Continuação do artigo: Rio Joanes Agoniza e Todos são responsáveis!
Ao tempo em que aprendia com o presidente Borba o tamanho da guerra tantas vezes solitária dos ribeirinhos, dos pescadores, agricultores familiares, marisqueiras, trabalhadores lindeiros do rio, detive-me a mais estudos. Fui buscar na monografia – “O Rio Joanes e sua importância para as comunidades tradicionais do seu entorno”, da pesquisadora Naiane Jesus Pinto, apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão de Recursos Hídrico, Ambientais e Energéticos da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Gestão de Recursos Hídricos, Ambientais e Energéticos –, muitos alertas vivos e ainda mais preocupantes, dando conta de um descaso importante das autoridades e de todos aqueles que macularam o Rio Joanes ao longo das últimas três décadas.
Assim recortou a pesquisadora, com precisa descrição:
“O Rio Joanes é muito importante e tem umas das suas nascentes no município de São Francisco do Conde-BA. Sua área de Proteção Ambiental Joanes Ipitanga abrange as Bacias Hidrográficas dos rios Joanes e Ipitanga, suas nascentes, represas e estuário. Este manancial é responsável por cerca de 40% do abastecimento de água da Região Metropolitana (de Salvador), o que justifica sua proteção ambiental e banha por sua vez diversas comunidades tradicionais que utilizam os recursos naturais para sobrevivência e manutenção das suas tradições, na forma de pesca artesanal, cultivos agrícolas, extração vegetal, água e minerais, dentre outros. Nesta região que envolve os municípios de São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Candeias, Camaçari, Simões Filho, Dias DÁvila, Lauro de Freitas e Salvador, são encontradas diversas comunidades tradicionais, destacando-se os quilombos de Cordoaria, em Camaçari, Dandá e Pitanga de Palmares, em Simões Filho e Quingoma, em Lauro de Freitas; agricultores da Fazenda Guerreiro, em Simões Filho, Fazenda Petecaba, em Candeias; pescadores de Parafuso, em Camaçari e Futurama, em Dias DÁvila, além da diversidade dos cultos de matriz africana.”
Segundo o acompanhamento rigoroso da OSCIP Rio Limpo, o agravamento é registrado de forma inconteste, quando se comprova que todos os rios urbanos, estão transformados em canais de lixo e esgotos, dada a inexistência de saneamento básico na região.
Os afluentes que desaguam no Rio Ipitanga, a exemplo dos rios Poti, o Cabuçu, o Cururipe, das Margaridas, Itinga, Caji, Picuaia, Ribeirão e Itapoá, estão eivados de excremento, dejetos de toda ordem, restos de obras, construções irregulares, desmatamento ciliar, águas servidas, poluição industrial, dentre outras.
A realidade, o risco real e o que nos resta fazer, e rápido!
A ciência tem trazido com elevada maturidade que já estamos em uma nova era, em um novo ciclo, oAntropoceno, que na visão desses cientistas, baseia-se na influência humana sobre o planeta, que não mais o regeneraria e sim, o impactaria permanente e irremediavelmente.
Em linguagem objetiva, o Antropoceno é o resultado da extração, do uso irresponsável, indiscriminado, e imprudentedos recursos naturais, e as interferências drásticas nos muitos biomas desses recursos naturais, em proporçõesmuitas vezes superiores ao estoque desses recursos no Planeta Terra. Ou seja, estamos desidratando a Terra.
Segundo a Revista Nature, “tudo o que foi produzido e construído pelo ser humano no planeta em 2020, ou seja, edifícios, carros, casas, roupas, garrafas etc (massa antropogênica) superou, pela primeira vez na história, a massa conjunta dos seres vivos (biomassa). O peso seco da massa antropogênica situou-se em 1,1 teratons, excluindo a massa de lixo, i.e., a correlação é ainda mais preocupante. Em termos ilustrativos, em 1900 era apenas 35 gigatons, equivalente a apenas 3% do atual, e vem dobrando a cada 20 anos.”
