Eleito termo do ano pelo Dicionário Macquarie, responsável por selecionar anualmente as palavras e expressões que mais marcaram o comportamento do ser humano, a “cultura do cancelamento” está cada mais presente nos discursos das redes sociais. No Brasil, por exemplo, o termo ganhou ainda mais força com o programa Big Brother Brasil 2021, que ficou famoso como o “BBB do cancelamento”, principalmente por causa das estratégias adotadas pelos competidores, artistas e influenciadores digitais. Nesse caso, o impacto foi sentido na reputação dos brothers, cuja imagem foi desestabilizada perante a opinião pública nas redes sociais, o que também influenciou negativamente em suas carreiras profissionais.
A situação gerada pelo programa e potencializada por causa do alcance, é um exemplo do que ocorre no dia a dia das plataformas digitais. Nesse contexto, desconhecidos ou famosos que emitem opiniões, controversas, que destoam da ideologia de um determinado grupo social, ou aqueles que praticam atos racistas, xenófobos, entre outros, recebem enxurradas de mensagens, forçando-os a muitas vezes a desativarem seus perfis nas redes sociais. Apesar de se confundir com a ideia de justiça, o advogado especialista em Crimes Virtuais e Cibernéticos, Leonardo Britto, alerta que o cancelamento nas redes sociais pode ganhar forma de ofensa e afirma que, o exagero dessas ofensas, juntamente à sua frequência, pode ser caracterizado como crime.
O especialista destaca que qualquer ato praticado no ambiente virtual e que venha atingir a honra, a moral ou a imagem de outrem, está sujeito às sanções legais e recorda que de acordo com a Constituição Federal, tais demandas cabem aplicação dos dispositivos legais. “O artigo 5ª, por exemplo, assegura à parte lesada o direito de indenização pelo dano moral ou material em caso de violação a qualquer dos direitos da personalidade”, afirma. O advogado enfatiza os artigos 186, 187 e 927, do Código Penal, os quais disciplinam a respeito do dano moral. “No caso do artigo 186, do referido diploma legal, diz que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, explica.
Leonardo cita o Código Penal Brasileiro e destaca os artigos 138, 139 e 140, os quais tratam acerca da prática e penalidade daqueles que praticam crimes contra a honra, seja em ambiente físico ou virtual. O especialista afirma que a cultura do cancelamento, neste contexto, pode ser comparada a um linchamento virtual, por entender que este é um ato de mobilidade social no qual as pessoas, inconformadas com determinadas posturas de outras, buscam fazer justiça com a própria mão, como se não bastasse o poder punitivo do Estado. “A grande questão nesta situação é que, o linchamento virtual toma proporções imensuráveis. Muitas vezes adentrando em crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), ameaças, agressões, além do potencial desencadeador de problemas psicoemocionais nas pessoas “canceladas”, frisa.
Para exemplificar, o advogado fala que em redes sociais como o Twitter, onde é o maior foco dessas situações, a própria plataforma deveria desenvolver políticas de combate a diversas modalidades de crimes virtuais perpetrados na utilização da rede. O advogado fala que desse modo a plataforma poderia criar ferramentas que facilitassem a identificação dos usuários, para assim aplicar as sanções, desde advertência à exclusão do perfil, com direcionamento à Autoridade Policial na hipótese de identificação de prática delituosa. “Desta forma, se tornam mais eficazes os mecanismos de combate aos crimes na rede social, onde poderíamos chegar a um ambiente virtual mais saudável, justo e equilibrado nas relações interpessoais”, finaliza.
Foto: Lucas Miranda/Divulgação Assessoria