A Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996) entrou em vigor em novembro de 1996 regulamentando impostos estaduais, especialmente a cobrança do ICMS nas exportações. Os produtos primários exportados ficaram isentos do ICMS e entre eles a soja em grãos, o café em grão e a celulose, fazendo crescer as exportações brasileiras que se tornou um distinto participante a nível mundial. As exportações de grãos não passavam de 80 milhões de toneladas por ano e neste ano de 2022 devem ultrapassar a marca dos 300 milhões de toneladas. Os governos estaduais reclamaram muito e exigiram do governo federal a instituição de um fundo de compensação para os estados, providência que aconteceu e caiu no esquecimento com o passar dos anos.
Tal Lei fez com que os produtos do agronegócio ficassem mais competitivos e avançassem no comércio mundial, principalmente no mercado da China, que passou a ser nosso principal parceiro. Outros fatores, como a implementação de tecnologia desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi fundamental na conquista dos cerrados, e o aumento da população do globo puxou os preços para cima, entre outros acontecimentos favoráveis. Com os ganhos aumentados passamos a nadar de braçada investindo em novas tecnologias e ampliando a fronteira agrícola. Pena que o governo não tenha realizado as obras de infraestrutura necessárias par atender ao aumento da produção, ficando a desejar os investimentos em ferrovias, rodovias e instalações portuárias.
Fato semelhante volta a acontecer quando o governo federal reduz o ICMS cobrado sobre os combustíveis automotivos, reduzindo os preços praticados pelas companhias distribuidoras. Os governos estaduais voltam a reclamar da queda de arrecadação e a exigir compensação por parte do poder central. A conta simples, como as chamadas de padaria, os leva a cometer o mesmo engano. Se esquecem que a redução dos preços dos combustíveis diminui os custos dos transportes, consequentemente os preços dos bens transportados e o aumento do consumo. Com o aumento da demanda os fabricantes são obrigados a produzir mais, o que diminui o custo unitário de fabricação, principalmente se for obtido através da ocupação da capacidade ociosa das plantas, sem ocorrência de investimentos em ativos de modo significativo. Havendo aumento de produção cresce a oferta de empregos e a arrecadação de impostos, esta pelos dois motivos, compensando sobremaneira o corte do ICMS da gasolina e do óleo diesel.
A conta malfeita da perda de receita, ou o desejo insaciável de arrecadar mais no curto prazo, principalmente quando essa vontade é alimentada pela proximidade do fim de mandato, gera o dilema dos governantes. Quando a ação vem de parte de outro poder comandado por político que está filiado a outra agremiação e que pode interferir no resultado das eleições, aí é que a irracionalidade da conta simples prevalece, colocando-os contra ações geradoras de mais benefícios sociais. A obsessão para não perder a receita premente é tão grande, que não consegue ver os benefícios de longo prazo, mantendo o crescimento da economia travado, sem poder andar nem para um lado nem para outro, como corda de caranguejo. O sistema econômico é formado por elementos constitutivos que se relacionam entre si através de regras complexas, não triviais. Ao se introduzir uma modificação num deles é provável que todos os outros se movimentem em busca de nova posição de equilíbrio. Isso não se dá instantaneamente e os tempos de chegada a uma nova estabilidade não é igual para todos os elementos. Necessário se torna enxergar mais longe, senão vai cometer erro, adotando-se implementos muitas vezes sem retorno.
A dificuldade maior do governante, preso ao dilema aqui apontado, é que ele fica cativo da necessidade de se manter no poder, sendo obrigado a tomar atitudes que sejam traduzidas como de exercício do poder, colocando-se na contramão do progresso e do desenvolvimento. Procura, muitas vezes, dar a seus correligionários a impressão de estar praticando uma boa ação, quando na verdade está se colocando contra melhoramentos sociais.
Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]