O juiz Eduardo Gomes Carqueija, da 3ª Vara Federal Cível de Salvador, suspendeu o parecer que impediu a destinação de recursos para a realização do “Festival de Jazz do Capão”. O magistrado, na ação popular movida por diversos parlamentares, ainda determinou que a Fundação Nacional das Artes (Funarte) e Secretaria Especial de Cultura analisem o pedido imediatamente, sem fazer qualquer discriminação política “que atente contra a liberdade de expressão, de atividade intelectual e artística, de consciência ou crença”.
A ação popular foi movida pelos seguintes parlamentares: Alice Portugal, Áurea Carolina, Alexandre Padilha, Airton Luiz Faleiro, Benedita Silva, David Miranda, Érika Kokay, Franscisco José D’Angelo Pinto, Francisco Tadeu Barbosa de Alencar, Jandira Feghali, Lídice da Mata, Sâmia Bonfim, Túlio Gadelha e Tiago Alves de Oliveira.
Os autores defendem o patrimônio público artístico e cultural e a preservação do direito fundamental à liberdade de expressão política e religiosa contra o parecer Pronac 204126, que negou recursos pela Lei Rouanet para o festival. No pedido liminar, os autores apontam que o parecer foi integralmente acolhido pelo diretor da Funarte, Marcelo Nery Costa, e apoiado pelo secretário Especial de Cultura do Ministério do Turismo, Mário Frias.
Os parlamentares afirmam que o projeto foi analisado inadequadamente com viés religioso, apresentando em um dos trechos que o “O objetivo e finalidade de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”. Na ação, assinada pelo advogado Neomar Filho, é dito que a Lei Rouanet preconiza “manifestações culturais” no plural, e assegura as mais diversas manifestações, “podendo ser de múltiplas naturezas, sendo voltada à diversidade, à pluralidade, reconhecendo e buscando preservar todas as manifestações culturais”. A negativa do financiamento do projeto seria uma retaliação ao Festival de Jazz do Capão por se posicionar contra o “fascimo, o racismo, opressão e preconceito”, com o slogan: “Festival Antifascista e pela Democracia”.
Na liminar, o magistrado pontua que a União havia aprovado o festival com regularidade nos trâmites internos, até chegar ao conhecimento do coordenador técnico do núcleo Pronac Funarte a postagem da divulgação do evento em uma rede social, com o slogan contra o fascismo e a favor da democracia.
Para a União, “eventual decisão judicial liminar anulando o ato praticado poderá vulnerar de forma irreparável o equilíbrio entre os poderes da República, além de destinar recursos públicos a evento cuja finalidade, a juízo do gestor responsável pela avaliação de mérito, mostrou-se incompatível com os propósitos da política pública aplicada”. O Ministério Público Federal (MPF), por sua vez, deu parecer pela concessão da liminar, enfatizando que “eventual disponibilização de verba de caráter privada para a realização do evento não implica em perda do objeto da presente ação”. O MPF também informou que já instaurou um inquérito para apurar a questão.
“Rejeitar toda a manifestação artística em que se veja algum matiz político implica rejeição a um dos pilares da produção artística, quando o artista expressa a sua visão sobre as escolhas a respeito da divisão de riquezas, da limitação das liberdades, da mobilidade social, enfim, sobre os caminhos abertos pela vida em sociedade. Em vista disso, não pode ser esse um critério para a destinação do fomento, especialmente quando vem a rejeitar manifestação artística que de alguma forma contrarie os modos do governo ao qual o agente público está vinculado. O financiamento da cultura passa, sem dúvida alguma, por escolhas difíceis dado que, dentre tantas outras, cabe à arte uma função disruptiva, o que eventualmente causa incômodo, repulsa e revolta. Porém, uma vez que a opção pelo financiamento público da arte é uma realidade em nosso sistema normativo, as escolhas devem respeitar as balizas normativas. Além disso, há de se respeitar a impessoalidade que é própria das manifestações de Estado, sem se confundir com os anseios do governo instalado”, afirma o juiz em trechos da liminar. O juiz Eduardo Gomes Carqueija acrescenta que houve ofensa aos princípios da legalidade e da impessoalidade e ao art. 22 da Lei Rouanet.
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