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RELATÓRIO MOSTRA QUE BRASIL REGREDIU NA QUESTÃO AMBIENTAL NOS ÚLTIMOS ANOS

Redação - 03/11/2021 08:31

Em Glasgow, na Escócia, o Brasil é apontado por especialistas com um dos “vilões” da COP26, conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas.

Mas a imagem nem sempre foi esta e o país também tem um histórico positivo que o mundo espera que seja resgatado para ajudar no esforço de limitar o aumento da temperatura média do globo a 1,5 °C em relação aos padrões pré-industriais.

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Do número 1 ao vilão do desmatamento, veja o que o Brasil fez nos últimos 40 anos pelo meio ambiente:

Em 1981, o Brasil instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), que continua sendo a mais importante do país. A PNMA tem como objetivo regulamentar as várias atividades que envolvem o meio ambiente, para que haja preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental. “Esse é o principal e o mais consolidado instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. Ele é responsável por garantir a sustentabilidade dos empreendimentos. Ou seja, que os empreendimentos sejam realizados respeitando parâmetros ambientais e direitos sociais”, explica Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA). O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) também foi criado em 1981 e teve um papel relevante na edição de normas técnicas. Ele também instituiu uma série de resoluções sobre proteção das águas, rejeitos de indústrias.

“Nós saímos de um cenário de descontrole total, principalmente da poluição nas décadas de 60 e 70. Nessa época, em que não havia a Política Nacional do Meio Ambiente, não havia licenciamento ambiental e nem o CONAMA, nós tivemos situações como a contaminação dos nossos rios”, diz Guetta. “Com a resolução desses instrumentos ambientais foi possível garantir que as atividades econômicas guardassem respeito às questões ambientais e sociais”, completa o consultor jurídico do ISA. Outras leis foram instituídas ao decorrer da década, como a Lei da Ação Civil Pública, que permitiu a efetivação da própria PNMA e é muito importante até hoje, segundo Guetta. “Esse mecanismo contribuiu muito para a evolução da política ambiental, especialmente na questão de reparação de danos ambientais. Eventos com danos ambientais começaram a ser objeto de ações judiciais”.

Constituição de 1988 e proteção ambiental – A Constituição Federal de 1988 trouxe um capítulo específico direcionado ao meio ambiente, o artigo 225. Ele garantiu que o direito do meio ambiente é de todos, um bem de uso comum e foi classificado como essencial à qualidade de vida da população. Ou seja, a proteção ambiental é responsabilidade do Poder Público e do coletivo. “A Constituição trouxe uma série de deveres ao Poder Público. Eles passaram a ser objeto de regulação e esses deveres estatais, bem ou mal, foram cumpridos ao longo dessas décadas, independente da gestão ou da ideologia dos governos. Em todos eles nós tivemos avanço. Em linhas gerais, todos os governos que antecederam Bolsonaro trouxeram alguma evolução na área ambiental”.  Constituição também trouxe a efetivação dos direitos indígenas, com reconhecimento de várias terras que passaram a ser protegidas. “As terras indígenas possuem um papel fundamental na preservação, especialmente da Floresta Amazônica. Elas são o maior estoque de carbono hoje no Brasil”, explica Guetta.

Os anos 90 e a Rio-92 – A década de 90 também teve leis importantes aprovadas para a preservação do meio ambiente. O decreto 750 trouxe a proteção à Mata Atlântica enquanto patrimônio nacional. O decreto diz que “ficam proibidos o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica”. Além disso, também ocorreu a edição da Lei de Educação Ambiental e também a Lei de Crimes Ambientais e Infrações Administrativas Ambientais. “É a partir daí que, o que diz a Constituição que todo dano ambiental deve ser coibido nas três esferas de responsabilização (criminal, administrativa e civil), passa a ter a atuação do estado, das policiais federais e estaduais, do Ministério Público. Eles começam a atuar nas ações de criminalização em atos danosos contra o meio ambiente”, explica Guetta. Nessa década também ocorreu a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida como Rio-92, ou Cúpula da Terra. O evento que marcou a forma como a humanidade encara sua relação com o planeta.

Anos 2000: Brasil vira referência – O Brasil seguiu focando no meio ambiente nos anos seguintes. Em 2000, foi instituída uma lei sobre as unidades de conservação. Essas unidades são áreas naturais relevantes para o Brasil. O objetivo da lei é garantir a preservação da biodiversidade. Hoje, o país tem 334 unidades federais, fora as estaduais.

Outra medida importante foi o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), criado em 2004. O objetivo era reduzir de forma contínua o desmatamento e criar as condições para a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal. Segundo Guetta, por causa do PPCDAm o Brasil teve o resultado mais bem sucedido do mundo no combate ao desmatamento de florestas tropicais. Só na Amazônia, essa redução foi de 83% entre 2004 e 2012 – de 27 mil km² a pouco mais de 4 mil km² de desmatamento.

