Em 11 de fevereiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deu nome à doença causada pelo novo coronavírus, que, na época, contaminara 43 mil pessoas e matara outras mil — até então, apenas uma dessas fora da China. Um ano depois, a Covid-19 (abreviação para “CoronaVirus Disease 2019”, “doença do coronavírus” em inglês) infectou mais de 107 milhões e causou 2,3 milhões de mortes em todo o globo, fora os impactos econômicos e sociais.
Nesses doze meses, o mundo conseguiu, através da ciência, um feito impressionante: em um curto prazo, desenvolveu-se uma vacina capaz de prevenir ou ao menos abrandar o desenvolvimento da Covid-19 em pacientes que têm contato com o novo coronavírus. “A gente imaginava que a vacina demoraria muito mais, e agora, estamos caminhando para ver o impacto da vacinação”, afirma, à CNN, o médico infectologista Marcelo Otsuka.
No Brasil, duas vacinas já foram aprovadas para uso emergencial: a Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica Sinovac e utilizada no país em parceria com o Instituto Butantan; e a vacina de Oxford, da AstraZeneca, no país em associação com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ao redor do mundo, outras fórmulas foram desenvolvidas e estão sendo utilizadas. A vacina da Pfizer e da BioNTech, uma das primerias aprovadas no mundo, já foi apresentada à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em um pedido de registro definitivo e aguarda uma resposta das autoridades sanitárias brasileiras.
Variantes
Nos últimos meses, surgiu também um desafio à vacina como solução final para a pandemia. Um não, mas vários: as chamadas “variantes” do novo coronavírus, linhagens mais ou menos diferentes da cepa original do vírus, em um processo com efeitos ainda desconhecidos. Em entrevista à CNN, o infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), vê o início da imunização com esperança, mas diz que esse não é, ainda, o fim da pandemia.
“Temos que lembrar que os vírus são extremamente adaptáveis”, disse. “As variações que estão aparecendo mostram que o vírus está mudando e isso é um perigo para as vacinas. Vamos ter que aprender a correr atrás do prejuízo, fazer com que as vacinas sejam eficazes contra várias cepas, como as vacinas da Influenza”. “A vacina não é a resposta final porque ainda estamos lidando com um vírus que não conhecemos direito e que está apresentando mutações que podem resultar na perda de eficácia da vacina. Enquanto não entendemos isso, não podemos decretar que a vacina é o fim da pandemia”, continuou.
Sem tratamento milagroso
Os especialistas ouvidos pela CNN também citaram que, desde o início da pandemia, muitos medicamentos sem eficácia comprovada foram apontados para o tratamento da doença. Eles acreditam que esse discurso esteja perdendo força. “A gente viveu uma fase de absurdo obscurantismo na medicina, com a prescrição de vários medicamentos que não mostraram eficácia”, disse. “Apesar de muitos defenderem e usarem [esses remédios], acho que os médicos estão superando esse paradigma”, disse Barbosa, da Unesp. “A ideia do ‘tratamento precoce’ está sendo abandonada, acredito que haja consenso que não tem um antiviral. No início, o uso era muito mais indiscriminado”, argumenta Júlio Croda, infectologista e pesquisador da Fiocruz. “Hoje, conseguimos tratar melhor os pacientes e lidar melhor com a doença”.
Mais do que uma doença respiratória
Para além dos números, o entendimento sobre a doença também evoluiu rapidamente. “Muitas coisas mudaram desde o início da pandemia. Descobrimos que a Covid não é só uma doença respiratória, mas sistêmica”, disse Alexandre Naime Barbosa, da Unesp. “Ela tem, principalmente, sintomas respiratórios, mas pode ter efeitos desastrosos no sistema nervoso central, causar alterações cardiológicas e gastrointestinais”, explica o professor. Essa característica também foi ressaltada pelo infectologista Marcelo Otsuka.
“A gente não entendia a extensão da doença em outros órgãos além do pulmão, como os rins e o sistema nervoso. Hoje a gente observa que o vírus tem capacidade de provocar sequelas até em quem tem manifestações mais leves, como alterações cognitivas e relacionadas ao olfato e paladar”, afirmou. Junto com essa compreensão, também mudaram as orientações para prevenção do contágio. “Todo mundo deu prioridade, inicialmente, ao álcool em gel, antes do uso da máscara”, relembra Barbosa. “Hoje temos o conhecimento de que a transmissão acontece principalmente por gotículas, usar a máscara é mais importante do que lavar as mãos. A transmissão por contato pode acontecer, mas não é a forma mais comum”.
Júlio Croda, infectologista e pesquisador da Fiocruz, também destacou esse ponto. “No início da pandemia, foi bastante difundido que só profissionais de saúde tinham que usar a máscara. Nesse último ano, isso mudou bastante”, disse. “O uso da máscara foi incorporado ao nosso hábito social, inclusive agora de máscaras com maior barreira”.
O médico também lembra outra suposição que o tempo desbancou. “Tinham muitos questionamentos se os países tropicais teriam a doença por causa do clima, que o impacto seria mais severo em países mais frios. Mas o vírus provou que não respeita muito essa questão de clima, quente e frio, úmido ou seco. O contato e as medidas preventivas são o que afetam a transmissão”.
Avanços da ciência
Os médicos disseram que a pandemia gerou, indiretamente, alguns benefícios. Júlio Croda, pesquisador da Fiocruz, ressalta que a Covid-19 permitiu com que uma plataforma inédita de vacinas fosse usada, a que se baseia em RNA mensageiro —presente nas vacinas da Pfizer e Moderna, duas das mais eficazes na proteção contra a doença. “O aumento de leitos de terapia intensiva também foi um ganho importante. Temos hoje uma infraestrutura melhor, não só de capacidade, mas também de testes e diagnósticos. Esses são alguns ganhos secundários que irão permanecer”, disse. Para Barbosa, o ganho principal foi a percepção geral da importância da ciência. “Tivemos previsões que não se basearam em nada sólido e se mostraram desastrosas. Essa pandemia nos ensina a ser mais humildes e a escutar mais a ciência para termos ferramentas rápidas e efetivas que mudem o curso de uma pandemia. Isso fica de lição”.
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