A PwC Brasil e o Instituto Locomotiva realizaram um estudo com foco nas classes C, D e E do Brasil, revelando insights valiosos desse grupo de consumidores, que representa 76% da população, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2022, e responde por quase metade do consumo no país. Intitulado “Mercado da maioria”, o estudo apresenta um mapeamento dos cinco fatores que devem ditar as transformações do setor agora e no futuro.
Foram ouvidos 2.388 consumidores, além de líderes de grandes empresas do setor de varejo e consumo no país. De acordo com a pesquisa, novas propostas de ampliação do poder aquisitivo da população, através de conquistas de programas e políticas sociais, demanda por maior acesso ao crédito, e aos ambientes digitais são alguns dos direcionadores das classes C, D e E.
Uma das características identificadas é a de que esse mercado encara o consumo como uma questão de conquista e esforço individual. Das pessoas entrevistadas, 61% indicam se esforçar para comprar produtos e serviços que não tinham condições financeiras de adquirir quando eram mais jovens. Ao mesmo tempo, 71% dos respondentes se sentem realizados quando conseguem comprar um produto após economizar. Outro destaque do estudo está relacionado aos aspectos ESG e à responsabilidade social na hora da compra: 86% dos consumidores estão dispostos a priorizar marcas e lojas com propósito e 53% já deixaram de comprar de marcas por falta de responsabilidade social.
“Esses brasileiros têm características e comportamentos diferentes do que tinham anos atrás. São novas demandas, além de nuances regionais. Queremos incentivar as lideranças a se perguntarem se as estratégias são adequadas para atender essa população, ao considerarem fatores econômicos, variações culturais e questões ESG a que esses consumidores estão cada vez mais atentos”, afirma Luciana Medeiros, sócia da PwC Brasil.
Além de considerar questões ligadas a valores pessoais, a maioria dos consumidores também está mais exigente na hora de comprar. A pesquisa mostra que 66% destes consumidores valorizam produtos de qualidade por um preço justo. Da mesma forma, em comparação há dez anos, 59% consideram que a qualidade de um produto passou a ter mais relevância nas escolhas do que o preço. Por outro lado, 11% afirmam que a qualidade passou a pesar menos entre os critérios de escolha na hora da compra.
“Os consumidores no meio e na base da pirâmide econômica tiveram que se reinventar em busca de equilíbrio financeiro e controle de despesas. São pessoas ainda mais seletivas, com mais experiência e acesso à informação e mais opções de compras e canais. É um contexto que está impulsionando uma abordagem mais criteriosa na avaliação do custo-benefício, combinando uma exigência de qualidade e preço acessível, com uma atenção especial aos aspectos ESG”, analisa o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles.
Os dados da pesquisa indicam também que há um vasto potencial de intenção de compra reprimida. Caso as condições econômicas se tornem mais favoráveis nos próximos anos, esse potencial pode ser destravado, revelando oportunidades significativas para os negócios. Metade dos consumidores do grupo pesquisado, por exemplo, acredita que não terá condições de comprar pelo menos uma das categorias de produtos que deseja.
O setor de educação apresenta o maior índice de demanda reprimida: 31% afirmaram que gostariam de realizar cursos de idiomas nos próximos 12 meses se tivessem condições financeiras e 28% citaram cursos diversos. “Há um reservatório de desejo de consumo nas classes C, D e E que, se convertido em poder de compra, pode inaugurar uma nova fase de crescimento para o varejo brasileiro. Estamos diante de uma janela de oportunidade: se as condições econômicas melhorarem, esse anseio reprimido por educação, bens duráveis e melhor qualidade de vida pode gerar uma onda de consumo com efeitos multiplicadores na economia”, complementa, Renato Meirelles.
Mais crédito
Mais conscientes e conectados para consumir, os consumidores entrevistados integrantes das classes C, D e E acabam esbarrando em um detalhe que os limita de alguma forma, mas que, ao mesmo tempo, revela um cenário de possibilidades para o setor de varejo e consumo do Brasil. Segundo a pesquisa da PwC e do Instituto Locomotiva, 87% das pessoas com menor renda comprariam mais se tivessem mais acesso a crédito.
“Existe o ímpeto de comprar mais, mas é preciso ter mais facilidades. Também constatamos que 60% desse grupo afirma já ter deixado de comprar algum produto ou contratar algum serviço por falta de crédito, o que significa falta de limite no cartão, de opções de pagamento como carnês, parcelamento em poucas vezes e dificuldade para empréstimos. Sobre esse último ponto, diagnosticamos ainda que as classes A e B são mais privilegiadas”, observa Renato Meirelles.
Outros números da pesquisa “Mercado da maioria” contribuem com essa avaliação sobre a facilidade de as pessoas com mais renda contratarem crédito. De acordo com o levantamento, enquanto 34% dos respondentes das classes C, D e E alegaram sempre conseguir um empréstimo, 31% disseram nem sempre conseguir. Esses índices nas classes A e B são, respectivamente, 47% e 16%.
