Durante audiência pública realizada na Assembleia Legislativa da Bahia, nesta terça-feira, 26, para discutir o “Dia Estadual de Luta Contra o Genocídio dos Jovens Negros e Periféricos no Estado da Bahia”, mães de jovens mortos em operações policiais e representantes de movimentos populares, entre eles os movimentos negro, anti-carcerário e de juventudes periféricas, exigiram uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o genocídio de jovens negros e periféricos no estado.
A proposta já havia sido formalizada no legislativo baiano pelo deputado Hilton Coelho (PSOL), após diversas escutas dos movimentos populares. As lideranças desses movimentos, presentes na sessão, reivindicam agora as assinaturas dos demais deputados da casa para a instauração dessa CPI. “A gente está cobrando essas assinaturas, principalmente daqueles deputados que se dizem estar do lado da gente. Nem que que a gente vá batendo de porta em porta de cada gabinete. O que não pode continuar é a impunidade, é essa matança contra nosso povo”, disse Eilane da Paixão, liderança do Movimento Desencarcera.
A audiência e o Projeto de Lei que institui o Dia Estadual de Luta Contra o Genocídio dos Jovens Negros e Periféricos no Estado da Bahia são propostas do deputado Hilton Coelho (PSOL) e fazem referência ao 6 de fevereiro como o dia em que, na Vila Moisés no bairro do Cabula, 12 jovens, com idades entre 15 e 28 anos, foram executados por policiais durante uma operação. O episódio aconteceu em 2015 e foi divulgado na imprensa nacional como “Chacina do Cabula”. Episódios mais recentes também foram lembrados na audiência, como a execução sumária de três jovens moradores da Gamboa de Baixo, centro de Salvador.
As propostas das ações legislativas se deram diante de dados alarmantes divulgados pela Rede de Observatórios da Segurança, em 2021. A Bahia é o estado mais letal do Nordeste e supera todos os estados brasileiros quando consideramos o principal alvo da letalidade policial: 100% das pessoas mortas por policiais na Bahia são negras. Racismo institucional – “Perdi meus dois filhos caçulas para esse terror perverso do Estado. Por que balas alcançaram a cabeça e o tórax dos meus filhos se eles já estavam dominados? Por que não eles não foram julgados pelos erros que supostamente cometeram?”, indagou Mira Alves, uma das mães presentes na audiência e que tiveram seus filhos mortos por policiais durante operações.
Ela denunciou a dificuldade de interlocução com o governo estadual e com as autoridades que conduzem a judicialização dos casos. “Quando matam os filhos dessas mulheres que estão aqui como eu, praticamente vamos junto. Enquanto eu tiver vida eu vou chamar outras mães para a luta. Queremos que o Estado indenize as famílias que tiveram seus filhos assassinados pelo terror institucionalizado. Isso não trará nossos filhos de volta, mas o Estado precisa pagar por isso. Essa matança indiscriminada deixa destruídas famílias inteiras”, afirmou.
A ouvidora geral da Defensoria Pública do Estado (DPE), Sirlene Assis, avalia que o racismo institucionalizado fica explícito no padrão do tratamento dado pelos órgãos competentes aos casos, como o arquivamento de processos e reprodução de impunidade. “Precisamos reconhecer o racismo institucional para pensarmos um novo sistema de Segurança Pública. Precisamos discutir a formação desses oficiais da segurança”, acrescentou.
A defensora pública e coordenadora Direitos Humanos da DPE, Lívia Almeida, lembrou que existe no Estado da Bahia um prêmio pela produtividade policial e que a Defensoria já sugeriu à Secretaria de Segurança Pública do Estado critérios para essa premiação, como a diminuição de mortes por intervenção policial justificadas como “autos de resistência”, uma nomenclatura que se refere à legítima defesa, mas que vem sendo usada para banalizar a letalidade das operações policiais. “O Estado não chega nos territórios habitados por pessoas negras. Quem chega é o braço armado do Estado, que comete ações que não deveriam acontecer. Não dá para falar de segurança e de mortes sem falar no racismo estrutural. Muitas abordagens violentas acontecem, sim, devido ao racismo”, criticou.
De acordo com o deputado Hilton Coelho, que também é o proponente da CPI do Genocídio, que foi a principal reivindicação citada na audiência, a Assembleia Legislativa, “maior poder institucional responsável por tratar e apontar a resolução dos principais problemas do estado, tem a obrigação institucional de intervir sobre essa situação de genocídio institucionalizado de maneira inadiável”. “Essa audiência pública foi um riquíssimo momento de escuta e de trocas sobre os caminhos de luta para derrotarmos o racismo institucional e a política revestida ‘segurança pública’, mas que representa uma verdadeira prática institucional do genocídio”, avaliou.
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