Pela segunda vez em 198 anos de história, não haverá festa em comemoração à Independência da Bahia. A culpa é da pandemia que assola o mundo desde 2020 e, além de tirar vidas, empregos e histórias, impõe danos ao calendário cultural. Mais uma vez, não terá fogo simbólico saindo de Cachoeira, nem ruas enfeitadas no Centro Histórico, nem fanfarras e manifestações do povo nas ruas baianas. Membro do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Milton Moura conta que, durante a II Guerra Mundial (1939-1945), o Carnaval chegou a ficar suspenso, mas o Dois de Julho continuou acontecendo normalmente.
No ano de 1943, por exemplo, a festa aconteceu debaixo de uma chuva muito forte. Há registros de uma multidão protegida com guarda-chuvas fazendo o cortejo. Um dos maiores reveses que a festa da Independência da Bahia sofreu foi justamente no ano de seu centenário, em 1923, quando o Brasil vivia o chamado período da República Velha. A escravidão tinha sido abolida menos de 40 anos antes, em 1888, e Milton Moura explica que essa abolição foi jurídica e formal, mas as pessoas negras escravizadas e seus descendentes seguiam sendo vistas como inferiores para as elites do país, que naquela época vivia o auge de seu processo de eugenia, com a imigração de europeus no intuito de embranquecer o país e torná-lo mais parecido com a Inglaterra e a França, as duas potências europeias da época.
Por conta disso, a imagem do Caboclo foi abolida. Não era um europeu ou um homem branco e portanto não fazia parte da imagem que o país queria ter. “As elites baianas e brasileiras de um modo geral queriam fazer um embranquecimento do Brasil. E o Caboclo era a marca de uma independência representada por um elemento mestiço vestido de índio. E eles queriam tudo branco. Nesse tempo se acirrou a perseguição aos batuques de candomblé. Era uma coisa obsessiva de fazer o Brasil parecer um país europeu”, diz Milton Moura.
O historiador Daniel Rebouças classifica esse ato de retirar o Caboclo para colocar o Senhor do Bonfim no desfile da Independência como o ápice da eugenia que se tentava no Brasil. Ele também afirma que nem mesmo no período da gripe espanhola, que assolou o mundo a partir de 1918, houve algo assim, com a proibição de pessoas nas ruas. “O 2 de Julho foi meio cambaleante durante a história. Há a procissão cívica e a popular, que normalmente é materializado nos carros do Caboclo e da Cabocla. Teve anos que o carro da Cabocla ficou preso dentro do Pavilhão da Lapinha, mas havia comemoração da Independência nas ruas, no Instituto Histórico… mas assim zero de comemoração zero, pública, na rua, eu realmente desconheço”, conta.
Para o 2 de Julho de 2021, a palavra que guia novamente é a adaptação e distanciamento. Uma outra palavra também marca o feriado da Independência neste ano: esperança. Assim como no ano passado, haverá atos comemorativos simbólicos no Largo da Lapinha, com acesso restrito apenas a autoridades e imprensa. Durante a cerimônia, as estátuas do Caboclo e da Cabocla estarão posicionados do lado de fora do Pavilhão 2 de Julho, vestidos pelo artista plástico João Marcelo, de “Verde Esperança”. Ao final do ato solene, as estátuas serão recolhidas para o Pavilhão da Lapinha. Não haverá carreata por medo de gerar aglomerações nas ruas.
A programação de Salvador divulgada pela Fundação Gregório de Mattos (FGM) indica que, às 8h, será realizado o hasteamento das bandeiras com as presenças do prefeito Bruno Reis, do governador Rui Costa, do presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Adolfo Menezes, e do presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Eduardo Morais de Castro. Na sequência, a Pira do Fogo Simbólico, nomeada nesta edição de “Chama da Esperança”, será acesa por dois profissionais de saúde, em um gesto que representa a luta do povo da Bahia na batalha contra a pandemia. Na ocasião, ainda acontece uma coletiva de imprensa com as autoridades presentes, como também a deposição de flores aos heróis da Independência no busto do General Labatut.
Prefeito e Salvador, Bruno explicou em coletiva virtual que haverá também toda uma programação virtual promovida pela Fundação Gregório de Mattos (FGM). “Por mais que tenhamos avançado na vacinação, ainda é fundamental evitarmos aglomeração e manter todos os cuidados”, justificou o prefeito.
Foto: divulgação