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BRASILEIROS RETIDOS EM PORTUGAL RELATAM DRAMA

Redação - 27/02/2021 09:00 - Atualizado 27/02/2021

Sem trabalho desde 14 janeiro, quando encerrou seu contrato em uma clínica dentária, a técnica de saúde bucal Adriana Nunes, de 40 anos, decidiu deixar Portugal de volta ao Brasil. Na véspera de sua viagem, marcada para 16 de fevereiro, foi comunicada que seu avião não decolaria, após o governo local prorrogar até 1º de março a suspensão de voos entre os dois países, em vigor desde 29 de janeiro. A poucos dias do prazo estipulado, o Parlamento português aprovou na última quinta (25) nova extensão do estado de emergência por mais duas semanas.

Impedidos de regressar, brasileiros enfrentam dificuldades para se manter no país e não têm condições financeiras para buscar rotas alternativas com escalas em outras nações europeias. Nesta sexta (26), um voo especial articulado pelo Itamaraty repatriou 298 passageiros de Lisboa com destino a Guarulhos, em São Paulo. Com bilhetes mais econômicos vendidos acima de 800 euros (equivalente a R$ 5408,00), boa parte do grupo retido não conseguiu embarcar.

Desempregados em razão da crise provocada pela pandemia, alguns estão morando de favor com colegas e dependem da solidariedade alheia até mesmo para se alimentar. Outros recorrem a economias que juntaram ao longo da estadia em Portugal para sobreviver. Diante do agravamento da pandemia no país após as festas de fim de ano e do medo da contaminação pelas novas variantes do coronavírus encontradas no Brasil e no Reino Unido, ao menos 300 brasileiros seguem sem perspectiva de retornar, segundo estimativa da Associação Brasileira de Portugal.

“Já estou (morando) de favor. É o caso da maioria. Alguns conseguem pagar um hostel ou algo assim, mas não pode se estender muito. A gente está em casas de pessoas que nos deixam ficar um tempo, só que temos despesas e como vamos nos manter? Já não temos recursos para isso. Vou ser sincera: tenho, na carteira, o dinheiro apenas para fazer o teste de Covid para quando o bilhete sair. Já não tenho mais nada. É preocupante”, afirmou Adriana.

A técnica de saúde bucal teve o voo reagendado para o próximo dia 9, mas as chances de ser adiado outra vez são grandes devido à continuidade do estado de emergência até 16 de março. Ela e o filho foram abrigados provisoriamente por um conhecido e contam com ajuda para arcar com custos básicos. A quantia que sobrou vem sendo guardada para a realização do exame de Covid-19, obrigatório para embarque nos voos comerciais. Segundo os brasileiros, os testes são encontrados por preços médios entre 100 e 200 euros.

“Não temos condições de arcar com luz, água, supermercado. E só vai chegando mais. Nem transporte tenho condições de pagar. Aqui temos um passe que carregamos e conseguimos andar o mês todo, que é um pouco diferente daí do Brasil. Meu filho já está fora da escola, e não sabemos o que fazer com essa situação toda. Conseguir trabalho aqui agora está muito difícil. Eles estão demitindo; não, contratando”, disse Adriana.

Por meio de um grupo no WhatsApp que reúne 215 participantes, brasileiros em situação semelhante trocam informações e se articulam para pressionar o consulado. O enfermeiro e fotógrafo Fillipe Reis, de 29 anos, é um dos que tomaram a frente da mobilização. Ele deixou seu emprego ainda em janeiro para voltar ao Espírito Santo após passar pouco mais de um ano no país, como havia planejado. Já havia devolvido o apartamento que alugava, quando recebeu a notícia do cancelamento de seu voo, programado para 15 de fevereiro.

O enfermeiro chegou a Portugal em novembro de 2019 para se especializar no cuidado de idosos e começou a trabalhar em uma clínica voltada a esse público. Depois de extensas jornadas de trabalho durante a pandemia, resolveu que era hora de retomar a vida no Brasil, mas a suspensão dos voos o levou para a casa de um colega.

