Em entrevista ao Jornal O Globo, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, criticou a atuação de militares durante os atos terroristas na praça dos três poderes em Brasília.
Para reparar essa falha histórica, segundo ele, a equipe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) será renovada, passará por um treinamento e adotará novo protocolo de segurança. Costa pontua ainda que o momento é de pacificar o país, o que, para ele, ocorrerá com o governo gerando emprego, crescimento econômico e entregando obras.
Veja a entrevista na íntegra
O Globo – Nos primeiros dias de governo, houve uma cacofonia entre ministros, que divergiam em opiniões e recuavam em promessas de ações. Como o senhor evitará esses ruídos com 37 pastas?
Rui Costa – O período de transição foi muito difícil. As condições adequadas não foram oferecidas. O presidente terá que ficar morando até dia 25 de janeiro em hotel e, assim que voltar da Argentina, deve mudar para o Alvorada. Só aí, resume tudo. É natural que, nessas condições, está montando equipe e ainda não tem uma uniformidade de procedimentos ou de como fazer o debate. Opiniões diferentes não são ruins. Ao contrário, quem defende a democracia é a favor da oxigenação de ideias e de opiniões heterogêneas. O debate não é ruim. Só precisa ficar claro aquilo que já é opinião do governo, tomada e ratificada pelo presidente da República, ou apenas uma opinião pessoal, que absolutamente todos têm direito a ter. Essas conversas de alinhamento estão sendo feitas. Lula está recebendo todos os ministros, dizendo qual o fluxo que ele quer.
O Globo – Um desses ruídos foi sobre como lidar com os acampamentos golpistas instalados em frente aos quartéis generais do Exército. O ministro da Justiça, Flávio Dino, defendia a desocupação imediata, enquanto o da Defesa, José Múcio , pregava o diálogo. Nesse caso, houve um erro de avaliação de Múcio?
Rui Costa – Todos defendiam a desmobilização desses acampamentos. Na minha opinião, isso não contribuía e não contribuiu para a imagem das nossas Forças Armadas, que sempre foram o símbolo do que está escrito na bandeira do Brasil: “Ordem e Progresso”. Por isso, sempre fui da opinião que não deveria ser permitido acampamentos com cartazes e faixas questionando a Constituição e os Poderes constituídos. Todos concordavam que deveriam sair. Havia apenas a diferença de opiniões sobre qual o ritmo, se imediatamente ou se levaria dois, três, cinco dias. O que se materializou e comprovou é que esses acampamentos estavam servindo de incubadoras para atos violentos e ilegais. Não conheço, na história do Brasil, momentos em que as Forças Armadas tenham permitido acampamentos de movimentos sociais com quaisquer reivindicações nas portas das suas unidades. Então, isso talvez seja algo singular e único na história das Forças Armadas. Não deveria ter sido permitido em momento algum.
O Globo – Lula afirmou que houve conivência de “muita gente das Forças Armadas” durante a invasão ao Planalto. O senhor concorda com o presidente?
Rui Costa – Tive a oportunidade de ver muitos vídeos de câmeras internas e externas. Se algo é consenso, é que a atuação está longe de corresponder a um treinamento e a uma eficiência para qual essas forças são treinadas. Longe. Isso fica visível vendo os vídeos pelo padrão de comportamento. O processo de investigação deixará as responsabilidades de cada um mais claras . Os inquéritos serão abertos para civis e eventualmente para militares, se vier a ser materializado e comprovado que não agiram dentro do padrão para qual foram treinados. Isso não é bom para o Brasil. Eu não consigo imaginar a Casa Branca sendo invadida. O uso de todas as forças na última instância seria utilizado para impedir isso. Deveria ter sido utilizada a energia máxima para impedir o que ocorreu. É preciso repensar, replanejar e treinar muito. Adotar modelos mais rígidos, firmes e duros de proteção das instituições para que não se repita nunca mais.
O Globo – Há um clima de desconfiança no Planalto em relação a servidores?
