Junto com os afoxés e outros ritmos, os blocos afros representam a cultura negra no Carnaval de Salvador. E para apresentar uma prévia do espetáculo que prepararam para a folia deste ano, dezenas deles estiveram reunidos ontem, no Largo Tereza Batista, no Pelourinho, durante o lançamento do Carnaval Ouro Negro – que fomenta a participação dos grupos de matrizes africanas e de povos tradicionais na folia momesca.
Ao todo, 63 entidades carnavalescas apresentaram suas danças, cantos, batuques de tambores e discursos de resistência. Entre eles, o bloco afro mais antigo do Brasil homenageará o centenário do angolano Agostinho Neto. Ele era um médico, escritor, e foi responsável pela libertação do povo angolano. Carinhosamente, ele é conhecido como Manguxi, o pai da nação angolana que, em 2023, completaria 100 anos.
Este ano o Ilê completa 49 anos. A festa marca o início do reinado de Dalila Oliveira, a Deusa do Ébano 2023. Ao seu lado, estreiam as princesas eleitas na 42ª Noite da Beleza Negra, Carol Xavier e Larissa Valéria. Nos vocais, estarão Jauncy Oju Bará, Valter França, Juarez Mesquita, Iana Marucha e Graça Onasilê, que se revezam nos dias de desfile.
Já o bloco afro percussivo feminino, Didá, escolheu o tema “Afrofuturismo, o algoritmo dos búzios” para o Carnaval de 2023. O grupo, que comemora 30 anos de existência, escolheu o tema para quebrar o preconceito de que o futuro e suas projeções são produtos exclusivos da cultura branca e criar novas narrativas para as comunidades negras.
O desfile terá como faixa de abertura o slogan “O futuro veio da África, o pós-futuro é o Brasil”. Este tema irá reger as três grandes alas cujos nomes brincam com o tempo linear, chamados de futuro do passado, futuro do presente e futuro do futuro.
Eles e os demais blocos foram contemplados no edital de financiamento – que leva o mesmo nome do espetáculo -, promovido pela Secretaria Estadual de Cultura (Secult) e pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais (Sepromi). Assim, o evento também marca a apresentação dos grupos ao público. Neste ano, ele chega a sua 14° edição, com uma responsabilidade ainda maior.
Após a apresentação da Banda Didá, a vocalista do grupo Madalena, destacou que, a um dia do Carnaval, o grupo ainda buscava patrocínios e que se não fosse o Ouro Negro, o bloco não iria para a rua este ano. Diante da situação, a esperança é de que a busca dê resultados no próximo ano.
“Nenhum outro patrocínio. Até os que buscamos, não quiseram. Tentamos outros caminhos, mas não conseguimos. Só conseguimos o Ouro Negro. Não conseguimos com outras empresas. Estamos a dois dias do Carnaval e ainda estamos tentando custear cordeiros. Estamos nessa luta e torcemos para que nos próximos anos consigamos sair de uma forma mais tranquila e leve”, disse.
O bloco Filhos Gandhy, foi outro afoxés contemplados pelo edital. Para eles, o programa de incentivo também representou a salvação do Carnaval da entidade este ano, como destacou, pouco antes do evento de abertura do Ouro Negro, o vice-presidente do grupo, Hildo Souza.
“O afoxé filhos de Gandhy é, antes de tudo, uma emoção que nos leva a ter força e trabalhar muito para manter a instituição. Além do bloco, temos muitos trabalhos sociais. Este ano, nós contamos com o apoio do Carnaval Ouro Negro para colocar o bloco na rua, a iniciativa é a tábua de salvação dos blocos afro e dos afoxés. Não temos incentivo da iniciativa privada e colocamos quatro mil pessoas nas ruas”, afirmou o líder do bloco que, em 2023, desfilará com o tema Caboclo de Penas e Encourados.
Para muitos desses grupos musicais, o cortejo deste ano foi construído com muita resistência e trabalho para conseguir colocar o bloco na rua. Uma parcela significativa disso está na pandemia, que dificultou a manutenção dos patrocínios durante o período de suspensão das festas e a aquisição de novos após o retorno delas. Por isso, o apoio do Carnaval Ouro Negro se tornou ainda mais importante.
Correspondendo a carência enfrentada pelos blocos afros, o aporte disponibilizado foi o maior ao longo das 14 edições da série histórica, de 7,6 milhões, um aumento de 98,97% em relação ao último carnaval. O número de inscritos também foi recorde. Foram 199 propostas de 123 instituições de matriz africana dos segmentos afro, afoxé, samba, reggae e de índio, que desfilam no Carnaval de Salvador.
Para o secretário de Cultura da Bahia, Bruno Monteiro, é na democratização do Carnaval que o edital mira. “Isso é muito importante para a gente que entende que são essas manifestações que fazem o nosso carnaval ser tão democrático, porque elas são muitas vezes manifestações que não tem o apelo comercial. Então, esse apoio é importante, pois valoriza o que nós temos de mais excepcional no nosso Carnaval”, destacou o gestor.
Além dele, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues também esteve presente no lançamento do Carnaval Ouro Negro 2023 e comentou sobre a necessidade da realização de um trabalho ao longo do ano para viabilizar a participação dos blocos afro na folia.
“É uma celebração feita durante o período, mas que é preparado pelos blocos, grupos e pelo estado o ano inteiro. [Tudo] para que naquele momento as coisas estejam ajustadas na parte de estrutura, segurança e comunicação”, afirmou o governador, ao lado da secretária da Sepromi, ngela Guimarães.