Existe uma infinidade de produtos de investimento disponíveis no mercado. Geralmente, é difícil separá-los em ‘bons’ ou ‘ruins’, visto que cada investidor tem um perfil de risco e uma necessidade diferente. Entretanto, há aquelas aplicações que, mesmo para o cliente super conservador, trazem mais malefícios que benefícios. É o caso de alguns fundos de previdência que reúnem um conjunto de características: são de renda fixa simples, geralmente de gestão passiva, mas com altas taxas de administração. A combinação desses fatores resulta em retornos baixíssimos aos investidores. Por outro lado, as instituições financeiras por trás destas aplicações conseguem grandes receitas, sem entregar muitos resultados.
Essa situação fica visível no levantamento feito pela Spiti, com base no Quantum Axis, plataforma de dados financeiros. Cruzando as características citadas acima e o patrimônio líquido (quanto de dinheiro está investido no fundo), a casa de análises chegou aos ‘9 fundos de previdência mais nocivos aos investidores’. “Para nós, o sinal de que um fundo de previdência está prejudicando os investidores é uma taxa (de administração) alta e muito dinheiro investido no fundo. Então, olhamos os fundos que têm taxas altas e patrimônios muito grandes”, afirma Luciana Seabra, CEO da Spiti. “Além disso, pegamos fundos de previdência aberta, com pelo menos uma década de vida. Ou seja, que estão prejudicando pessoas há muito tempo.”
Os nove fundos de previdência pertencem aos chamados ‘bancões’ (Banco do Brasil, Caixa, Bradesco, Itaú e Santander) e estão perdendo para o CDI nos últimos 10 anos. Juntas, as aplicações fizeram uma receita de R$ 1,3 bilhão em taxas de administração somente nos últimos 12 meses (novembro de 2020 a novembro de 2021). “Isso chama o investidor a se mexer. Olha o tamanho dessa receita, não interessa a banco nenhum mudar isso. É muito dinheiro ganho, sem a necessidade de uma equipe sofisticada para gerir, é um custo muito baixo para manter este tipo de fundo”, ressalta Seabra.
O primeiro fundo de previdência que aparece no levantamento é o Brasilprev RT Fix II Fic Renda Fixa, da Brasilprev, empresa de previdência complementar aberta do Banco do Brasil. O fundo tem taxa de administração de 1,5% ao ano e só nos últimos 12 meses ganhou R$ 511 milhões em receita vinda desta taxação – a maior registrada no estudo. Por outro lado, o ganho bruto dos cotistas no mesmo período ficou em R$ 407,7 milhões. Em outras palavras, os investidores estão pagando mais taxas de administração do que tendo retornos. O Brasilprev RT Fix II Fic Renda Fixa teve uma rentabilidade de 1,16% em 12 meses, perdendo para o CDI, que no mesmo período subiu 3,42%. Em uma década, o fundo também teve rentabilidade bastante aquém ao benchmarking
“Quando você pega um fundo multimercado ou um fundo de ação, que tem a característica de ter uma gestão um pouco mais complexa, aí faz mais sentido ter uma taxa de administração mais alta. Neste casos (do levantamento) são fundos de renda fixa, e por serem de renda fixa não deveriam ser tão caros”, afirma Seabra. A CEO da Spiti também ressalta a composição dessas aplicações. “São fundos de renda fixa ‘zero’ sofisticados, que não fazem nada demais. As aplicações são compostas por títulos indexados ao CDI e à Selic ou por crédito privado muito conservador”, ressalta a especialista. “E são fundos com patrimônios muito altos. Ainda que eles possam não estar abertos, não há justificativa para não baixar as taxas para quem está dentro. São estoques extremamente rentáveis para os bancos e que não fazem nenhum sentido.”
