Na opinião dos economistas, os artifícios que o governo escolheu para conseguir dinheiro para o Auxílio Brasil vão acabar anulando o benefício, porque alimentam a inflação e provocam aumento de juros, duas coisas que sempre atingem com mais força exatamente as famílias mais pobres. Segundo esses mesmos economistas, para conceder o auxílio, o governo não precisava desrespeitar o teto de gastos nem deixar de pagar dívidas determinadas pela Justiça. Os economistas ouvidos pelo Jornal Nacional são unânimes em dizer: o governo escolheu os caminhos errados para tentar viabilizar os novos programas sociais.
“É uma saída mais fácil para esses políticos, que têm uma visão de curto prazo paro país, não têm o compromisso com trajetórias, vamos dizer assim, de médio e longo prazo. A gente vai lá, faz esse programa e, depois, vê como resolve. Uma armadilha que, com frequência, o Brasil cai, e tem consequências muito graves”, afirma a economista Zeina Latif.
A economista Zeina Latif e o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega explicam que a decisão do governo de furar o teto de gastos e deixar de pagar os precatórios – que são as dívidas do governo determinadas pela Justiça – abala a confiança do mercado e os rumos da economia brasileira. Muitos brasileiros esperam anos – até décadas – pelo pagamento dessas dívidas.
“Estamos falando de uma política mal desenhada, sem nenhum esforço para contenção de gastos. Pelo contrário. A PEC dos Precatórios está aumentando ainda mais o espaço para gastos com objetivos eleitorais, o que fere a regra do jogo democrático”, diz a economista. “O teto de gastos foi feito para limitar despesa que o governo consegue controlar e eliminar do controle da inclusão no teto de outras que ele não tem controle. O abandono da lógica do teto de gastos pode gerar dificuldades para tomar decisões de investir, tomar decisões de consumir, a taxa de juros vai subir mais”, explica o ex-ministro da Fazenda.
E o economista Marcelo Neri diz que o impacto mais perverso dessa incerteza chega nos mais pobres. “Eu acho que a gente talvez não esteja fazendo nem uma coisa econômica nem social. A gente está criando uma grande incerteza, que é ruim para todo mundo. Perdem as finanças públicas, a economia, perdem as pessoas, em particular os mais pobres. Então, eu acho que a gente não está numa boa agenda nem econômica nem social”, afirma.
O risco é de um efeito bumerangue. O dinheiro, que deveria ajudar, acaba perdendo valor por causa da inflação. “As medidas que o governo anunciou nessa semana têm um efeito desfavorável sobre aqueles que vão receber o Auxílio Brasil. Por quê? Porque ao aumentar a taxa de câmbio e ter um efeito sobre a inflação, isso corrói o valor dos R$ 400 que estão prometidos pelo governo em 2022. E, obviamente, para o público em geral, não há essa avaliação de uma forma adequada, porque é um pessoal muito simples que, recebendo os R$ 400, vai perceber que a inflação subindo corroeu o poder aquisitivo desse dinheiro parcialmente. A vítima é sempre conhecida: é o cidadão brasileiro”, diz o economista Simão Silber.
“A inflação, tal como ela está hoje, prejudica essencialmente as camadas menos favorecidas, porque ela é uma inflação que afeta essencialmente alimentos e energia. Portanto, energia tem a ver com transportes. Alimento tem a ver com a cesta básica. Portanto, o pobre sofre mais”, afirma Maílson. Na opinião dos economistas, o governo poderia aumentar o valor dos programas sociais reduzindo os gastos não obrigatórios, as chamadas despesas discricionárias. É como no orçamento doméstico: você não se pode usar o dinheiro de contas essenciais, como água e luz, para pagar despesas extras, como uma reforma. Será preciso achar alternativas sustentáveis para dar conta de uma nova despesa.
“Há outras alternativas para bancar esse programa que não envolveria toda essa gambiarra ao redor do teto. Um exemplo claro: emendas do relator. Por que a gente vai gastar R$ 20 bilhões com as emendas de relator? Por que que a gente vai manter o fundo eleitoral para esse ano? Então, a gente vai olhar para o conjunto de programas que tem no Brasil, a gente vai convencer que todos eles são meritórios e eficientes e que não tem nada para ser melhorado? Precisa ser muito ingênuo para acreditar nesse tipo de coisa”, diz Alexandre Schartzman.
As emendas parlamentares têm sido um recurso usado pelo governo Bolsonaro para agradar parlamentares da base, para continuar com apoio no Congresso. “A renúncia tributária. O governo não se mexeu nessa direção. A reforma administrativa para evitar os absurdos de despesa no setor público. Então, isso seria benéfico para o país. A gente ganharia credibilidade. E o governo procurou um caminho populista, de segunda linha, que é muito desfavorável para o cidadão brasileiro”, afirma Simão.
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