Houve um tempo em que todos os cisnes eram brancos e era redundante citar sua cor. Mas no longínquo ano de 1770 um inglês encontrou na Austrália um inacreditável cisne negro. E assim a ave negra invalidou todo o conhecimento e todas as opiniões baseadas nas observações sobre o mundo dos cisnes. A pura existência do cisne negro deveria por fim a tese de que só existiam cisnes brancos, mas houve quem não acreditasse, pois os homens são dados a crendices e há aqueles que não acreditam em vacinas, mesmo sabendo que elas evitam milhares de mortes, e outros que, desmentindo Gagarin que a viu tão azul e redonda, afirmam que a Terra é plana.
A verdade só é verdade até o momento em que um fato incontestável ou um experimento controlado, científico, mostra que aquilo que parecia verdade não é mais considerado como tal. A ciência é a mais refinada e sofisticada forma de encontrar a verdade, mas até ela pode se deparar com um cisne negro e se curvar aos fatos que vão exigir novos experimentos.
A história do cisne negro questiona o princípio da indução, ou seja: o fato do mundo só conhecer cisnes brancos não quer dizer que não existam cisnes negros. E traz a ideia de que se o fato é incontestável, não adianta interpretá-lo de maneira enviesada. Não faz sentido dizer que a terra é plana, após o homem ter visto e registrado sua esfericidade.
“Convicções são inimigos da verdade mais perigosos que as mentiras”, dizia Nietzsche, e nunca em tempo algum elas foram tão perigosas quanto agora. Há quem diga com empáfia: “Eu sou coerente e nunca mudo de opinião”. E há quem conteste com compaixão: “Que pena! Se o fato muda e sua opinião permanece a mesma, você parou no tempo”.
O que a história do cisne negro quer ressaltar é que observações novas e fatos novos devem fazer evoluir não só a ciência, mas também a nossa forma de ver o mundo. E que fatos incontestáveis devem mudar as nossas opiniões. Infelizmente, o ser humano é uma espécie estranha, que se afeiçoa a crendices e opiniões de tal modo que sua racionalidade é tolhida. E assim, embora esteja comprovado que as vacinas salvam vidas, há quem seja contra o seu uso. E há quem alegue uma crença política para justificar a morte de milhares de pessoas ou uma crença religiosa para impedir que uma transfusão de sangue salve uma vida.
“Uma crença forte demonstra apenas sua força, não a verdade daquilo que se acredita”, reitera Nietzsche, e por isso a crença não pode invadir os domínios da ciência. E, diferente do que se diz, a ciência não tem a soberba de saber tudo, pelo contrário, sua beleza está em saber que não existem verdades absolutas, mas verdades cientificamente comprovadas em determinado estágio do conhecimento e elas devem ser acatadas até que apareça um cisne negro.
Artigo de Armando Avena, escritor, jornalista e economista. Membro da Academia de Letras da Bahia
Publicado no jornal A Tarde em 14/05/2019