A economista-chefe do Banco Santander, Ana Paula Vescovi, afirma que os ventos favoráveis da economia mundial mudaram de direção, após uma acumulação recente de choques que jogam para baixo as expectativas de crescimento e trazem mais riscos inflacionários. Ex-secretária do Tesouro Nacional no governo Michel Temer (única mulher a ocupar o cargo em 35 anos de existência da instituição), Vescovi diz que o Brasil deve conviver com uma taxa de juros elevada por mais tempo, o que leva a uma desaceleração de crescimento em 2022 e a um desempenho ainda pior em 2023.
Em entrevista à Folha, a economista afirma não ver condições políticas para se aprovar, até as eleições, as reformas econômicas que o país precisa. Diz ainda que um cenário com candidaturas que sinalizem o abandono do teto de gastos e da responsabilidade fiscal seria bastante estressante para a economia em 2022. Nas últimas semanas houve uma piora no cenário internacional, o que inclui crise energética, mais riscos inflacionários, problemas na China, antecipação de retirada de estímulos nos EUA. Isso coloca um viés de baixa nas projeções de vocês para PIB e de alta para inflação, câmbio e juros? Com certeza os ventos externos favoráveis mudaram de direção. Estamos observando uma acumulação de choques que trazem mais incerteza, mais risco. Há uma discussão sobre se eles se dissipam ou se são um pouco mais permanentes. São questões que estão em aberto. A grande dúvida é por quanto tempo estaremos expostos a esses choques antes de uma normalização. Isso tudo nos leva a um cenário de mais inflação, câmbio das economias emergentes mais depreciado e um cenário de crescimento mais contido.
Todo mundo já esperava que a recuperação da economia mundial ia alcançar um pico agora, já havia alcançado na China, e estava convergindo para um patamar de longo prazo. Mas ninguém esperava que outros choques iam se adicionar e trazer as expectativas de crescimento da economia global mais para baixo. Para 2022, vocês têm uma projeção de crescimento de 1,7%, próxima da mediana de mercado, de cerca de 1,6%, mas para 2023 fizeram uma estimativa de PIB de apenas 1%. A economia brasileira vai continuar sofrendo com baixo crescimento, mesmo depois das eleições? A gente vai passar por um ciclo de aperto monetário que deve terminar no começo do ano que vem. Diante desses choques, e dessa deterioração do cenário externo em particular, podemos ter uma Selic [taxa básica de juros] contracionista por um pouco mais de tempo do que estimado antes. Então nós vemos a economia em 2023 ainda muito afetada por esse ciclo monetário contracionista. E com um mercado de trabalho que já volta para o pré-pandemia, que vai ser a última variável a alcançar os níveis anteriores à crise.
A gente vai precisar ter uma clareza maior sobre os sinais que o novo governo já instalado em 2023 deverá emitir para os agentes econômicos sobre a sua estratégia, para que a gente tenha uma perspectiva mais favorável para investimentos, ambientes de negócios, reformas, enfim, para voltar a um crescimento maior e mais sustentado. Para 2022 a sra. ainda não vê aquele cenário de crescimento próximo de zero, como algumas casas estão prevendo? Não vejo. O que a gente tem nessa perspectiva, baseado inclusive nos dados de mercado de trabalho que já saíram, é que a gente vai ter na comparação desses com o próximo ano uma massa de salários real crescendo próxima de 3%. Isso nos leva a acreditar que tem alguma sustentação para um crescimento em torno desse número, aproximadamente 1,5%, não obstante o aperto monetário que está havendo, o aumento das incertezas e um ano que vai ter como destaque o processo eleitoral.
O que pode amenizar o risco de contaminação do cenário econômico pela disputa eleitoral em 2022? O que amenizaria muito o cenário e seria inclusive um fator de melhora para o Brasil seria a gente voltar a ter um projeto político com ampla base de apoio, capaz de aprovar reformas que o país precisa. Agora, o que pode levar a um cenário mais complexo é ter uma discussão política no ano que vem com a percepção de um risco muito elevado de abandono do marco fiscal, especialmente da regra do teto de gastos, de abandono da preocupação com a responsabilidade fiscal. Ou o apontamento de uma consolidação fiscal ainda mais lenta nesse cenário de alto risco para a trajetória da dívida pública. Isso tende a estressar bastante o cenário do ano que vem.
A sra. citou a questão do desemprego. Espera que a taxa volte para o nível de 2019 em 2023? A taxa de desemprego, sim. O nível de emprego já volta no segundo semestre de 2022. Obviamente com uma composição diferente. A gente acredita que o emprego vai se recuperar, mas dentro de uma configuração de um pós-crise, provavelmente com uma composição menos favorável do mercado de trabalho, com mais informais, rendimento médio habitual diferente, mais emprego parcial, mais emprego intermitente.
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