O comportamento beligerante do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), nos últimos dias, contra veículos de comunicação e governadores que vão até ele cobrar uma solução para a crise sanitária ligou o sinal de alerta no Congresso Nacional. O receio dos parlamentares é de que os discursos contra medidas de isolamento social possam incentivar atos de desobediência civil e insurreição em todo Brasil, agravando a crise sanitária e gerando uma crise política e institucional sem precedentes no país.
“Eu acho que Bolsonaro está apostando muito alto, é um risco; ele pode estar levando o país a ser sede da maior tragédia do século 21. A omissão de Bolsonaro pode gerar uma convulsão social, e já estamos vendo conflitos acontecendo, comerciantes invadindo prefeituras, como aconteceu Caldas Novas, vemos pequenos empresários fechando vias, ameaças nas redes sociais e, de repente, daqui a pouco um conflito intergeracional pode ocorrer. Imagina se os jovens decidem que querem se vacinar antes dos idosos. Não tem instituição que se sustente se o tecido social tiver rasgo de fratura, não tem. Isso coloca em risco a própria democracia”, sinalizou o deputado federal Bacelar.
Protesto contra medidas de segurança começaram a ocorrer desde fevereiro, quando os estados passaram a adotar medidas mais rígidas. Em São Paulo, caminhoneiros fecharam diversas vias, ontem, em protesto contra o lockdawn decretado pelo governador João Doria (PSDB). Em Salvador, comerciantes ligados ao ramo da educação e de bares e restaurantes estão realizando protestos quase diários contra o prefeito Bruno Reis (DEM) e o governador Rui Costa (PT), na porta da residência de cada gestor.
O senador Jaques Wagner (PT) entrou com uma notícia-crime contra Bolsonaro, por crime de prevaricação. Na peça, Wagner cita o comportamento negacionista de Bolsonaro e de como ele agiu sistematicamente, desde o início da pandemia do novo coronavírus. Segundo o petista, isso ocorreu em duas frentes: conduzindo a crise sanitária com “negligência e descaso”, afetando medidas para conter o avanço do vírus e combatê-lo, e “desrespeitando as medidas de prevenção ao contágio”.
“Seus atos, palavras e comportamentos, como agente público e político, habitam o campo da omissão e divergem de todas as recomendações sanitárias preconizadas pela comunidade científica e por profissionais de saúde, como essenciais à prevenção e proteção contra a contaminação”, destacou Wagner. Para o senador, Bolsonaro está agindo de forma criminosa e sinaliza que tais atos podem indicar que o chefe do executivo federal não está no uso pleno das faculdades mentais.
“O que ele está fazendo é crime conhecido. Prevaricação é não tomar atitudes necessárias perante um grave problema. O presidente sabe que tem gente morrendo, sabe que precisa comprar vacina e faz de conta que não sabe de nada. E ainda se coloca contra a vacina. É um crime. Para mim, o presidente doido virou bandido”, criticou Wagner. O deputado federal Daniel Almeida (PCdoB) avalia que os atos reiterados do presidente contra medidas sanitárias são motivos mais do que suficientes para que se abra uma CPI para investigar se está havendo negligência do governo no combate à pandemia.
“Essas declarações não trazem revelações a mais, só mostra o que afirmamos, que o presidente não tem interesse em tirar o país da crise e nem tem condições morais, políticas, humanitárias para governar o Brasil. Isso justifica cada vez mais a necessidade de uma CPI, são atos de irresponsabilidade reiteradamente cometidos por ele”, criticou Almeida. O presidente firmou um pacto com o centrão, – grupo de partidos com histórico de fisiologismo – em 2020. O ato, que resultou na eleição de Arthur Lira (PP-AL) como presidente da Câmara dos Deputados, em fevereiro, é considerado por muitos como uma consolidação da blindagem institucional do chefe do executivo federal, que vive à sombra de processos de impeachment e de movimentações para aberturas de CPI contra o governo, que começam a ganhar fôlego em meio ao colapso na saúde vivenciado nos estados.