“Guardei um pouco do dinheiro e vou um dia ou outro à clínica onde trabalhava. Como avisei que ia sair, ocuparam minha vaga e não tenho mais meus turnos. Graças a esse pagamento picado e a esse colega que me abrigou, não estou sofrendo tanto. Se tivesse que pagar quarto ou apartamento para ficar, estaria passando por necessidades”, afirmou Fillipe.

De acordo com ele, as autoridades dão respostas evasivas e orientam procurar outras rotas, embora a maioria não tenha como arcar com os custos extras de mais uma passagem. A companhia aérea responsável por seu voo alega não ser possível solucionar o problema e não sinaliza reembolso.

“Estamos retidos, sem saber o que vai ser. O consulado se isenta de responsabilidades. A realidade é que não estão nem aí. Falam para procurar rotas alternativas se queremos ir agora. Não tem muita lógica, nem temos como bancar essa escala. Entre a gente, brincamos que promoveram um voo desumanitário, porque de humanitário não tem nada”, disse o enfermeiro. “O dinheiro está se esgotando. Você tem gastos e ainda tem que guardar o dinheiro do teste para poder viajar. Tenho que ter pelo menos 100 euros no bolso e não posso mexer neles”.

Segundo o Itamaraty, cerca de 400 brasileiros procuraram os consulados em Portugal relatando problemas ocasionados pela suspensão dos voos. Questionado, o órgão afirmou que “seguirá dialogando com as autoridades portuguesas para explorar alternativas que atendam aos brasileiros com dificuldades de retornar”.

Disse ainda que o “foco da assistência consular tem recaído principalmente sobre casos mais graves e urgentes” e que “os consulados dispõem de levantamento de entidades de acolhimento parceiras, seja para alojamento, seja para refeições, e poderão indicá-las aos interessados, sempre que for o caso”.

A Associação Brasileira de Portugal (ABP) já se movimenta para abrigar a partir deste fim de semana brasileiros que passam necessidades em razão da retenção no país. Em média, a associação tem recebido entre três a quatro chamados diários por algum tipo de apoio. Sem fins lucrativos, a instituição é aberta a doações.

“Se o governo brasileiro não resolver dar nenhum apoio à comunidade brasileira, vou abrir as portas da associação para receber todos aqui. Se continuarem na rua, sem ter apoio nenhum, vou abrir as portas e dar o que precisam, que é abrigo e comida”, afirmou o empresário Ricardo Pessoa, presidente da ABP.

CAMINHO INVERSO

No pequeno município paranaense de Guaraniaçu, Sheila Dias, de 40 anos, vive situação oposta. Moradora de Lisboa há cinco anos, a brasileira aguarda para regressar a Portugal e retomar o seu trabalho em um supermercado da capital do país europeu. Após planejamento minucioso para passar um mês no Brasil, teve o voo transferido do dia 10 de fevereiro para 15 de março, embora não esteja confirmado por conta da extensão do decreto português.

Desde que migrou à Europa, Sheila se organizava para visitar a família. Nos primeiros anos, correu atrás de documentos para se legalizar. Depois, conseguiu emprego com carteira assinada. E só após abrir mão das férias em 2020 conseguiu a oportunidade de voltar ao Brasil com a filha agora. Não esperava que o retorno a Portugal seria outra novela.

“Estou na casa do meu pai, só que o dinheiro acaba. Vim preparada para ficar um mês, não dois. Sem eu estar trabalhando, pelo que sei, não podem me mandar embora porque as faltas são justificadas. Mas eu não tenho pagamento enquanto estiver aqui. A única coisa que tenho em mãos é a passagem”, disse Sheila. “A companhia aérea não faz conexões na Europa, só faz voo direto a Lisboa. A única alternativa é esperar”.

A necessidade de apresentação do teste de Covid-19, que deve ser feito 72h antes do voo, é outra dificuldade. Sem a certeza de quando vai de fato embarcar, o gasto com o exame pode ser em vão. Além disso, o aeroporto internacional mais próximo a sua cidade está a mais de 400 km de distância, em Curitiba. “Não sabemos o que vai acontecer. Um ou dois dias antes do prazo, o ministro renova o decreto, e a gente fica como palhaço, com passagem sendo cancelada, cancelada, cancelada”.

Foto: divulgação

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