Levantamento feito pela Rede de Observatórios da Segurança avaliou os dados de sete estados brasileiros durante o ano de 2020. O trabalho também mostrou que o RJ é o estado que mais produziu mortes em ações e intervenções das polícias, com 1.245 registros no ano passado. Com 1.245 óbitos, o Rio de Janeiro foi o estado que mais produziu mortes durante ações policiais no ano de 2020, entre os sete estados brasileiros analisados pela Rede de Observatórios da Segurança. Desse total, 86% das mortes foram de pessoas negras.
O número de negros mortos durante operações das policias no Rio de Janeiro chama atenção pela diferença em relação ao total da população negra no estado. Segundo o levantamento, apenas 51,7% da sociedade fluminense se declara negra. Só na capital do estado, foram registradas 415 mortes em intervenções policiais, e 90% desses mortos foram de pessoas negras. “Esses números do RJ se explicam muito por conta do comportamento da polícia. A gente tem um cenário que não tem paralelo com nenhum outro estado do país. A polícia do Rio mata muito”, comentou Pablo Nunes, coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança.
Com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, o levantamento, batizado de “Pele alvo: a cor da violência policial”, será divulgado nesta terça-feira (14). O novo estudo fala de um racismo declarado, “que se pratica com a anuência de autoridades e a naturalização de boa parte da sociedade”.
Na opinião de Pablo, a diferença entre a população negra (51,7%) e o número de negros mortos em operações das polícias (86%) no Rio se dá pela mentalidade do governo que comanda a política de segurança pública do estado. Pablo Nunes lembrou os casos de chacina, como no Salgueiro, em São Gonçalo, e no Jacarezinho, na Zona Norte da capital. “Fora as chacinas, também temos os expedientes das troias, que estão sendo alvo de discussões e projetos de lei na Alerj para proibição dos mesmos. A Kathlen (jovem grávida morta no Lins durante operação policial) e tantas outras foram vítimas dessas operações”, comentou Pablo.
O estudo desenvolvido pela Rede de Observatórios da Segurança avaliou dados de sete estados brasileiros: Bahia, Ceará, Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Maranhão. “Em todos os estados analisados, eles (negros) estão mais representados entre o total de pessoas mortas do que na população geral. Isso evidencia uma estrutura brasileira de reprodução do racismo e de certa aceitação dessas mortes por meio da sociedade”, acrescentou Pablo.
Principais números do estudo:
Especialista avalia o trabalho do MP
Segundo o levantamento, o Rio de Janeiro é o estado que mais mata pessoas negras em ações policiais com 939 registros entre os 1.092 mortos que tiveram a cor/raça informada.
No entendimento do pesquisador Pablo Nunes, o racismo revelado pelo número de negros mortos em ações policiais também pode ser encontrado na atuação do Ministério Público. Segundo ele, falta investimento e vontade dos procuradores para investigar as mortes durante operações das polícias.
“O Ministério Público presta pouquíssima atenção para algo que deveria ser o principal sentido de suas atribuições. O que a gente vê é que há uma falta de vontade dos procuradores com o controle externo da polícia. Isso de maneira muito clara colabora para a manutenção desse estado de coisas”, comentou.
“Não estamos afirmando que todas essas mortes ocorrem sem conformidade com a lei, a gente sabe que a lei garante determinados momentos para que os policias atirem e se defendam de injustas agressões. Mas o que a gente tem visto é que muitas vezes as policias não cumprem esse requisito e acabam executando pessoas fora da lei”, disse Pablo.
Importância da Secretaria de Segurança Pública
Além de cobrar mais fiscalização das atividades policiais no Rio de Janeiro, o pesquisador da Rede de Observatórios também questionou o fim da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Em 2019, no início da gestão do atual governo – ainda sob o comando do ex-governador Wilson Wtzel – o Rio de janeiro passou a ter a Secretaria de Polícia Militar e a Secretaria de Polícia Civil no lugar da antiga pasta da segurança. “O que a gente tinha com a Secretaria de Segurança Pública era uma instância de articulação e de controle dessas policias. O que temos visto hoje é que cada uma das policias tem perseguido metas próprias e objetivos próprios, sem nenhum diálogo ou participação de outra agência”, pontuou Pablo Nunes.
Racismo na pandemia
De acordo com a pesquisa, a cada quatro horas, uma pessoa negra é morta em ações policiais em seis dos sete estados monitorados pela Rede: Bahia, Ceará, Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. O governo do Maranhão não informa a cor das vítimas da violência, o que para os pesquisadores é mais uma forma de racismo institucional. Para os especialistas, nem mesmo a crise sanitária mundial foi capaz de conter a letalidade policial nos estados avaliados pela pesquisa. Foram 2.653 mortes provocadas pela polícia com informação racial nos seis estados analisados pela Rede, onde 82,7% das mortes foram de pessoas negras. Ao avaliar as capitais dos sete estados pesquisados, a Rede de Observatórios concluiu que todos os mortos pela polícia em Recife, Fortaleza e Salvador eram pessoas negras. Teresina e Rio de Janeiro chegaram perto dessa marca, registrando respectivamente 94% e 90% de negros mortos pelas polícias.
Foto: divulgação