A Ford não apenas parou sua fábrica de Camaçari, mas decidiu sair do Brasil. Certamente não estava tendo o lucro que esperava, ou então, por questões estratégicas, e para garantir sua sobrevivência, decidiu tomar outro rumo. Pode ser que a perda de posição para o automóvel movido à eletricidade, ou para os veículos voadores, tenha influenciado em tal decisão. O custo Brasil pode ter motivado, porém é difícil acreditar nessa hipótese. A fábrica do Projeto Amazon era considerada uma das mais modernas do mundo e a colaboração de suas sistemistas a faziam altamente competitiva. Foi uma pena, tinha nos enchido de esperanças e vibrávamos em ver os caminhões cegonha invertendo o sentido do transporte de veículos na rodovia Rio-Bahia.
As ciências sociais nunca tiveram um lugar relevante em meu currículo profissional, mas meus quase 80 anos de idade me autorizam a fazer comentários nesse campo de atividade. Afinal, os anos de vida nos ensinam muitas coisas e nos faz adquirir habilidades para fazer algumas previsões. Não é difícil arranjaro cálculo de quanto tempo iria durar o dinheiro recebido por conta de indenizações, retiradas do FGTS e remunerações do seguro-desemprego,nas mãos dos empregados demitidos. Se a atividade exercida pelo funcionário não tinha caráter universal, como motorista, administrador financeiro ou mecânico de manutenção, que lhe permite encontrar outra colocação em outra empresa, industrial ou não, basta contar os dias para ver o desequilíbrio de sua família, principalmente se sua mulher não tiver renda de outra origem. Aí bate o desespero.
Quando a Ford se instalou em Camaçari adotou a acertada decisão de não fornecer transporte gratuito de seus operários para Salvador.Antes dela os operários do Polo Petroquímico, por terem tido essa benesse, superpovoaram o Bairro de Brotas, fizeram crescer a Pituba e criaram o Itaigara como novo bairro da Capital. Grande parte dos metalúrgicos da montadora iam para o trabalho de transporte próprio ou de ônibus e residiam em Camaçari. Todos elogiaram a atitude que deu vida nova à antiga vilaque se formou ao lado da estação da estrada de ferro da Leste Brasileira e mantinha fazendas como a Olhos D’Água, apesar do areal de suas terras não serem boas para a agricultura. A lama e águas medicinais de Dias D’Ávila era seu grande atrativo.Pouco mais tempo demoroupara que os micros e pequenos empresários, principalmente os das farmácias e os que comercializam alimentos e peças do vestuário sentissem o baque da paralisação. Muitos sobreviveram com seus estoques, que tendem a acabar, e já se observa o enfraquecimento do comércio local.
A administração municipal também está pedindo socorro. A Prefeitura Municipal avalia que teve uma perda de mais de R$ 20 milhões por mês na arrecadação de impostos. Tenta recuperar aumentando a receita de IPTU/TRSD, um bom motivo para aumento da inadimplência. Se por um lado, a paralisação das fábricas desemprega e reduz os impostos, por outro lado, a pandemia do Covid persiste e aperta as contas do comércio e do turismo, reduzindo ainda mais a receita tributária. Enquanto não se identificar outro fabricante de automóvel capaz de negociar com a Ford a entrada em seu lugar, operação difícil de se consolidar, a crise estabelecida vai se prolongando, ficando quase impossível saber como as coisas vão ser acomodadas no futuro.
A reativação da fábrica de fertilizantes nitrogenados e a possibilidade de ampliação de sua capacidade de produção, o aumento de produção das companhias misturadoras de fertilizantes locais e a vinda de novas unidades industriais, como a fábrica de ácido sulfúrico e a planta de dióxido de titânio, acendem uma nova esperança. Cabe aos governos municipal, estadual e federal aliarem-se na tomada de iniciativas que possam atrair mais empresas, aumentando os investimentos e expandindo a oferta de empregos. Não dá para ficar chorando sobre o leite derramado ou tentar solucionar o problema aumentando os impostos daqueles que estão lutando pela sobrevivência, atravessando tempos muitos difíceis e adversidades enormes, como nunca vistas anteriormente.
Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]