Ter declarado voto no presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (PL), ou em candidatos a governador ou deputado não apoiados por suas legendas nas eleições deste ano pode resultar em expulsão para ao menos 59 prefeitos, vereadores e dirigentes partidários em todo o país.
Levantamento do GLOBO mapeou quase 60 casos, distribuídos em cidades de Pernambuco, Minas Gerais, Acre, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul em que filiados foram expulsos ou estão sendo processados por seus partidos por terem contrariado a posição da legenda no pleito.
A maior parte dos casos diz respeito à declaração de voto num dos dois candidatos a presidente da República que disputaram o segundo turno. O episódio mais emblemático é o do ex-presidente e um dos fundadores do partido Novo, João Amoêdo, que ainda tramita na sigla. Às vésperas do segundo turno, Amoêdo se posicionou publicamente a favor da candidatura de Lula, o que levou o Novo a determinar a imediata suspensão de sua filiação. Pelas redes sociais, ele relatou ter recebido a notícia com “surpresa e indignação”.
Princípios em discussão
Embora o Novo não tenha apoiado Bolsonaro no segundo turno, na nota em que liberava seus filiados para votarem “de acordo com sua consciência” e “princípios partidários”, deixou claro que era contrário “ao PT, ao lulismo e a tudo o que eles representam”. Agora, a sigla abriu um processo disciplinar contra Amoêdo alegando “possíveis violações estatuárias”.
Também em outubro, o diretório estadual do Partido Verde em São Paulo e Minas Gerais não aceitou que seus filiados apoiassem Bolsonaro sob a justificativa de que o presidente não representa as políticas ambientais e de desenvolvimento sustentável — bandeira ideológica forte na sigla. Em Minas, três prefeitos e o deputado estadual Inácio Franco foram punidos. Já em São Paulo, o prefeito de América, Chico Sardelli, pode ser expulso por ter endossado a chapa Tarcísio-Bolsonaro.
Em Minas, também houve registros de punição por apoio a Bolsonaro no PSB, que expulsou de seus quadros políticos das cidades de Manhuaçu, Cláudio e Carmo do Cajuru, e no PT, em Coronel Fabriciano. Do outro lado, o vice-prefeito de Trombudo Central, em Santa Catarina, foi expulso do partido de Bolsonaro após posar com uma bandeira vermelha com o nome de Lula e os dizeres “O Brasil feliz de novo”. O PL no estado encaminhou sua expulsão alegando não compactuar com esta posição ideológica e desconhecer as ligações de Hermelino Prada com o PT.
Em Pernambuco, o apoio do PT ao PSB na disputa estadual fez parte do acordo nacional em que a sigla pessebista selou aliança com o PT, ficando com a vaga de vice de Lula. Na corrida estadual, porém, o respeito ao acordo sofreu dissidências, e os partidos vêm desde a campanha punindo quem não seguiu a orientação. Ainda na pré-campanha, o PSB expulsou dois prefeitos, três vereadores e um presidente de diretório municipal por “manifestarem apoio a postulantes não indicados pelo partido”. Do lado do PT, 11 filiados foram expulsos por fazerem parte de um movimento de apoio à ex-petista Marília Arraes (Solidariedade). No segundo turno, a sigla acabou tomando a decisão de apoiar Marília oficialmente, mas ela foi derrotada pela tucana Raquel Lyra. Na formalização da expulsão, o diretório estadual do PT em Pernambuco justificou a punição alegando infidelidade partidária. O mesmo ocorreu no PSB, em Minas, em expulsar três prefeitos que apoiaram Bolsonaro.
Infidelidade partidária
A cientista política Mayra Goulart, da UFRJ, explica que os critérios para definir punições variam de acordo com o estatuto de cada partido e que eventuais disputas pelos mandatos dos punidos podem ser judicializadas. — O TSE dá liberdade para que cada partido estabeleça no seu estatuto as regras para disciplina partidária e para fidelidade partidária. Quando o filiado não segue a liderança do partido, abre brecha para judicialização.