Rui Costa – A princípio, não tem ninguém conhecido nas imagens, o que não significa que não tenha. São muitas horas de gravações e muitas câmeras de segurança. Todo esse material já está nas mãos da Polícia Federal e sendo assistido detalhadamente. Aquela pessoa que quebrou o relógio de Dom João VI estava vestida com camisa de Bolsonaro. E ela aparece em várias câmeras com postura de liderança, chamando os outros, coordenando. Parece que sabia para onde estava indo. Há imagens de vários deles tentando acessar os caixas eletrônicos. Um deles chegou a sacar. Vamos apurar as responsabilidades e mudar protocolos de segurança e de treinamento. O que eu vi ali nas imagens é um comportamento muito histérico e fora da realidade. Isso não é de hoje. É uma seita há algum tempo.
O Globo – O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) passará por mudanças?
Rui Costa – O GSI está sendo mudado. Quase 100% dele será renovado para ter uma oxigenação, para botar pessoas com maior treinamento, com maior capacidade de ação e de reação. Temos que garantir um padrão de treinamento que permita proteger os três Palácios, símbolos das três instituições do Brasil.
O Globo – O slogan do governo fala em união. Como o presidente pacificará o país?
Rui Costa – Com trabalho. Acho que é trabalhando com seriedade, com transparência, fazendo entregas, fazendo o país crescer e gerar emprego. Acho que traremos uma parte considerável daqueles que não votaram no Lula. Voltaremos a ter planejamento de infraestrutura nesse país, executando ações, obras, estradas, portos e aeroportos. As pessoas vão ver isso acontecer. Paralisou-se tudo. A sensação é que passou quatro anos sem governo. O país vai voltar a ter governo.
O Globo – Qual é a prioridade do governo nas próximas semanas?
Rui Costa – Temos pontos mais essenciais e críticos para resolver ainda em janeiro. Um exemplo é a revisão completa no cadastro dos beneficiários do Bolsa Família, para que quem receba sejam de fato aqueles que precisam. As ações prioritárias são as voltadas para a ação social, combate à fome, garantia de uma renda mínima para os que de fato precisam e garantir a busca ativa. Prioridade absoluta é também o Minha Casa, Minha Vida. No dia 20, o presidente já vai estar na Bahia fazendo inauguração e, por incrível que pareça, simultaneamente vai inaugurar mais de 4 mil unidades no Brasil. É simbólico e vamos retomar muitas obras na área da educação.
O Globo – A Casa Civil definiu um cronograma para preencher cargos do segundo escalão até o fim deste mês. Como será feita a acomodação política nessas nomeações?
Rui Costa – O que foi dito para todos os ministros é que eles busquem garantir a diversidade na composição dos seus ministérios. A diversidade passa pelo gênero, pela raça e pela diversidade da política. Tem que ser um governo de unidade. Não de caixinhas fechadas dentro daquela força política. A minha atribuição é a de checar se a pessoa tem impedimento legal para ser nomeada, se alguém é sócio de alguma empresa, se tem alguma condenação ou alguma questão que impeça de atender àquele cargo público.
O Globo – Como funcionou esse filtro no caso da ministra Daniela Carneiro (Turismo), suspeita de ter relação com milicianos, e do ministro Waldez Goés (Integração), condenado pelo STJ por peculato?
Rui Costa – Se o processo, seja de quem for, está em instâncias que ainda não impedem a pessoa de assumir o cargo, não estará impedido. No caso da ministra do Turismo, não temos elemento, absolutamente nenhum, além de fotos de campanha. Se estabelecermos fotos de campanha ou apoio como impedimento para assumir cargo público, talvez reste pouco político que possa assumir qualquer função. Quantas vezes eu estava numa cidade e chega alguém para tirar uma foto comigo, aí depois eu fico sabendo que aquela pessoa tinha envolvimento com coisa errada. Não é assim que funciona uma campanha política. Ouvi várias pessoas sobre isso. Não tem ninguém que sustente que a ministra ou o marido dela tenha relação orgânica com qualquer grupo miliciano.
O Globo – E no caso do Waldez, em que houve condenação pelo STJ?
Rui Costa – Sou defensor da absoluta legalidade. Waldez tem uma decisão judicial que lhe permite ocupar cargo público. Não cabe a nós ficar nos debruçando sobre os aspectos jurídicos. A não ser que a gente queira condenar as pessoas antes do processo transitar nas suas várias instâncias. Do ponto de vista do nosso governo, o presidente foi muito claro com os ministros de que não permitirá e não aceitará nenhuma conduta que não guarde relação com transparência, seriedade e honestidade nas atribuições de cada ministério.