Apesar de admitir que com o centrão Bolsonaro ganha uma sobrevida, o deputado do PCdoB acredita que diante de uma situação “insustentável”, os parlamentares irão abandonar o barco na busca por sua própria sobrevivência. “Ninguém tem vocação para suicídio, o centrão tem se beneficiado, passou a ter um acesso maior ao orçamento, mas não vejo nenhum interesse do grupo em corroborar com o que vem acontecendo, muitos deputados querem apurar essas loucuras que ele tem feito. A opinião pública está cada vez mais consciente da necessidade de colocar um freio e acredito que o centrão não vá manter esse alinhamento. O fator que pode alterar isso é a pressão da sociedade”, avalia Almeida.
Governabilidade
O vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara, o deputado Cláudio Cajado (PP), acredita que não há clima na Câmara e no país para abertura de uma CPI contra o governo federal. “Precisamos ter senso de responsabilidade para com o país, fazendo críticas construtivas. Não há absolutamente ambiente para isso, pelo contrário – é preciso desanuviar o ambiente. Deixa passar a pandemia, a crise para que a gente vai colocar mais lenha na fogueira ao invés de trazer alento às famílias que estão sofrendo, perdendo seus entes amados”.
Cajado afirmou que não “comenta as declarações do presidente da República” e reforçou que os deputados que formam a base do governo no Câmara dos Deputados estão “empenhados em dar governabilidade ao país”. Imbuídos em conduzir o “país e o governo ao rumo da responsabilidade fiscal, desenvolvimento econômico, da atenção social”, do “combate a covid, compra de vacina e principalmente de um trabalho que todos possam ganhar”.
O deputado federal Afonso Florence (PT) classifica como “impressionante” o fato do país ainda não ter aberto uma investigação para apurar o “descalabro” promovido por Bolsonaro. Ele cita que o “genocídio em Manaus”, a “negligência que resultou na falta de oxigêncio” era motivo suficiente para o início de um CPI contra o governo federal. Florence pontua que Bolsonaro é adepto da “teoria do caos” que ele está tentando implementar no país.
Ele diz que sempre que sua família se sente acuada por algum escândalo, a exemplo da recente compra de uma mansão pelo filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, ele fica “blefando”, atacando, para “criar um cortina de fumaça”. Em tom de ironia, o deputado Jorge Solla (PT) acredita que o presidente da República precisa fazer uma consultoria com o filho para saber como pagar o auxílio emergencial sem nenhuma manobra fiscal: “Ele pode até pedir ajuda ao filho, o Flávio. O senador conseguir dinheiro da noite para o dia para comprar uma casa de R$ 6 milhões, com um juros de 3,5% ao ano, é um caso raro, especial e isso precisa ser investigado.
A deputada Alice Portugal (PCdoB) denuncia que o presidente está atuando para fazer do país um laboratório para a chamada “imunidade de manada”, o que que avalia que “não tem condições de ser realizada com um vírus absolutamente letal e desconhecido”. “Ele vem dando demonstrações que a sua posição negacionista, fascista, busca criar empatia com parte do povo que está totalmente desassistido e desesperançado em todo o Brasil, em função da ausência do governo federal nas políticas públicas que levaram o Brasil a uma possível catástrofe e à alcançar os EUA, não em medalhas olímpicas, mas em número de mortos”,lamenta Portugal.
Já deputada do PSB, Lídice da Mata, afirma que as “declarações provocativas” de Bolsonaro são típicas de quem “na verdade percebe que não consegue fazer nada porque, quando podia ter evitado, quando havia tempo para se planejar a compra das vacinas, se recusou a fazê-lo”. Ela lembra que o chefe do executivo federal criou empecilhos para compra da vacina e chegou a dizer que o imunizante do Butantan, que estava em produção pelo governo de São Paulo, “era vacina chinesa do João Doria” e que ele não iria comprar: “Ele disse que a imprensa pensa que ele é o vírus, porque ele fez com que a imprensa e a população pensassem isso. Ele está sendo tão danoso quanto, ele é parte do dano que a população está tendo”.
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