A situação financeira na pandemia não está boa para os baianos, ainda mais para professor de universidade privada em Salvador. Além de demissão em massa, os contracheques dos professores não chegam a um salário mínimo – quando não estão zerados. A hora/aula chega a custar R$12,5, na Uniruy e Área 1, para um professor com doutorado (veja mais no final da matéria). Uma orientação de TCC, na Uniruy, custa R$ 6,19 por aluno, por mês.
Além dos baixos salários, há atrasos. Pelo menos três faculdades atrasam para pagar a folha – é o caso da Universidade Católica de Salvador (Ucsal), Faculdade 2 de Julho e Faculdade Batista Brasileira (FBB). Na FBB, nem o décimo terceiro de dezembro de 2020 os docentes receberam. Isso sem contar com redução salarial da pandemia, que, segundo o Sindicato dos Professores no Estado da Bahia (Sinpro-BA), foi de até 90%.
Na universidade pública, a exemplo da Universidade Federal da Bahia (Ufba), o mínimo que se paga, por hora, é R$ 111,816, se professor adjunto, com carga horária de 20 horas. Com mestrado, esse valor vai para R$ 139,77, e, com doutorado, R$ 176. Caso haja dedicação exclusiva e carga horária de 40 horas/semana, o salário varia de R$ 111/hora a R$513/hora. Na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), o piso é de R$86,362/hora para docentes auxiliares. Com dedicação exclusiva e 40 horas/semana, o salário fica em torno de R$ 242 por hora.
A Associação Baiana de Mantenedoras do Ensino Superior (Abames), antigo Sindicato das Entidades Mantenedoras dos Estabelecimentos de Ensino Superior da Bahia (Semesb-BA), alega que a média da hora/aula paga na Bahia nas particulares é de R$ 55. A reportagem ouviu mais de 10 docentes de 5 faculdades e não encontrou esse valor. Em série de três reportagens especiais iniciada na terça-feira (27) – leia a primeira -, o CORREIO mostra a crise, agravada pela pandemia, e suas consequências nas universidades particulares de Salvador. A terceira matéria da série será publicada nesta quinta-feira (29).
Redução salarial
Uma professora com doutorado ouvida pela reportagem, demitida da UniRuy na última segunda-feira (12), ganhava pouco mais de R$ 870, para dar aula para três turmas, de forma remota. No primeiro semestre de 2020, ela ganhava quase R$ 4 mil com cinco disciplinas. Ou seja, seu salário reduziu em mais de 78%. De acordo com um documento de plano de carreira da Uniruy, obtido pela reportagem, o piso por hora/aula na Uniruy é de R$ 27,43 e vai até R$ 61,44.
Embora ela não ganhasse nem um salário mínimo por mês, existiram colegas que nem mesmo recebiam. “Minha condição não foi das piores, porque tinham colegas com contracheque de R$ 140, R$ 170 por mês, e teve até uns com contracheque zerado. Descobrimos depois que isso não é ilegal, porque, sendo professor horista, se ele não pega turma, pode ganhar zero reais”, revela.
O Sinpro-BA conversa com o sindicato patronal, a Abames/Semesb, para que haja mudança nesse critério. Em algumas condições, isso é considerado ilegal. “Se a mesma turma que o professor lecionava continuar existindo, isso é ilegal. Uma coisa é não ter matrículas suficientes, outra é demitir e não dar turma para professor e passar para outro”, esclarece o coordenador do Sinpro-BA, Allysson Mustafa.
“Chega a ser humilhante a hora aula paga na Bahia, o ensino superior está um show de horrores, com discurso antiquado e escravizando o trabalhador”, completa Mustafa. Por isso, o sindicato reivindica o estabelecimento de um piso salarial de R$ 45,00 hora/aula, variando até R$ 70, para pós-doutores. O Sinpro busca ainda um limite de alunos por turma, além de ajuda técnica e financeira para as aulas remotas, como auxílio para internet, luz e equipamentos, como computadores e fones de ouvido, dentre outras pautas.
Outra mudança foi o preço pago para orientar um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Na Uniruy, custa R$ 6,19 por aluno, por mês. Em 2020, uma orientação rendia, no mínimo R$ 21,6 mensais – entre R$ 130 e R$ 180 por semestre, por estudante. Ou seja, houve uma redução de 71%. “Me recusei a orientar estudantes no TCC por conta do valor que era pago, porque orientação é um trabalho muito grande”, relata a ex-professora. As remunerações extras, por atividades extracurriculares, como eventos, participação no núcleo docente (uma espécie de colegiado) e pesquisa também foram cortadas.
