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PANDEMIA: CRISE ECONÔMICA E A NOVA REALIDADE ENFRENTADA POR ESTUDANTES E CENTROS UNIVERSITÁRIOS

Redação - 13/05/2021 19:33 - Atualizado 09/06/2021

O portal Bahia Econômica apresenta uma série de matérias com foco nos desafios e superações de estudantes universitários durante a pandemia do novo coronavírus. Durante a produção, foram entrevistados coordenadores de universidades, estudantes, representantes de entidades do ensino superior  e a partir disso, expõe um amplo recorte das pautas relacionadas a esse momento histórico de mudanças e reinvenções.

Confira, agora, a primeira matéria da série:

“Foram 730 dias de planejamentos desconstruídos em um mês de pandemia”, contou, em tom de descontentamento, a estudante Juliana Santos Maciel, 34. “A escola na qual trabalhava fechou, fui demitida e, sem trabalho e com redução de renda, eu  precisei trancar o curso de pedagogia”. Assim encerrou o sonho não só de Juliana, mas de toda a família, em ter a primeira pessoa da casa formada em um curso universitário. “Não tenho perspectiva de quando vou retomar”, continuou.

Mulher,  negra, nordestina, filha de um aposentado e uma dona de casa, Juliana lutava contra as estatísticas de ser a minoria de uma parcela que frequenta um curso universitário (Veja gráfico abaixo). Mas, segundo dados da pesquisa Poder Data, a precarização da qualidade de vida que atingiu a estudante, também chegou a 61% dos brasileiros, imposta pela crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus, gerando acumulo das contas,  aumento com os gastos com alimentação  e diminuição de renda.

“Ai, que saudade de meus alunos! Mas um dia volto a lecionar. Já fez um ano que estou desemprega e meu marido fazendo bico como eletricista. Tentei cursar uma faculdade com mensalidades baixas, mas o valor fez muita falta na hora de pagar uma conta e, novamente, não pude manter”, desabafa.

Já para a estudante de Engenharia da Computação, Laiz de Santana Sena, 20, além do desemprego, outra dificuldade serviu de obstáculo para sua educação no último ano: a não adaptação aos ensinos remotos. Laiz, que mora em Lauro de Freitas, trancou a faculdade ainda no primeiro semestre.

“No início [da pandemia], ainda assistia as aulas pelo celular, mas perdi o emprego de divulgadora e percebi que as mensalidades se tornaram uma ‘bola de neve’, que eu não conseguiria mais pagar. Logo, fiquei sem internet em casa e, sem crédito no celular, ficou extremamente complicado manter os estudos à distância. Tranquei a faculdade e  ainda não sei o que fazer para pagar os valores acumulados”, disse.

Embora preocupantes, as situações vividas por Juliana e Laiz não são casos isolados. O número crescente de ocorrências como estas se tornaram alvo de estudo da ABMES – Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior. Para a instituição, o novo e ascendente grupo de estudantes universitários que trancaram a faculdades na Bahia entre 2020 e 2021, define uma nova composição: a dos que não tem ideia de quando voltarão a estudar.

 

 

Essa evasão de estudantes motivada por falta de renda preocupa os representantes das unidades de ensino superior. Segundo o diretor presidente da ABMES, Celso Niskier, o principal desafio da educação superior no período da pandemia é a manutenção  dos alunos em seus cursos. “A ABMES orientou  suas associadas a negociarem individualmente seus contratos  para colaborar  com alunos a manterem suas matrículas, sobretudo aqueles que tiveram alguma dificuldade financeira oriunda da pandemia. A personalização de proposta de negociação de matrícula tem sido uma maneira das mais eficientes, e isso fez muitos alunos permanecerem  em seus cursos”. Além disso, Niskier afirma que as instituições de ensino superior têm dialogado com o Governo Federal em prol do financiamento estudantil  emergencial. “É uma espécie de Fies Emergencial, no intuito de ajudar as famílias manter seus filhos na graduação”.

Dados apontam desafios para alunos e professores

Em números absolutos, 608 mil alunos desistiram ou trancaram matrícula no primeiro semestre de 2020. São 83 mil a mais que no mesmo período de 2019, segundo levantamento realizado pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp). A pesquisa ouviu 53 instituições.

Essa é a primeira sondagem que mostra o impacto da pandemia na permanência de estudantes nas faculdades. Segundo estudo divulgado  pela Semesp, no primeiro semestre de 2020, a taxa de evasão no ensino superior privado foi de 10,1% — valor 14,7%% maior do que o observado no mesmo período no ano passado, quando o percentual era de 8,8%.

Os dados também apontam que a taxa de inadimplência nos primeiros seis meses deste ano foi de 11% — aumento de 29,9% em relação ao mesmo período de 2019. Antes, a taxa de desistência dos alunos era de 8,5%. A porcentagem indica que  565 mil alunos ficaram inadimplentes no primeiro semestre de 2020. No mesmo período, em 2019, foram 109 mil.

Composto por 90% de alunos das classes C, D e E, de acordo com o Semesp, o público do ensino superior privado sofreu com desemprego, diminuição ou perda de renda e suspensão ou redução de contrato de trabalho. Esse cenário foi pano de fundo dos trancamentos e desistências.

