Enquanto o mercado financeiro global mirava os EUA, onde juros subiram de novo, investidores no Brasil reagiam à movimentação das peças em Brasília.
No fim da noite passada, sem aviso prévio, deputados federais juntaram a fome à vontade de comer. Corria na Câmara projeto inicialmente desenhado para alterar regras de publicidade na Lei das Estatais. Foi alterado, e aprovado, para reduzir a quarentena de 36 meses a 30 dias para dirigentes partidários ou participantes de campanhas eleitorais assumirem o comando de empresas públicas. Caso o Senado dê aval, Aloizio Mercadante poderá presidir o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O projeto favorece também congressistas interessados em trocar cargos em estatais por apoio ao novo governo.
Não deu outra. Sob risco de aparelhamento político que jogue às favas regras de governança, e junto delas lucros e dividendos de acionistas, ações de estatais entraram em liquidação. Ainda está quente na memória de investidores, em especial, o que se passou com a Petrobras. Por decisões equivocadas, que independem dos casos de corrupção que dominaram as manchetes, a empresa foi para as cucuias até a virada do governo Dilma ao Temer. Passou a se reerguer dali para frente, ao deixar de vender combustíveis a preços abaixo da média internacional e focar naquilo que faz de melhor. Ou seja, em exploração e produção de petróleo. Projetos não necessariamente lucrativos, na área de refino, passaram a ser passados nos cobres.
A Lei das Estatais foi criada, em 2016, muito em função do que se passou com a Petrobras. A leitura de investidores é que não mais será barreiras para decisões em favor da popularidade presidencial, mas em detrimento de acionistas. Ou seja, que um filme que não faz muito tempo passou de ser exibido se repita. Nessas condições, enquanto o petróleo subia quase 3% em Londres, o papel ordinário (ON, com preferência por dividendos) da estatal afundava 9,80%. Preferenciais (PN, com preferência por dividendos), 7,93%;
As ações do Banco do Brasil, por razões naturais, foi penalizada também. Mas menos, caíram 2,48%. Joga a favor do papel do banco público sua carteira de crédito com risco muito baixo, em especial, dedicada a linhas rurais e consignada para o funcionalismo. De toda maneira, tiveram desempenho diametralmente oposto ao dos pares do setor bancário. Maior alta para o papel ON do Bradesco, de 2,38%. O Ibovespa chegou a afundar 1,84%. Mas, ao som das palavras de Fernando Haddad, futuro ministro da Fazenda, a aversão ao risco, que era brava, deu lugar ao apetite. No final do dia, com 61 das 92 ações no azul, o Ibovespa subia 0,20%, a 103.746 pontos. Na semana, o principal índice da bolsa acumula queda parcial de 3,51%. Em dezembro, de 7,77%. Em 2022, de 1,03%.
O preço do dólar, que na máxima do dia subia 1,09%, a R$ 5,37, caía no fechamento 0,25%, a R$ 5,30. Na semana, tem alta de 1,08%. No mês, de 1,92%. No ano, cai 4,90%. Em linhas gerais, à Globo News, disse que o PT aprendeu com seus erros, e não que não serão repetidos. Inclusive no que diz respeito a alguns dos temores de investidores relacionados às estatais. Haddad citou os casos de corrupção na Petrobras. E, embora a Lei das Estatais caminhe para ser relaxada, defendeu atuação independente de órgãos de controle para evitar novos escândalos.
Seguindo essa linha da autocrítica, criticou desonerações à moda Dilma, cujo resultado desejado era aumentar investimentos, mas acabou sendo rombo fiscal. Defendeu reforma tributária e celeridade para se criar um novo arcabouço fiscal, capaz de estabilizar a dívida pública ao longo dos anos após a licença para gastar da PEC da Transição. Falou em cortes de gastos no curto prazo para ajudar a reduzir o nível de juros, além de defender responsabilidade fiscal como base para políticas sociais. E, de lambuja, condenou políticas de congelamento de preços.
O clichê resume bem como foi recebida pelos ouvidos dos agentes de mercado a retórica de Haddad. Feito música. “Haddad foi muito bem na Globo News, falando aquilo que a gente gostaria de ouvir”, diz Alvaro Bandeira, economista e consultor financeiro com cinco décadas de janela no mercado. “Vamos ver se a teoria de confirma na prática. Mas acabou trazendo alívio para os ativos durante a tarde, trouxe certa tranquilidade aos investidores”. Com o foco tão intenso na cena local, passou batida na bolsa a alta de meio ponto dos juros americanos, a 4,5% ao ano, maior nível desde 2007, que fez Wall Street tremer.
Nos Estados Unidos, o fim da última reunião do ano foi estopim a aversão ao risco disparar. Nem tanto pela alta em si, mas pelo sinal sobre o futuro. Foi confirmada a desaceleração do passo, já que as últimas quatro altas haviam sido de 0,75 ponto. Mas a régua para o ponto final do aperto monetário agora está mais alta. Era de 4,6% ao ano em setembro, foi aos 5,1%. Ou seja, é devagar que se irá ao longe, em busca de uma recessão forçada capaz de tirar o desemprego nos Estados Unidos da mínima histórica, reduzindo a inflação dos atuais 7% ao ano à meta de 2%. Sob esse esse pano de fundo, a curva de juros futuros trouxe alívio na ponta mais curta, mais sensível às falas de Haddad. Nas pontas longas, no entanto, prevaleceu o sinal vindo dos Estados Unidos:
Prêmios em contratos de mais curto prazo estão mais ligados às expectativas de investidores para a Selic. Taxas de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2024 cederam de 14,06% a 14,00%; Já para janeiro de 2033, de 13,30% a 13,40%. Quão mais longo o prazo, maior a influência do cheiro de calote do governo (“risco fiscal”, se preferir).