Recentemente vi uma entrevista do pensador, escritor e líder indígena, Ailton Krenak, na verdade uma irreprochável aula sobre o mundo, ou melhor, sobre a iminência do seu fim! Dessa tese, nasce a sua obra “Ideias para adiar o fim do mundo” (Cia das Letras, 2020).
Na entrevista extraordinária, de 16/07/2019, Krenakdestacaria vários pontos chaves, mas enfatizaria algo que a nós se aplica de imediato. Diante do quadro alarmante, uma decisão se faz mister: cuidarmos do local onde vivemos. A tese de que devemos pensar globalmente, mas viver localmente, é mais do que válida. Não podemos transformar nossa casa, nossos rios, nossas praias, nossas florestas, nossas cidades em lixões.
Segundo o escritor, não adianta as pessoas se esconderem em suas casas com todos os seus aparatos de segurança, nos condomínios de luxo, nas suas fazendas, nas suas empresas, nos seus rincões, achando que isso significa proteção e inteligência de posições, pois poderiam, desta forma, aparentemente e falsamente fortalecidos, escapar dessa total e irreversível débâcle, pois todos, absolutamente todos, estão sujeitos à derrocada do planeta!
Consciência coletiva, ação planejada e responsabilidade de fato!
É preciso fazer um detalhado diagnóstico dos rios da Bacia Hidrográfica Joanes e Ipitanga, principalmente com foco imediato no Rio Joanes. Esse estudo, realizado pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), denominado de MBL (Morfologia, Batimetria e Limmologia), ou do inglês MBL (Morphology Bathymetry Limnology), irá definir com clareza o estado característico do rio, ou seja, irá estudar seus contornos, curvas de nível, as batimetrias eprofundidades do rio, culminando com o estudo mais relevante, o da Limmologia, que coletará, identificará todas as espécies de bactérias, algas, de fito e zooplanctonexistentes no sistema trófico local, desde a nascente, até a sua foz.
Segundo técnicos ligados à OSCIP Rio Limpo, o Rio Joanes, que transpassamos diariamente, não traz mais ali suas águas naturais, nem mesmo as águas poluídas como discorrido acima. Essas águas que notamos, escuras, fétidas e absolutamente poluídas, são águas servidas de todos os municípios lindeiros, que despejam suas podridões sem nenhum respeito aos seus cidadãos, ao meio ambiente e àsfuturas gerações.
Nosso alento é que a natureza se regenera, caso paremos de maculá-la. Esses estudos fazem-se imperativos e urgentes. Ou se enfrenta a realidade e trata-se do tema com altivez, seriedade e responsabilidade, ou nossa gente irá continuar a sofrer, e a economia local continuará a ser um arremedo de desenvolvimento sem chances de sustentabilidade no médio e longo prazo, afinal, qual o peso hoje do turismo nos municípios de influência dos rios Joanes e Ipitanga?
Findo trazendo um conceito que me parece sólido para encerrar este artigo. Na aviação, quando a aeronave, descola suas rodas (dianteiras) pequenas do solo, ele é obrigado a decolar, pois não há mais pista para reverter, independente do problema que possa ter sido verificado naquele instante. Esse ponto, em termos técnicos, chama-se de “ponto do não retorno”, ou do inglês, point of no return.
A esse ponto já chegamos! Não há como retroagirorganicamente, não há como permanecer! Tergiversar eprocrastinar ainda mais, tornar-se-á uma leniência inaceitável pois o povo não mais tolera o descaso, e as futuras gerações não podem nem devem ser condenadas por aquilo que esta geração destruiu e não foi capaz de consertare de fazer nada em benefício dos verdadeiros donos do Rio Joanes, sua gente!
Carlos Cesar Meireles Vieira Filho, mestre em administração pela UFBA, consultor e conselheiro voluntário da OSCIP Rio Limpo