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PESQUISA DESENVOLVIDA NA UFBA GANHA FINANCIAMENTO DO GOOGLE

João Paulo - 22/03/2023 07:20 - Atualizado 22/03/2023

A necessidade de democratizar a informação para todos os públicos e promover a acessibilidade, especialmente as Pessoas com Deficiência Visual (PDV), é um tema urgente e que precisa ser enfrentado com responsabilidade por parte dos meios de comunicação jornalísticos.

Foi com base nesse princípio que nasceu o Protocolo REVERTA, uma proposta baseada em evidências e que visa democratizar o acesso à informação jornalística, um direito que deve ser garantido a todas as pessoas.

Com foco em ampliar a inclusão e a acessibilidade de PDVs no acesso a conteúdos jornalísticos, o Protocolo REVERTA, desenvolvido pela pesquisadora Carla Beraldo, do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Online (GJol), da Ufba, foi vencedor da terceira edição do Desafio da Inovação GNI para América Latina do Google News Initiative (#GNIChallenge). O protocolo é baseado no trabalho de mestrado de Beraldo, intitulado “Quem cabe no seu todos?” Jornalismo e deficiência visual: um estudo sobre a acessibilidade e usabilidade de notícias em redes digitais, sob a orientação do professor Marcos Palácios, uma das maiores referências nos estudos de jornalismo digital no mundo.

O crucial no desenvolvimento do protocolo REVERTA, de acordo com a pesquisadora, foi considerar a perspectiva das PDVs em todo o processo de investigação. Até onde as demandas expressas por esse público estavam sendo atendidas ou não pelas práticas editoriais dos veículos, com suas rotinas produtivas das notícias, associadas às funcionalidades dos softwares de Gerenciamento de Conteúdo?

Ao responder a essa pergunta central, a partir de sua pesquisa, Beraldo afirma que os jornalistas, em geral, não sabem como produzir um conteúdo acessível a todos os públicos. “Verificamos que a falta de determinados parâmetros que deveriam ser seguidos coincide com as principais dificuldades das pessoas portadoras de deficiência ao acessar conteúdo. Então, a ideia desse protocolo é que a gente reverta a inacessibilidade, fazendo com que os jornalistas passem a produzir conteúdo acessível no dia a dia”, explica a pesquisadora.

Dificuldades e inovação – A partir de testes experimentais, o REVERTA conseguiu diminuir em até 82,3% os problemas de identificação do conteúdo pelas tecnologias assistivas (TA), que são recursos ou ferramentas utilizadas por uma pessoa com deficiência para que ela consiga acessibilidade e autonomia. Para navegar na web ou interagir com serviços digitais, PDVs utilizam, por exemplo, softwares e aplicativos leitores de tela, que transformam o texto escrito em áudio, por meio de um sintetizador de voz. Os mais usados no Brasil são o NVDA (Non Visual Desktop Access), JAWS for Windows, Virtual Vision, Talkback, DOSVOX, Orca e VoiceOver.

Apesar da disponibilidade destas ferramentas, a experiência do usuário para a leitura de conteúdo jornalístico revela que a forma como as notícias estão publicadas necessita de melhorias para garantir a navegabilidade e acessibilidade. Por exemplo, a atualização constante de site em HTML faz com que os leitores de tela parem a transcrição e retornem ao início da página. Sites com fundo branco ou em cores claras, uso de letras pequenas também atrapalham a visibilidade e cansam as pessoas com baixa visão. A presença de publicidade, anúncios sobrepostos, pop-ups, captchas, dentre outros, também dificultam o acesso à informação.

“Imagine a dificuldade das pessoas portadoras de deficiência em acessar informações sobre a Covid-19 e as formas de prevenção da doença no período mais crítico da pandemia?”, pontua Carla Beraldo. Ela usa o exemplo da pandemia de Covid-19 para advertir que a  falta de isonomia no acesso às informações coloca determinados segmentos em situações de maior vulnerabilidade.

De acordo com a pesquisa de Beraldo, de um total de 117 pessoas com deficiência visual entrevistadas por ela em todo o Brasil, 61,5% declararam que “se sentiram frustradas, prejudicadas e excluídas do acesso às informações sobre a pandemia”.

Exclusão – Para um conteúdo ser compreensível, segundo as Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo da Web (WCAG 2.1), a informação precisa ser “perceptível”. Um critério está diretamente associado ao outro. De acordo com esse princípio, é necessário que o conteúdo seja apresentado em diferentes formatos, que devem conter descrição alternativa das imagens, das legendas em vídeos ou outros tipos de narrativas multimídia, e um código de HTML que consiga compreender os leitores de tela.

No entanto, ainda de acordo com a pesquisa de Carla Beraldo, 73,1% das pessoas com deficiência visual entrevistadas por ela responderam que a experiência de acessar notícias em redes digitais “é difícil” e 82,4% relataram que os textos alternativos não são claros para imagens, gráficos, infográficos, tabelas e vídeos. E por estas razões, 77% afirmaram que desistem da leitura da notícia, sendo que 90,4% dos entrevistados concordaram que a falta de acessibilidade em conteúdos jornalísticos é uma forma de exclusão social.

Responsabilidade – “Em tempos de modelos de negócios escassos e o jornalismo em constante crise a gente identifica uma grande parcela de audiência que poderia estar  consumindo notícias. Então, o REVERTA vem para ajudar a incluir esses outros tipos de públicos que têm ficado à margem porque não encontram condições adequadas de acessar informações. Vencer essa barreira é fundamental para que pessoas com deficiência sejam protagonistas na sociedade”, avalia Beraldo, que também atesta que o protocolo proposto por ela é capaz de dirimir constrangimentos à acessibilidade e usabilidade, não somente de pessoas com deficiência visual, mas também daquelas que são idosas ou com baixo letramento digital.

Ainda nesse ano, o REVERTA será testado pelos jornais Folha de São Paulo e Marco Zero, além das Emissoras Pioneiras de Televisão (EPTV) e do site ACidadeON, veículos de diferentes perfis e públicos. Durante esse processo, os jornalistas envolvidos ainda informarão sobre os gargalos encontrados na aplicação do protocolo. Esse feedback será a base para a criação de um protótipo de plugin que poderá ser agregado a qualquer publicador ou gerenciador de conteúdo. A intenção, segundo Beraldo, é que essa ferramenta possa ajudar a melhorar, cada vez mais, esses sistemas tornando-os progressivamente mais acessíveis e com maior usabilidade.

De acordo com dados da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO, 2019), 3,5% dos brasileiros têm algum grau de deficiência visual. Mais de 29 milhões de pessoas têm alguma dificuldade permanente de enxergar, ainda que usando óculos ou lentes. E o Nordeste é a região com maior concentração de PDVs (16,8%) no Brasil.

“Esse é um contingente social importante que  não pode ser ignorado por um jornalismo que quer se tornar mais inclusivo e acessível”, pontua a pesquisadora, que considera sua proposta um recurso que corrobora com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário e que preconiza a eliminação de barreiras à acessibilidade nas informações, inclusive nos serviços eletrônicos.

Fonte: Assessoria

Foto: Tácio Moreira /Metropress

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