O que você pensa quando pensa: “vou ao teatro?”. No mínimo, ver a figura de alguém com um microfone na mão fazendo um show de stand-up. Quem vai além, pensa em produções gigantescas como montagens do Balé Folclórico da Bahia, com uma potencial visual enorme por conta de seus figurinos e movimentos. Por 50 minutos, esqueça tudo isso. Esqueça sua visão. É a hora de colocar os outros sentidos para trabalhar: olfato, audição e tato se juntam para dar um sabor diferente à experiência de ver uma peça teatral.
É essa a proposta do espetáculo Um Outro Olhar, da Companhia Teatro Cego, que está em turnê nacional e fica em Salvador entre os dias 13 e 16 de abril, no Teatro Jorge Amado, na Pituba. No Teatro Cego a peça acontece completamente no escuro e o público fica no palco juntamente com os atores. Durante o espetáculo, sons, vozes e cheiros chegam à plateia vindos sempre de locais diferentes, dando a sensação de que os espectadores estão realmente inseridos no ambiente cênico.
Tais sensações são o caminho para a compreensão da trama, mesmo ela ocorrendo completamente no escuro. A peça conta a história de uma empregada doméstica e de sua patroa que passam, ao mesmo tempo, por um tratamento de câncer. As duas encontram-se em momentos diferentes da doença, com a empregada praticamente curada e a patroa iniciando a quimioterapia.
A relação dessas duas mulheres mostra as diferentes posturas e dificuldades que pessoas de classes sociais distintas têm diante desse desafio, ao mesmo tempo em que a compreensão das condições de cada uma delas faz nascer uma amizade que se tornará a principal ferramenta de suas lutas. Paulo Palado assina direção e texto, além de também encenar a montagem, que transforma a plateia em palco. Em conversa com o CORREIO, ele falou sobre a expectativa de trazer a montagem para Salvador e sobre o que ela pode representar principalmente para pessoas com deficiência visual.
“Nesse espetáculo, a pessoa com deficiência visual não necessita de tradução, de ninguém contando o que acontece. Pode entender por si só, de uma maneira completamente igual a uma outra pessoa que enxerga e está ao lado dela. Estamos loucos para estar aí fazendo isso”, revelou Palado.
A experiência nova demanda muita conversa com o público, antes e depois do espetáculo. Palado explica que antes mesmo das pessoas entrarem na sala, acontece um bate-papo explicando como funciona e dando algumas orientações de segurança. A plateia é dividida em 4 espaços, pré-informados ao público, e quem não se sentir à vontade no breu e decidir sair pode gritar a qualquer momento que alguém da produção busca e leva para o lado de fora.
Câmeras vermelhas filmam tudo e conseguem captar os movimentos de pessoas mesmo no breu, para acudir eventuais emergências. “A peça acontece completamente no escuro, um breu completo, sem nem luzinha de ar condicionado para ter como referência e todo o mundo assiste a peça no breu. Inclusive pedimos para que todo mundo desligue os celulares porque qualquer ponto de luz lá dentro vira um holofote”, detalha Palado. A montagem já passou por São Paulo, Rio de Janeiro e será agora encenada em Salvador. Daqui seguirá para Belo Horizonte, Natal e Belém do Pará. Prove um pouco da experiência no vídeo abaixo. Siga as orientações do vídeo.
Além de Palado, estarão em cena Sara Bentes, Flávia Strongolli e o próprio Paulo Palado. O espetáculo conta com atores com deficiência visual, que são de extrema importância. O projeto cumpre assim seu papel social, já que insere profissionais cegos no mercado de trabalho e abre a possibilidade de uma forma de expressão artística que, até então, imaginava-se inviável para essas pessoas. A proposta é estabelecer uma linguagem inédita no teatro. Os ingressos são gratuitos em todas as 10 sessões começam a ser distribuídos uma hora antes de cada espetáculo. A distribuição será feita de acordo com a ordem de chegada, através de senhas e só será distribuída uma senha por pessoa.
Nos dias 13 e 14 de abril, quarta e quinta-feira, haverá duas sessões por dia, às 18h e 20h. Nos dias 15 e 16 de abril, sexta-feira e sábado, haverá três sessões por dia, às 16h, 18h e 20h. Também nos dias 13 e 14, o caminhão da Cabelegria recebe doações de cabelo e doa perucas das 16h às 20h. Nos dias 15 e 16 o caminhão da Cabelegria recebe doações de cabelo e doa perucas das 14h às 20h.
#PraCegoVer: Jovem vestida com casaco preto sobre uma blusa branca e com um gorro preto na cabeça olha para vários modelos de perucas disponíveis em balcão de cores branca e rosa. Ela pega suavemente na peruca localizada no manequim superior esquerdo da imagem e parece sorrir de canto de boca (Foto: Cristiane Burckauser/Divulgação)
A ONG recebe doação de cabelos e doa perucas prontas para pessoas que tiverem perdido o cabelo em consequência de quimioterapia ou de outro tratamento. No caminhão, quem for atendido poderá doar cabelo e contará com o auxílio de cabeleireiros na tarefa. Há a possibilidade também de doação de perucas pelo projeto e para tanto há alguns documentos que comprovam o tratamento serão solicitados para a doação.
Foto: divulgação