Outro levantamento – realizado pela empresa de pesquisas educacionais Educa Insights em parceria com a ABMES –  aponta, ainda, que a interrupção do pagamento do auxílio emergencial, através do Governo Federal,  impactou na decisão de deixar para o futuro o sonho de cursar o curso de graduação de 56% dos estudantes brasileiros. Segundo o “Observatório da Educação Superior: análise dos desafios para 2021 – 2ª edição”, 66% dos entrevistados utilizaram o apoio financeiro na manutenção dos estudos. Com o fim do pagamento, no entanto, e com a posterior diminuição do valor, ficou ainda mais difícil, para os estudantes, a manutenção do sonho de graduação.

“Acho que o governo deveria dar possibilidade para quem quer estudar. Agora está difícil seguir uma faculdade. Sei que tem pessoas passando fome, mas o estudo também é importante e não tenho apoio nenhum do governo para seguir estudando. Tem pessoas piores do que eu, mas realmente não tenho de onde tirar dinheiro para continuar meus estudos”, disse Juliana.

Internet flagra latente corrida dos universitários para não deixar a universidade

Essa dificuldade foi refletida nos algoritmos  da internet, que denunciaram o vertiginoso aumento, nas redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter), de pessoas revelando intenção de trancamento do curso de graduação no segundo semestre de 2020. Após a coleta de 101.670 menções sobre o tema, pode-se observar a evolução de 230% no número de comentários diários sobre o assunto somente em abril.

Em 2019, a maioria dos comentários de quem explicitava intenção de trancar a matrícula era de insatisfação com o curso (31,43%), seguido de falta de tempo (25,71%), de acordo com dados do “Observatório da Educação Superior: análise dos desafios para 2021 – 1ª edição”, realizado pela ABMES em parceria com a Educa Insights, entre 25 e 30 de janeiro, via internet.

Laiz ajudou a alimentar os indicadores observados na pesquisa. Com o isolamento social, foi no mundo virtual que ela conseguiu acessar informações sobre as possibilidades de trancamento, e de possível retorno, ao curso universitário.

“A internet foi minha aliada durante a pandemia. Pesquisei como suspender o curso, consequências e como retornar a estudar. Depois conversava  com colegas e familiares. Foram muitos dias de pesquisas e diálogo, até a minha decisão de trancar o curso”, relata a estudante. 

‘Raio x’ dos universitários do Brasil

Os estudantes das instituições de ensino superior brasileiras têm um perfil bastante claro: pessoa branca, 57% mulheres, idade entre 19 e 24 anos, e estudam à noite. Também fizeram o ensino médio em escola pública, moram com os pais e tem de trabalhar para ter uma renda de até dois salários mínimos.

Tanto nas instituições de ensino superior públicas, como nas privadas, a maior parte dos alunos é proveniente do ensino médio público. No caso do ensino superior privado, 68,5% dos alunos vieram do ensino médio público e 31,5% do privado. Já nas instituições de ensino superior público, 60,1% veio do ensino médio público; e 39,9% do ensino médio privado. É o que mostra o Mapa do Ensino Superior no Brasil 2020, divulgado em março pelo Instituto Semesp.

Do total de alunos matriculados nos cursos presenciais dessas instituições, em 2018, 55% e 48,8% são brancos, nas entidades privadas e públicas, respectivamente, enquanto pessoas que se declaravam de cor preta estavam em 11% nas públicas, e em 7,9% nas privadas. O percentual de pardos passou de 27%, em 2010, para 34% nas privadas; e de 27,6%, para 36,9% nas públicas. 

Desafios econômicos e como superá-los

Apesar das adversidades impostas pela pandemia, o planejamento a curto e longo prazo é um dos desafios, mas também esperança, de alguns dos universitários a não desistirem do curso superior.

Como é o caso de Juliana: “Dou aulas de  reforço escolar para seis crianças de 4 a 10 anos e consigo ganhar R$300. É muito mais por amor à pedagogia. Amo meu trabalho e a pandemia não vai tirar essa esperança de mim. Minha casa é pequena e não tenho espaço, mas, no futuro, quero voltar a cursar a faculdade e abrir uma creche para agregar mais crianças, até as que estão em situação de vulnerabilidade”, planeja a futura pedagoga.

Algumas faculdades, ao detectarem essa crescente onda de desistência dos alunos, buscaram seguir a orientação da ABMES, e criaram alternativas para adaptação à nova realidade econômica de seus alunos, como, por exemplo, a universidade Estácio, em Salvador. Para garantir a continuidade dos estudos de seus alunos, a instituição lançou um programa que oferece bolsas integrais e flexibilização de pagamento de mensalidades para cada mês de quarentena.

Já a Cooperativa Consulcoop buscou inovações e disponibilizou um chip que dá acesso à internet gratuita para os alunos estudarem de forma online, já que uma das queixas é a falta de uma internet qualificada para assistir as aulas com qualidade.

Porém, sendo a crise econômica um dos maiores desafios para os estudantes universitários continuarem seu sonho de graduação, esse não é, para alguns, fator determinante para o fim de um projeto. Mas, sim, apenas uma interrupção momentânea.

“Eu estou sem renda, sem trabalho e sem oportunidade, apesar de  enviar currículos diariamente. O coronavírus atingiu a saúde, mas muito mais o bolso. Pobres, como eu, precisam crer em um futuro melhor, mas não é suficiente para decidir voltar a estudar agora. E com isso, sei que vou ter resultados negativos no futuro, mas não tenho como modificar isso agora. Por isso, sigo resistindo. Voltarei a estudar um dia”, diz, com esperança, a estudante Laiz de Santana.

Foto: Agência Brasil 

Por Aline Damazio e Gabriela Marotta

 

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