A inadimplência voltou a subir em janeiro e fevereiro e, segundo economistas, a tendência é que continue em alta nos próximos meses devido ao agravamento da crise sanitária e ao encolhimento do auxílio emergencial. De acordo com dados do Banco Central, atrasos acima de 90 dias em empréstimos alcançaram 2,3% em fevereiro, crescimento de 0,14 ponto em relação a dezembro, último mês de pagamento da primeira rodada do auxílio emergencial.
No fim do ano, o indicador estava em 2,12%, menor valor da história. Também houve crescimento de 0,23 ponto percentual em atrasos de 15 a 90 dias, que foram a 3,08% em fevereiro. É o maior percentual desde maio do ano passado. Na avaliação do professor de finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas) Rafael Schiozer, os calotes devem aumentar nos próximos meses.
“O índice nesses primeiros meses veio mascarado pelas renegociações. Acho que temos uma onda de inadimplência vindo, especialmente no segundo trimestre”, diz. Em estimativa feita em outubro, o BC esperava que a inadimplência atingisse 4% já no primeiro trimestre de 2021. O valor fica próximo ao pico de 4,04%, observado em maio de 2017. Na época em que foi feita a projeção, a análise era de que, com o fim do auxílio e o retorno das parcelas prorrogadas de empréstimos, além da desaceleração no mercado de trabalho, os consumidores poderiam ter dificuldades para honrar seus compromissos.
Segundo o chefe do departamento de estatísticas do BC, Fernando Rocha, nem todo atraso abaixo de 90 dias vira inadimplência de fato (só contas sem pagar acima desse prazo são consideradas inadimplentes pelo BC). “Muitos renegociam antes disso e conseguem pagar a dívida. Não temos como afirmar se é uma alta pontual ou uma tendência”, disse em entrevista coletiva no final de março.
No entanto, o fenômeno vem sendo observado também nas concessões de operações de composição de dívidas –quando o cliente faz acordo para unir mais de uma modalidade de crédito em uma só. Esse tipo de crédito aumentou 72,7% em 2020, na medida em que muitos aproveitaram o afrouxo regulatório para renegociar dívidas antigas e tentar condições melhores de pagamento. Em abril do ano passado o BC publicou norma que facilitou esse tipo de acordo.
Os atrasos no pagamento desse tipo de operação já indicam tendência de alta nos primeiros dois meses do ano, com crescimento de 1,56 ponto percentual entre dezembro e fevereiro. O indicador chegou a 13,5% -antes da crise, o número ficava entre 14% e 15%. Os atrasos em modalidades mais caras também aumentaram em fevereiro. O cartão de crédito rotativo, quando o cliente não paga o valor total da fatura, fechou o mês em 11,1%, alta de 1,57 ponto percentual em relação a dezembro.
O economista e professor da USP (Universidade de São Paulo) Paulo Feldmann também projeta que a inadimplência deve saltar neste ano. Para ele, o novo auxílio emergencial não será suficiente para frear os calotes. “Já tivemos uma queda importante no consumo no início do ano e isso é um sintoma de como está a economia, as pessoas estão sem dinheiro. Com um auxílio bem menor e que abrange menos beneficiários, além do nível alto de desemprego, é natural que as pessoas deixem de pagar as dívidas”, diz. O novo formato do auxílio foi anunciado pelo governo no fim de março e terá valor médio de R$ 250, mas poderá ser de R$ 150 ou R$ 375, dependendo do tamanho da família do beneficiário.
O governo prevê um gasto de R$ 44 bilhões para atender 45,6 milhões de pessoas. No ano passado, foram desembolsados R$ 293 bilhões para atender 67,9 milhões. O professor de economia da UnB (Universidade de Brasília) Roberto Piscitelli destaca que a inflação dos itens que mais pesam no orçamento dos mais pobres, como alimentos e habitação, segue alta. “Isso corrói o poder de compra do consumidor e pode puxar para cima a inadimplência. Pela deterioração do cenário econômico neste ano, acredito que a tendência é de alta no indicador”, avalia.
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