A autorização pela Anvisa para a importação excepcional de lotes das vacinas Sputnik pelos estados do Nordeste é uma decisão absurda que, a se acreditar nas declarações de diretores da empresa, transforma 1% dos nordestinos em verdadeiras cobaias. Isso porque a agência não concedeu autorização de uso emergencial da vacina e afirmou com todas as letras que o imunizante “não tem avaliação” da agência quanto a qualidade, eficácia e segurança. Ora, sendo assim, como uma instituição responsável pela segurança na liberação de medicamentos autorizou a importação de uma vacina, sem que haja certeza de sua segurança?
E, segundo a Anvisa, esse número limitado de doses será usado como estudo clínico e os governos terão que fazer um acompanhamento de eficácia, segurança, e eventuais eventos adversos do imunizante. Os dados desse acompanhamento poderão ser usados pela Anvisa para avaliar uma ampliação da importação de mais. Ou seja, o anúncio de que a Anvisa vai monitorar o uso das doses autorizadas para então, se não houver intercorrência, autorizar os próximos quantitativos a serem importados é, na verdade, uma declaração de que 928 mil nordestinos, 300 mil da Bahia, serão usados como cobaias.
Com a permissão de uso sem avaliação, a Anvisa atendeu a interesse político e manteve seus pruridos corporativistas. Ou seja, as vacinas serão aplicadas com base na aprovação de agências estrangeiras e, segundo o órgão, consequentemente, sob a avaliação estrangeira de critérios como eficácia, vigilância sanitária, processos de fabricação, entre outros. Mas a Anvisa faz questão de lembrar de forma corporativista que para ela – que deve ser a mais importante agência sanitária do mundo – os imunizantes não atendem completamente às suas especificações.
Em outras palavras, a Anvisa admite que, segundo suas análises, 928 mil nordestinos que tomarão a vacina Sputnik serão cobaias a serem monitoradas pelos Estados.
A Anvisa deveria ter liberado totalmente a importação da Sputnik ou simplesmente não liberar, embora as agências de 66 países tenham feito isso, reafirmando sua qualidade técnica acima das demais agências do mundo. Mas a decisão como foi tomada em relação à Sputnik não faz jus à tradição da Anvisa, pois a agência ficou em cima do muro, bem ao gosto do seu presidente, Antônio Barra Torres. (EP – 07/06/2021)