Na Unijorge, o preço de um professor custa R$ 18 a hora/aula. Uma ex-docente, demitida recentemente, só veio descobrir o salário pouco antes de conhecer a turma. “Tomei um susto, jamais imaginei que ia ganhar isso. Diante do compromisso assumido, aceitei”, confessa. Ela, que trabalhou em outras universidades particulares de Salvador, recebia, em média, R$ 43 a hora/aula. “É um absurdo a quantidade de trabalho, de treinamento que fui submetida, reuniões, e-mails de aluno que tinha que responder, além das 8 turmas, pesquisa… Nunca trabalhei tanto na vida e ganhei tão pouco. E pior, não tem nada contra lei nesse valor, eles podem pagar o que quiserem, contanto que você aceite”, relata. Ela tem doutorado e livros publicados.
Na Unime, um professor, que falou sob a condição de anonimato, teve o salário reduzido em 30% desde o ano passado. Ao longo dos seis anos que faz parte da faculdade, isso só vem reduzindo: ele ganhava R$ 3.400 a R$ 4 mil por 8 disciplinas, na época. Hoje, recebe R$ 1.500 por três disciplinas. A redução salarial foi de 62,5%. Segundo ele, os valores pagos aos professores por hora/aula são: R$30,00 h/a para especialista, R$37,00 h/a para mestre e R$42,00 h/a para doutor. A orientação de TCC depende do curso, mas, a média é de R$ 3,00 a R$4,20 por orientação, por semana, ou seja, R$15 por mês. Ele só consegue se manter porque trabalha em outra faculdade. “Sei que se eu sair, tem 50 querendo a vaga. Se eu não fosse professor em outra instituição, estaria rodando Uber, talvez”, lamenta o professor.
Na Área 1, o professor Murilo Barbosa, demitido neste mês de julho, teve o salário reduzido em 87% durante a pandemia. Ele, que tem 33 anos e é pós-doutor, ganhava R$ 2,700 e, antes da demissão, em 2021.1, seu salário líquido foi para R$ menos de 600. Barbosa começou a lecionar na universidade em 2016. De acordo com o decreto 9.235, do governo federal, a cota mínima para que um curso de graduação exista, exigido pelo Ministério da Educação (MEC), é de que um terço do corpo docente deve possuir titulação acadêmica de mestrado ou doutorado. Na Ucsal, dos 348 docentes ativos, 88 são doutores, 164 mestres e 96 com especialização, ou seja, mais de 70% são além de especialistas. Na 2 de Julho, dos 56 professores, 17 são especialistas, 28 são mestres e 11 doutores – 69% do exigido.
Salários atrasados
Além dos baixos salários, há atrasos. Na Faculdade 2 de Julho e na FBB é onde mais demora para pagar os funcionários, dentre as procuradas. O atraso chega a quatro meses. Segundo o diretor da 2 de Julho, Marcos Baruch, isso se justifica porque houve uma queda de 60% no faturamento da empresa, de 2020 para 2021. Essa perda foi maior do que a queda de 2019 para 2020, que foi de 45%, segundo a instituição. “A situação financeira das faculdades privadas de Salvador agravou-se muito. Houve uma queda significativa no número de alunos e, consequentemente, da receita. Muitos alunos perderam empregos, estágios, fora o medo da pandemia”, justifica Baruch.
Nem 400 matrículas foram feitas no último semestre, nos quatro cursos ofertados pela faculdade – Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Administração e Direito. Apesar do atraso salarial, não houve demissões de docentes. “Procuramos manter os professores, com o mínimo de demissão e sem redução da hora-aula, mas tivemos demissões no administrativo, por uma situação em que o mundo presencial era cada vez menos necessário”, garante o diretor.
Na Universidade Católica de Salvador (Ucsal), os salários atrasam dois a três meses para chegar na conta e o pagamento começa a ser feito por quem pesa menos na folha. Um dos motivos é a perda de alunos: dos 8 mil alunos que a faculdade tinha em 2017, somente 4 mil estão matriculados hoje. Metade dos coordenadores de curso também foram demitidos. Na Visconde de Cairu, o salário demora dois meses para cair na conta.
Na Faculdade Batista Brasileira (FBB), todos professores, dos 9 cursos, ainda não receberam o décimo terceiro salário de 2020. “O último que recebemos foi em março. As férias de julho também não foram pagas. Para os colegas que foram contratados como MEI [Micro Empreendedor Individual], a situação é ainda pior, porque eles não têm vínculo empregatício, então estão por pura sorte”, relata um professor, que pediu para não se identificar.
O docente disse nem saber o valor da hora/aula, mas sabe que não passa de R$ 35. Ele sobrevive com o salário da esposa, que não teve atraso na pandemia. “Ela está recebendo em dia e reduzimos todos os custos, cortando qualquer mimo, como comer pizza, só comprando o básico para alimentação. Temos a sorte de ter casa própria e não pagar aluguel nem condomínio”, conta. Ele teve uma redução de 50% no salário, mas proporcional à redução de carga horária. Há colegas dele que, para complementar a renda, começaram a vender bolo para poder pagar as contas.
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