Assim como Drummond, que dizia ser preciso fazer um poema sobre a Bahia, é imperioso escrever um artigo sobre as redes sociais. Mas como nosso poeta, que consolava-se dizendo nunca ter ido lá (na Bahia), este escrevinhador conforta-se ao perceber que nada tem a dizer sobre o Facebook, o Instagram e coisas tais. Não que esteja a fazer-me de rogado, pelo contrário, de vez em quando lá estou eu postando um artigo, compartilhando um comentário, elogiando um livro e até, ainda que raramente, conferindo os likes das postagens. O problema é que as redes sociais me deixam desconfortável e rodo as postagens para cima a me perguntar o que estou fazendo ali e se é mesmo necessário saber que hoje é o aniversário daquela prima em terceiro grau que eu não vejo nunca ou inteirar-me da refeição espetacular que meu vizinho saboreou no domingo.
“ Ah, mas que sujeito chato sou eu, que não acha nada engraçado”. Pois é, chato e desinformado, afinal, como não saber que no mundo das redes sociais as celebridades somos nós e, como tal, precisamos divulgar tudo o que acontece em nosso dia a dia célebre. Procuro penitenciar-me e percebo que não é isso que me deixa desconfortável, o que me surpreende é constatar a quantidade de notícias e citações equivocadas ou mentirosas e perceber que nas redes sociais os fatos não tem qualquer importância e que os internautas podem ter seus próprios fatos. Mas e quando aquilo não é verdade, indago estupefato? Logo sou informado que isso não tem a menor importância e que Winston Churchill (sic) disse ironicamente no século passado: “O que é a verdade?”
E não adianta reclamar, nem dizer que uma boa forma de se aproximar da verdade é saber se ela está “em conformidade com os fatos”, porque nas redes sociais cada um faz o que quiser com o “fato”. Tampouco os autores tem qualquer importância e, de repente, o internauta pode ter o cérebro açoitado (o verbo é esse mesmo) com uma frase assim: “ depois de um tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma” e saber que ela é de autoria de William Shakespeare. Perdoai-lhes, bardo, eles não sabem o que dizem.
Mas nem tudo é tão ruim que não possa piorar e este escriba que não gostava dos especialistas – aqueles que Millôr Fernandez dizia que sabiam cada vez mais sobre cada vez menos – têm agora aos seu dispor nas redes sociais os generalistas: aqueles que sabem cada vez mais sobre cada vez mais. E aí vamos saber que a terra é plana, que as vacinas não são seguras porque surgiram muito rápido, que o Supremo está mancomunado com o narcotráfico e que é indispensável beber 30 copos de água por dia. Pois é, antigamente seu vizinho dizia bobagens como essas na farra e todos riam e nem ele acreditava no que estava dizendo. Mas agora a bobagem está impressa na tela, potencializada pelo algoritmo, e seu vizinho sabe tudo, ele fez doutorado nas redes sociais.
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