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A REGULAÇÃO EUROPEIA ANTIDESMATAMENTO E O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

João Paulo - 27/02/2023 09:28 - Atualizado 27/02/2023

JOSÉ MACIEL DOS SANTOS FILHO  (1)

Em 6 de dezembro último, a União Europeia aprovou uma norma que proíbe a entrada  no mercado europeu de commodities produzidas em áreas desmatadas, após 31 de dezembro de 2020. Os importadores poderão, após a entrada em vigor da medida, auditar os vendedores erejeitar carne, soja, madeira, borracha, cacau, café e óleo de palma, e produtos derivados dessa lista, oriundos de qualquer propriedade rural com desmatamento legal ou ilegal.  No caso do Brasil, o bioma Amazônia deverá ser especialmente atingido pelo novo regramento.  Embora tenha ficado de fora, o bioma Cerrado, poderá ser alcançado na próxima revisão da matéria, prevista para ser analisada um ano após a medida acima entrar em vigor. Brasil, Indonésia, Malásia e outros países são os alvos principais da decisão do bloco europeu.

A data de corte definida, 31 de dezembro de 2020, significa que produtos cultivados ou animais criados em áreas desmatadas após essa data deverão ter suas importações recusadas. O Conselho Europeu tinha proposto o início de 2023 como data de corte, mas a Comissão Europeia vetou essa sugestão.

A matéria, celebrada por ONGs e entidades ambientalistas, não teve grande repercussão entre os analistas do agronegócio e as dificuldades possíveis criadas para as nossas exportações agropecuárias por conta da nova norma também não tiveram destaque nos principais veículos de comunicação no Brasil.

A não distinção entre desmatamento legal e ilegal sugere que os europeus pretendem alcançar  qualquer área desmatada, ainda que no caso brasileiro o nosso Código Florestal permita  alguma margem de desmate se o produtor nacional estiver cumprindo os coeficientes de Reserva Legal. No caso do bioma Amazônia, a Reserva Legal é de 80%, o que faculta ao nosso agropecuarista usar até 20% da área de seu estabelecimento rural. Se ele, por exemplo, estiver cultivando 15% de sua área total, a nossa legislação permite um desmate adicional de até 5% de sua área. Dessa forma, a nova regulação européia atropela claramente o nosso marco legal, que é considerado um dos mais rígidos, em termos de permissão de áreas permitidas para uso agrícola. A nosso juízo, pelo menos duas providências se impõem no caso.

A primeira é a de que o nosso Código Florestal deve ser a nossa referência, e, portanto , o desmatamento ilegal é o que deve ser alvo de combate pelos nossos órgãos ambientais. Declarações recentes do presidente Lula estão, acertadamente, em linha com esta orientação. O Brasil não pode abrir mão de sua soberania legislativa, nem aceitar  qualquer legislação nesse particular com cláusula de vigência que colide com o princípio da irretroatividade.

Em segundo lugar, a diplomacia brasileira deve ser acionada para questionar a decisão europeia unilateral, junto aos  organismos internacionais pertinentes, a exemplo da Organização Mundial do Comércio. As informações disponíveis indicam que o Itamaraty já está tomando as primeiras providências nesse sentido.

Apesar da União Europeia representar 16% das exportações do agronegócio brasileiro, sendo a China o principal  comprador de nossos produtos agropecuários, não se pode desprezar a possibilidade de que as decisões europeias na matéria aqui discutida, podem servir de referência  para serem encampadas por outros países importadores.

Algumas nações europeias, particularmente a França, querem endurecer suas posições contra o agro brasileiro, mesmo sabendo que as exportações brasileiras de carne e soja, por exemplo, não têm a Amazônia como região de origem da produção. Faltam a esses países, um pouco de coerência, posto que, além de lutarem obstinadamente pela manutenção de generosos subsídios no âmbito da Política Agrícola Comum, da União Europeia, quando o “calo aperta”, e o abastecimento de seus mercados se encontra sob alguma ameaça, os Estados Membros do bloco europeu logo arrumam  um jeito de relaxar medidas ambientais no sentido de liberar áreas reservadas ou de preservação para que possam ser usadas e postas em cultivo, para resguardar o atendimento de suas necessidades do mercado interno. É como se o Brasil defendesse utilizar áreas de Reserva Legal ou de Preservação Permanente para fins de uso e cultivo agrícola. Se o Brasil adotasse uma medida dessa, os países europeus iriam reclamar uma barbaridade. Medidas de  flexilibilização nesse sentido foram ventiladas por países do bloco, como a França, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, por conta da dependência dos europeus  das importações de trigo, milho, girassol e outros produtos produzidos na Ucrânia e na Rússia.

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