMH, de 86,15 bilhões de euros. A região tinha 2.003 de todas as 6.097 lojas do grupo.
Já no primeiro semestre deste ano, a participação asiática caiu para 30%. A redução percentual reflete uma diminuição na demanda dos consumidores, que impactou diretamente os resultados da companhia. No primeiro semestre de 2024, a receita do grupo foi de 41,68 bilhões de euros, contra 42,24 bilhões no mesmo período de 2023. O lucro também caiu: de 11,57 bilhões de euros no primeiro semestre do ano passado para 10,65 bilhões de euros agora.
Movimentos semelhantes foram reportados por outras varejistas de luxo, que destacam a queda na demanda asiática e, mais especificamente, chinesa e os impactos sobre o negócio. Essa queda na demanda acontece em toda a China de forma generalizada, em um momento em que o país vê dificuldades em continuar crescendo a altos números. No segundo trimestre, a economia chinesa desacelerou de uma base anual de 5,3% para 4,7%, abaixo dos 5,1% esperados pelo mercado.
O país enfrenta uma crise imobiliária importante desde a quebra da incorporadora Evergrande e vê um mercado de trabalho desaquecido, com alta nas taxas de desemprego (hoje em 5,3%), principalmente entre os jovens. Esse cenário gera insegurança entre os consumidores chineses, que estão priorizando poupar do que gastar — impactando varejistas, inclusive as de luxo.
“Nos últimos anos ficaram comuns as fotos e vídeos de consumidores chineses fazendo filas para comprar em lojas de grifes. Mas com a desconfiança agora de como será a economia daqui pra frente, muitos estão freando os gastos”, diz Gustavo Cruz, da RB Investimentos.
Fortalecimento do dólar e taxas de juros altas
Considerada a moeda mais segura do mundo, o dólar ganhou vantagem sobre outras moedas nos últimos anos em meio às incertezas econômicas trazidas pela pandemia, e as guerras da Ucrânia e no Oriente Médio. Investidores globais levaram os recursos para os Estados Unidos a partir de março de 2022, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) iniciou um ciclo de altas nas taxas de juros dos EUA. Logo elas chegaram ao patamar entre 5,25% e 5,50% ao ano, maior valor em mais de 20 anos.
Quando os juros sobem nos Estados Unidos, a rentabilidade dos títulos públicos do país (as Treasuries, consideradas os ativos mais seguros do mundo) também avançam e se tornam mais atrativas para os investidores. Esse movimento deu força à moeda americana, e ajudou a encarecer os produtos de luxo para consumidores de países com outras moedas mais desvalorizadas, como China e Brasil, por exemplo. Outros países também elevaram seus juros na mesma época, como aqueles que fazem parte da União Europeia, outro importante polo de consumidores das marcas de luxo.
Embora a parcela super-rica dos clientes de marcas de luxo consiga manter seu poder de compra qualquer que seja o momento econômico, Gustavo Cruz reforça que o público de compras esporádicas precisa escolher o que vai consumir quando há um aperto nas condições financeiras. “No pós-pandemia, em 2021, 2022, a gente viu uma espécie de ‘consumo por vingança’. As pessoas ficaram muito tempo sem poder comprar e sentiam que mereciam aqueles luxos, comprar coisas com o que economizaram ou ganharam no período”, comenta.
Essa equação que soma o custo do crédito elevado, um dólar mais caro e os aumentos nos preços promovidos pelas grifes tradicionais contribuiu também para uma procura por novas marcas de luxo, mais desconhecidas e com preços mais atrativos, mas ainda com produtos diferenciados. Por fim, mercados que são grandes consumidores de luxo, como China, também passaram a produzir seus próprios produtos de alto padrão, como a Ms Min, o que aumenta a concorrência.
Foto: Thibault Camus/AP/Arquivo