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SEPULTAMENTO DE ALAÍDE DO FEIJÃO É MARCADO POR DOR E SOFRIMENTO

Redação - 01/02/2022 17:13 - Atualizado 01/02/2022

Alaíde do Feijão era uma mulher que amava viver. Por ter tanto amor à vida, dela e de seu entorno, é que foi tão difícil enterrar a matriarca, empresária e revolucionária, falecida na última segunda-feira (31), após uma parada cardiorrespiratória que sofreu em decorrência do coronavírus, aos 72 anos. Ninguém esperava que ela fosse tão cedo e talvez por isso os clarins da Alvorada, que eram tocados para ela na saída do Bloco – o mais antigo de samba da Bahia, soassem tão tristes. Ao mesmo tempo, solenes. Como foi dona Alaíde.

Na manhã desta terça-feira (1), aconteceu o sepultamento de Alaíde, no Cemitério da Quinta dos Lázaros, na Baixa de Quintas. Era o desejo da matriarca: ali, familiares e pessoas próximas a ela descansam na eternidade. Despedir-se, deste mundo, ali, é simbólico à história de uma mulher que sempre aquilombou a vida e esteve tão próxima de todo mundo que amou e que a amava.

Amizades como o seu irmão de coração, o Vovô do Ilê, e amigos próximos como João Jorge e a deputada Olívia Santana – a quem ela incentivou a se lançar na política, estiveram presentes para o último adeus junto a filhas, netos e bisnetos.

Segunda das três filhas, Jaqueline Conceição falou que o momento é de uma dor profunda. Ora, ninguém está preparado para enterrar um ente querido. Jaqueline aproveitou para agradecer a presença das pessoas que foram até o cemitério deixar o último adeus e afirmou que todo o carinho recebido pela família desde ontem é um atestado do quão querida era sua mãe. E sente orgulho de ser um pedacinho de dona Alaíde.

“Ela tinha o carinho de muita gente, até pessoas moradoras de rua, pessoas ali do Pelourinho sempre respeitaram e consideraram ela por essa mulher que ela foi. Ela deixou o legado para darmos continuidade”, disse Jaqueline.

Deputada estadual, Olívia Santana afirmou que esperava ver a amiga viver pelo menos por mais de 90 anos e contou o quanto ela amava seu trabalho, o Pelourinho e receber as pessoas que amava. Segundo Olívia, o restaurante era um espaço que ia além de ser o ganha-pão de dona Alaíde. Era, na verdade, um espaço de cultivo: de ideias, amizades e corações.

“Ela tinha um poder agregador impressionante. Temos várias correntes e segmentos no Movimento Negro, assim como em todo movimento social. Então é normal ter brigas, discordâncias, brigas e afastamentos. Mas em Alaíde havia um ponto de unidade, ali a gente virava uma coisa só, junto a ela”, contou.

Olhando de fora, é natural imaginar que quase sete décadas e meia de vida é muito. Mas a força de Alaíde em seu dia-a-dia dá a impressão que 72 anos foi menos do que ela era e, mais do que isso, do que merecia. Mesmo com a idade avançada e os problemas de saúde que decorrem dela, Alaíde continuava como senhora de sua vida. Era uma líder nata e fazia questão de impor isso.

A pandemia do coronavírus foi um baque muito grande na força dela. Imagina só a dificuldade de uma pessoa que se fez pelo contato precisar, de uma hora pra outra, se isolar de tudo? Antes da pandemia, era ela quem ia até a Feira de São Joaquim para escolher com cuidado os ingredientes de seu feijão. Dos grãos à carne, passando pela farinha e as verduras para a saladinha que acompanhava seu carro-chefe. Perder a autonomia de sua vida foi um golpe duro para ela que sempre foi tão dona de si.

Por várias vezes, Leninha, a filha mais velha, dizia querer assumir algumas funções para a mãe descansar um pouco e tinha o pedido prontamente negado. “Pode ir comigo, mas sozinha, não!”, exclamava. As memórias foram relatadas ao CORREIO por Olívia Santana.

“Ela guerreava por ela e pelas outras pessoas. Para ela fazer a quarentena foi difícil, ela ficava arrasada de ficar em casa e não estar no Pelourinho atendendo, recebendo. Alaíde era uma mulher negra e lutadora, que do seu feijão um objeto de luta pela vida dela, da família e de todo seu entorno”, contou a deputada.

O sepultamento teve uma missa curta rezada pelo padre Lázaro Muniz, conhecido por fazer um ministério que abre as portas da Igreja Católica para candomblecistas como era Alaíde – uma mulher cheia de fé nos orixás.

Amigos próximos relataram da tristeza por precisar sepultá-la sem sequer ter a oportunidade de ver seu rosto uma última vez por conta dos protocolos de proteção contra o coronavírus. Havia uma grande tristeza também porque não foi uma partida do jeito que se imaginava num mundo ideal, num mundo de Alaíde, com muita gente e onde pelo menos o contato fosse possível para amenizar a dor da partida.

No meio de toda a tristeza pela despedida, a voz de Clara Nunes na música Macunaíma se fazia presente: dona Alaíde foi-se embora e, aqui, não volta mais. Agora, a matriarca está no infinito e vai virar constelação. É certeza que seu legado seguirá vivo na luta contra o racismo e pela construção de um mundo com mais amor, piedade e feijão quentinho.

FOTO: REPRODUÇÃO

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