“Foi uma política pública de destaque, aplaudida no mundo todo e que também foi responsável por nos colocar na vanguarda do mundo em relação ao tema ambiental. O Brasil sempre foi considerado um ator protagonista na agenda climática, fomos o número 1, éramos o ponto de destaque”, conta Guetta. Entre 2004 e 2012 também foram reconhecidas 100 terras indígenas na Amazônia e 46 unidades de conservação foram criadas, fundamentais para a redução do desmatamento.

2012: o início do retrocesso – “A partir de 2012 começa a arrefecer a atuação do Estado na área ambiental em geral, mas especialmente no combate ao desmatamento da Amazônia. Primeiro, tivemos a edição do Código Florestal, que trouxe uma série de retrocessos, com destaque para a anistia de desmatamento realizado antes de 2008. Também houve uma redução gradual do investimento público estatal no PPCEDAm”, explica Maurício Guetta. Nesse período de 2012 a 2018, houve a paralisação da demarcação de terras indígenas, a paralisação de criação de unidades de conservação. “Não foi uma eliminação das políticas, mas uma redução de prioridades dentro do governo. E isso refletiu nas taxas de desmatamento. De 2012 a 2018, ficaram em uma média de 6 a 7 mil km²”.

O meio ambiente em 2019 e 2020 – O governo Bolsonaro promoveu mudanças significativas nas questões ambientais. “A partir de 2019, o que acontece é o desmonte generalizado das estruturas”, explica Guetta. O principal exemplo é o PPCDAm, que foi restrito apenas à atuação e fiscalização do Ibama. “Ele não era só uma política de controle. O PPCDAm tem o eixo do controle, o eixo fundiário e o eixo do desenvolvimento econômico sustentável. Ele harmonizava a questão de proteção ambiental com a questão social e econômica”, contextualiza o consultor jurídico do ISA. No primeiro dia de sua gestão, Bolsonaro editou a medida provisória 870, reorganizando os órgãos da presidência, os ministérios e suas atribuições. Uma das mudanças foi a transferência da demarcação de terras indígenas e quilombolas para o Ministério da Agricultura. “Nessa norma também se extinguiu todas as instâncias de controle e combate ao desmatamento e às mudanças climáticas”. Guetta lembra que Bolsonaro também disse que ia acabar com o Ministério do Meio Ambiente, mas foi voltou atrás. Entretanto, pela primeira vez, o ministério passou a ser a “principal fonte de ameaças ao meio ambiente”.

Extinção do PPCDAm – Toda a execução orçamentária do Ibama, especialmente na questão de fiscalização, que todos os anos anteriores era altíssima (acima de 90%), passa a ser baixíssima. “Isso reflete na redução, entre 2018 e 2020, de 47% no número de autos de infração contra a flora na Amazônia, ou seja, desmatamento. Os dados não eram animadores no governo Temer, mas a redução foi brutal nos últimos dois anos”.

  • Termos de embargo (sanções efetivas no combate ao desmatamento) sofreram queda de 78% em dois anos.
  • Extinção das instâncias de coordenação e execução das políticas públicas. “Quando se extingue uma instância como essa, o que acontece é a paralisação da política, porque ela não tem mais instância executiva.”
  • O Fundo Amazônia tem mais de 3 bilhões de reais parados aguardando novos editais de projetos, novas execuções.
  • Extinção do Fundo Clima – criado para apoiar projetos voltados para redução de gases do efeito estufa e para a adaptação do país em relação aos efeitos da mudança climática, como falta de água em regiões do semiárido.
  • Ataque sobre as terras indígenas. “Um projeto de lei do governo Bolsonaro pretende abrir as terras indígenas para garimpo, exploração de gás e petróleo e outras atividades de impacto. É um avanço sob as áreas protegidas”, alerta Guetta.
  • Em 2020, o desmatamento na Amazônia atingiu 10.851 km2, a maior taxa em 12 anos.

O consultor jurídico cita outro decreto instituído por Bolsonaro sobre processo de julgamento de autos de infração. Ele explica que, quando um auto de infração é aplicado (por exemplo, desmatamento), o autuado pode apresentar sua defesa, pode recorrer no âmbito administrativo e ocorre o julgamento em segunda instância. Com a nova fase incluída pelo presidente, o autuado passa por uma audiência de conciliação com o Ibama. “O mais importante nessa nova fase é o efeito: o decreto diz que, enquanto essa fase não for realizada, todo o processo administrativo fica paralisado. O que aconteceu depois desse decreto? Praticamente não ocorrem mais julgamentos de auto de infração”, explica Guetta.

Só para comparar, entre 2014 e 2018, a média de julgamentos foi de 5,3 mil processos por ano. Em 2019, esse número caiu para 113. Já em 2020, foram 17. “Nunca houve um período com propostas tão graves tramitando de forma tão rápida, sem debate com a sociedade. Toda a construção de 40 anos está sendo desfeita agora. O principal exemplo é o licenciamento ambiental, que foi aprovado pela Câmara em maio. Traz ameaças aos recursos hídricos, traz a possibilidade de proliferação de desastres ambientais, como Mariana e Brumadinho, e traz o descontrole total do desmatamento na Amazônia e outros biomas”, conclui Maurício Guetta.

Foto: divulgação

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