Características regionais de consumo
De acordo com Luciana Medeiros, o varejo e a indústria devem adaptar suas estratégias considerando as características socioeconômicas, culturais e climáticas de cada região. Por exemplo, a preferência por certos aromas pode ser mais ou menos acentuada devido às características locais do clima. Áreas com menor poder aquisitivo podem demandar embalagens menores, alinhadas ao poder de compra dos consumidores.
Entre os entrevistados, 64% afirmaram que aceitam pagar um pouco mais por marcas/produtos que apoiem a diversidade e 50% disseram ter deixado de comprar um produto ou contratar serviços de alguma marca que teve atitudes consideradas preconceituosas. “A busca por autenticidade tornou-se essencial. Os consumidores agora valorizam empresas que não apenas falam, mas agem de maneira inclusiva e genuína. O verdadeiro valor está em produtos e serviços que refletem as mudanças sociais e em marcas que apoiam causas alinhadas aos valores e identidades de seus consumidores”, diz Luciana Medeiros.
Onde compram
Os consumidores das classes C, D e E diversificam os canais de compra e veem na internet uma aliada. A pesquisa da PwC com o Instituto Locomotiva mostrou que o conceito “phygital” – que integra os ambientes físicos e digitais – é uma realidade para esse grupo, uma vez que 63% afirmaram já ter comprado on-line e retirado o produto em lojas físicas.
“O que percebemos é que, como em outras classes, a experiência on-line tem norteado o hábito de consumo das pessoas com menos renda e passou a ser mais relevante na última década: 66% dos respondentes declaram depender mais da internet para comprar produtos e serviços do que há dez anos e 40% dizem já ter comprado produtos em redes sociais”, aponta Luciana Medeiros.
Outros aspectos digitais atraem esta parcela da população, como as iniciativas de conversão em descontos. Dos entrevistados, 35% dizem já ter participado de jogos que concedem pontos a serem utilizados na troca por descontos e benefícios. Outros 38% já compraram produtos usados em sites ou aplicativos especializados.
“Os dados revelam uma fusão entre o digital e o presencial nas práticas de consumo também das classes C, D e E. Enquanto plataformas digitais ganham espaço com apelos de conveniência e vantagens econômicas, as compras em lojas físicas permanecem fundamentais, evidenciando a necessidade de um modelo de varejo que harmonize ambas as experiências”, avalia Renato Meirelles.
Ainda que o espaço on-line seja bastante usado, comprar em lojas físicas continua sendo uma experiência frequente entre as classes C, D e E. Compras em supermercados e hipermercados, em lojas de materiais de construção e de produtos para pets, por exemplo, são majoritariamente realizadas fisicamente. Esse é um hábito exclusivamente no formato presencial para 46%, 44% e 36% dos consumidores destas categorias. Já artigos eletrônicos, cursos diversos e de idiomas têm predomínio de compra on-line e são adquiridos apenas de forma presencial por 22%, 21% e 18%, respectivamente.
Apelo das apostas esportivas
A digitalização crescente também tem trazido novas formas de entretenimento e consumo, competindo diretamente por atenção e recursos das classes socioeconômicas C, D e E. É o caso do segmento de apostas esportivas, que está em plena expansão no Brasil e tem potencial para alterar as decisões de consumo das famílias, especialmente as que fazem parte do grupo retratado no estudo.
A atividade vem crescendo desde a aprovação da lei nº 13.756 em 2018 e, embora ainda aguarde regulamentação, deve movimentar de R$ 60 bilhões a R$ 100 bilhões em 2023, segundo análise da Strategy&, consultoria estratégica da PwC. O número de empresas que atuam no setor no país passa atualmente de 300. Em 2024, a estimativa é que gastos com jogos e apostas podem equivaler a quase 5% das despesas do brasileiro com alimentação.
“Com a regulamentação das apostas esportivas, testemunhamos como o digital pode remodelar o consumo e o lazer das classes C, D e E. Este setor em crescimento demonstra a importância de acompanhar as tendências e adaptar estratégias de negócio para capturar novas demandas de um mercado dinâmico”, comenta Renato Meirelles.
Direcionamento para empresas
Ao entender o potencial de compra das classes C, D e E, o estudo “Mercado da maioria” propõe uma reflexão: as empresas de varejo e bens de consumo estão preparadas para compreender e atender de forma eficaz essa população, que tem novos comportamentos, preferências e expectativas?
Rever políticas de crédito e a estratégia de go to market são dois desses pontos de observação, por exemplo. É necessário estudar os tipos de produtos e cadeias de distribuição em cada região do país.
Criar uma experiência de compra inovadora, sem abrir mão do aspecto humano e da brasilidade, com a integração das experiências on-line e off-line, além do uso de influenciadores, também são relevantes para impulsionar o crescimento do negócio. Além disso, outro elemento crucial é saber comunicar claramente os esforços ESG da marca e suas práticas ao consumidor.
“Os dados que conseguimos compilar mostram que os consumidores de menor renda possuem propósitos e fazem escolhas criteriosas para comprar. As empresas que não se engajarem, de fato, com questões sociais e ambientais vão perder essa parte do público consumidor do país. É preciso, ainda, ampliar os canais de comunicação com os consumidores para entender de forma contínua quais são as preocupações, os feedbacks e as sugestões”, comenta Luciana Medeiros.
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