Em segundo lugar na pesquisa, está outro fundo da Brasilprev, o Brasilprev RT Fix V Fic Renda Fixa, que tem um patrimônio líquido de R$ 8,2 bilhões e uma taxa de administração ainda maior, de 2%. Em 12 meses, a receita advinda de taxação foi de R$ 179 milhões, contra o ganho bruto de R$ 60,6 milhões dos cotistas. A rentabilidade no período foi de apenas 0,65%. Já o campeão em taxa de administração é o Caixa 300 Fic Renda Fixa Previdenciário, da Caixa Econômica Federal, com 3% de cobrança anual. A receita líquida oriunda destas taxas soma R$ 156,2 milhões desde novembro do ano passado, enquanto o ganho bruto dos cotistas é de R$ 16,2 milhões. Isto é, o ganho dos cotistas é quase 10 vezes menor que o ganho dos administradores. O fundo tem também o menor rendimento entre as nove aplicações, com apenas 0,32% de retorno em 12 meses.
Em nota, a empresa de previdência complementar do Banco do Brasil afirmou que os fundos citados foram criados em meio a cenários econômicos bem distintos do atual. A Brasilprev reforça também que ,somente em 2020, lançou 33 novos fundos (renda fixa, multimercado e multimercado de gestores externos), todos desenhados e adequados à atual realidade econômica do país e com taxas regressivas a medida que a reserva do investidor aumenta. “A companhia trabalha continuamente no esforço de assessoria financeira para que os participantes diversifiquem suas carteiras, na busca por melhores ganhos no longo prazo – por meio de produtos de maior valor agregado, sem fixar seus recursos em uma única estratégia, principalmente nas mais conservadoras que ganham um caráter de proteção”, explica a companhia do Banco do Brasil.
O Santander, por sua vez, afirmou ter um portfólio completo de fundos que atende aos diferentes perfis de investidores e que busca manter uma oferta adequada às condições de mercado vigentes. “Os fundos em questão não fazem parte da oferta ativa e, nesta classe de fundos, o Banco oferece produtos competitivos e eficientes aos clientes, de todos os segmentos”, ressalta. O Bradesco afirma que vem ajustando ao longo do tempo o seu portfólio de produtos e as taxas de administração de seus fundos de investimento com o objetivo de melhor atender às demandas dos clientes, em um movimento de adequação ao mercado. “O banco monitora constantemente a oferta de custos de seus produtos para assegurar que os clientes tenham as melhores oportunidades de investimentos. Vale ressaltar que a decisão de resgate ou portabilidade dos recursos dos fundos vinculados a planos de previdência podem impactar financeiramente o participante, tendo em vista que os planos antigos possuem características previdenciárias de conversão em renda que não são mais praticadas pelo mercado”, afirma a instituição em nota.
Até a publicação desta reportagem a Caixa Econômica Federal e o Itaú não haviam respondido às solicitações do E-Investidor.
Como escolher um bom fundo de previdência?
Segundo Seabra, é importante que o investidor pense sempre em diversificação, mesclando fundos de diferentes níveis de risco voltados à previdência. “Você pode ter uma carteira de renda fixa e também ter multimercados, fundos de ações etc. O investidor pode ter vários VGBLs (para quem faz declaração simplificada de IR, com dedução na rentabilidade acumulada) ou vários PGBLs (permite dedução dos aportes para quem faz declaração de IR completa)”, afirma a especialista.
Lembrando que não é errado ter fundos mais simples e conservadores, como os citados no levantamento, desde que eles sejam ‘baratos’. Ou seja, com taxas de administração compatíveis à complexidade da aplicação. “Os fundos de previdência que eu gosto são muito mais sofisticados em crédito, dão pelo menos 110% de CDI e tem taxas de administração perto de 1%”, explica Seabra.
Para quem está começando, a dica da especialista é pensar em uma ‘tríade’ de previdência: ter um fundo de renda fixa com crédito privado, um multimercado e um de ações. Além disso, é recomendado que cada um destes produtos seja gerido por gestoras especializadas naquele nicho. “Dentro de cada ‘caixinha’, escolha as melhores equipes. As pessoas gastam tanto tempo escolhendo geladeira, e os fundos de previdência escolhem o primeiro oferecido”, afirma Seabra. “É um dinheiro muito importante para deixar ele todo em Selic.”. É importante destacar que a previdência também tem portabilidade. Logo, o investidor pode mudar para um outro fundo, seja pertencente à mesma instituição financeira ou para uma instituição diferente, sem perder o histórico de tributação.
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