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SER JORNALISTA – ARMANDO AVENA

Redação - 26/07/2024 05:00 - Atualizado 26/07/2024

Amo ser escritor, mas tenho paixão pelo jornalismo. Sempre busquei fazer essa distinção no intuito de sublinhar que ser escritor é um desiderato, algo que está arraigado na alma e, como o amor, pode ser lapidado ao longo do tempo tal qual um diamante. Ser jornalista é destino, quase predestinação, assenhora-se completamente da sua vida e, assim como a paixão, resulta no desejo ilimitado de se jogar por inteiro em algo que, por sua própria essência, é breve, rápido, momentâneo.

Talvez não seja assim e eu esteja apenas romanceando o maravilhoso ofício de moldar a palavra de maneira diversa e com objetivos diferentes. Alguém pode ver nessas metáforas uma espécie de pré-conceito, cujo objetivo seria elevar o ofício do escritor em detrimento do ofício do jornalista, mas não creia nisso,leitor, o amor e a paixão são igualmente essenciais na vida das pessoas. Reconheço, contudo, que durante muito tempo quis hierarquizar os meus ofícios no sentido de colocar o escritor acima do jornalista. Quem fez-me ver o quanto era descabida essa ideia foi Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura, que durante toda sua vida foi escritor e jornalista, equilibrando-se no tênue fio que separa o romance e o conto da reportagem jornalística e da crônica.

Gabo dizia que jornalismo e literatura influenciaram reciprocamente sua ficção e seu texto jornalístico. “A ficção ajudou meu jornalismo, porque deu a ele valor literário. O jornalismo ajudou minha ficção, porque me manteve em relação íntima com a realidade.”

E chegou a fazer uma elegia ao jornalismo, afirmando que era o “melhor ofício do mundo” e que ele era um jornalista:  “Toda la vida he sido un periodista. Mis libros son libros de periodista aunque se vea poco. Pero esos libros tienen una cantidad de investigación y de comprobación de datos y de rigor histórico, de fidelidad a los hechos, que en el fondo son grandes reportajes novelados o fantásticos, pero el método de investigación y de manejo de la información y los hechos son de periodista”.

Mas Gabo fazia questão de ressaltar uma diferença básica entre os dois ofícios, pois no jornalismo um único fato falso destrói todo o trabalho, enquanto na literatura o escritor é Deus, pode fazer o quiser, desde que seu leitor aceite a sua história. O escritor pode partir de um único fato verdadeiro e daí construir a história do que poderia ter sido, pois seu compromisso é unicamente com a arte e com o leitor. Assim fez Mario Vargas Llosa, quando escreveu “A Guerra do Fim do Mundo”; assim fez este escritor quando escreveu “Luiza Mahin” e contou como poderia ter sido a Revolta dos Malês. Já o jornalista tem a obrigação de apurar os fatos, não tem o direito de omitir sequer um deles ou de falsear e enviesar a história. Não pode abstrair-se do que realmente aconteceu, pois seu compromisso é com a verdade.

Publicado no jornal A Tarde em 26/07/2024

 

Foto: Reuters/Tomas Bravo

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