Um conjunto de elementos e materiais, como portas, janelas, armários, estantes, telhas, tubulações, que faziam parte do prédio da Associação Cultural Brasil-Estados Unidos (Acbeu), no Corredor da Vitória, área nobre da cidade, agora integram o Centro Cultural Que Ladeira é Essa, espaço criado há oito anos, na Ladeira da Preguiça, via, importante no passado, de ligação entre as cidades Alta e Baixa, situada no tradicional bairro do Dois de Julho, em Salvador. A região nobre e a área da cidade secularmente abandonada pelo poder público deram as mãos, numa troca incomum para a realidade brasileira: o reaproveitamento de materiais originários de desconstrução de um antigo imóvel.
A iniciativa partiu dos empresários que estão à frente do futuro empreendimento que será construído no local, o Alive, onde funcionou o Acbeu, centro cultural e de idiomas da classe média soteropolitana, cuja ênfase é o ensino da língua inglesa. Como a substituição de edifícios nos centros urbanos cada vez mais densos e verticais tem se tornando inevitável em todo o mundo, a ideia dos empresários foi trazer da Europa a proposta de reaproveitamento de materiais que permite utilizar recursos de modo mais eficiente, fazendo com que a demolição de um determinado edifício não precise significar o fim da vida de seus materiais.
Ganha a cidade, agradece o meio ambiente! “Em vez de se tornarem entulho, os materiais que compunham o antigo espaço cultural da cidade agora dão vida a um outro centro cultural fundamental para os moradores do centro da cidade”, avalia Carlos Andrade, diretor da incorporadora Capa, que juntamente com a Civil, Leão e Dona estão à frente da doação.
Na contramão de demolições cada vez mais rápidas que impedem a desconstrução e o reuso de materiais, os empresários, no caso do futuro empreendimento Alive, apostaram num novo jeito de “descontruir” para construir. Além das doações feitas ao centro cultural, parte dos materiais e peças retiradas do Acbeu no processo de desconstrução foi comercializado e reaproveitado em locais, como na reforma de um grande casarão 28, na rua Chile, ou em uma casa-sede de fazenda, no município de Ibiquara, na Chapada Diamantina.
No Centro Cultural Que Ladeira é Essa, os jovens moradores da região têm aulas de jiu jitsu, capoeira, inglês, francês, espanhol e português com reforço e redação, além das oficinas de hip hop. O espaço, graças ao trabalho conjunto de amigos e moradores da comunidade, tem trazido nos últimos oito anos mais perspectiva e esperança, para pessoas que tem vivido sob o estigma da violência e insegurança. Os materiais utilizados na reforma dos casarões do centro garantem maior fôlego ao espaço. Outro aspecto importante da iniciativa é que o reaproveitamento de materiais originários de desconstrução reduz o custo ambiental da exploração de novas matérias-primas.
Apesar ser comum na Europa, no Brasil, atualmente o reaproveitamento de materiais é uma prática quase que restrita aos autoconstrutores e a algumas comunidades alternativas. Mas isso pode mudar. A baiana Arquivo, contratada para realizar o trabalho de desconstrução do antigo Acbeu, é a única empresa brasileira especializada no serviço. Formada por jovens arquitetos e empreendedores, seu objetivo é criar um mercado de reaproveitamento de elementos de arquitetura em construções formais com exigências normativas e logísticas elevadas.
“Os materiais reaproveitados podem ser tão bons quanto ou melhores que seus equivalentes novos. A inserção de elementos de segunda mão no universo da arquitetura depende de uma grande organização do setor. Essa é uma tendência no mundo que veio para ficar”, afirmam Natália Lessa e Pedro Alban, da Arquivo. A iniciativa faz parte de um novo conceito, a gentileza urbana, que propõe que obras privadas favoreçam as relações urbanas no seu entorno. Segundo os empreendedores, a proposta do Alive incorpora ainda conceitos como praticidade, sustentabilidade, conectividade e mobilidade.
Foto: divulgação