Mês habitual para o retorno às aulas, fevereiro começa cercado de incertezas sobre a volta de alunos, professores e outros profissionais às escolas. Desde a suspensão das aulas presenciais, em março do ano passado, as atividades de ensino na Bahia, e em todo o país, passaram a ocorrer principalmente de forma remota e não há data certa para voltar ao modelo tradicional. Essa é a realidade vivenciada pela professora de história Heloísa Monteiro, 51 anos, que começou a ministrar aulas online na segunda semana após a suspensão das atividades presenciais. Com mais de 30 anos de atuação na área, 26 deles no Isba, que está encerrando suas atividades, ela confessa estar ansiosa pelo retorno à sala de aula, mas só se sentirá segura para tal quando as autoridades de saúde considerarem propício.
“É óbvio que nós entendemos, pelo menos eu, que esta certeza 100% não existe, em nenhum momento e em nenhum período da história”, ressalta Heloísa, que leciona para turmas do Ensino Médio. Na sua avaliação, as aulas online são indispensáveis para a manutenção dos vínculos dos estudantes com professores e a instituição, mas não dão conta de todos os aspectos. “Uma das dificuldades é no sentido de você perder a dimensão da aprendizagem. O tête-à-tête na sala de aula é importantíssimo, o olhar do aluno, o cansaço dele, o sono dele, tudo isso são parâmetros importantíssimos da relação de ensino e aprendizagem”, defende.
Desde o início das aulas remotas, a sala do apartamento onde Heloísa mora com a mãe foi transformada em seu local de trabalho, alterando totalmente a rotina do lar. Com o final das férias, ela logo iniciará as atividades em outro colégio particular, então preferiu nem desmontar a estrutura. Ao longo dos meses, ela fez cursos, trocou informações com colegas, recebeu dicas dos alunos e considera que se adaptou bem, mas ainda sente falta de escrever no quadro enquanto explica os temas.
Atividades
As aulas em frente ao computador não fazem parte do cotidiano da professora da rede municipal Danielli Mattos, 40, durante a pandemia. Seus alunos não têm aulas online, apenas recebem atividades impressas para realizar em casa. Os pais pegam o material na escola e devolvem as questões feitas depois, então após uma espera para evitar contaminação por manipulação dos papéis, os professores levam os exercícios para corrigir em casa.
Antes mesmo da pandemia, a preparação do trabalho em sala ocupava parte das suas horas em casa, mas agora esse é seu trabalho central, além de estar disponível para reuniões e treinamentos no turno matutino, no qual cumpre suas 20 horas semanais. Em períodos normais, suas manhãs eram passadas na escola, entre a sala de aula e AC (Atividades Complementares), como é chamada a carga horária destinada à preparação e avaliação do trabalho didático.
Para Danielli, o desafio principal é conciliar o trabalho em casa com a presença dos dois filhos, uma menina de três anos e um menino de 11. Sem a pandemia, ela deixava os meninos na escola deles antes de ir para o trabalho, mas as aulas deles também foram suspensas. O mais velho passou o ano com ensino remoto, mas a caçula não se adaptou a esse formato. “Tenho muita saudade da minha rotina, por mais que seja pesada, porque às vezes você está com muitas crianças em sala sozinha. E acredito que as crianças também estejam sentindo muita falta dessa rotina”, avalia Danielli.
Ela considera que o período irritadiço atravessado pelo filho após alguns meses sem encontrar os colegas e vivenciar a escola são um indicativo de como seus alunos devem estar se sentindo. Danielli acredita que nenhum modelo à distância supre todas as necessidades de acompanhamento do processo de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos. No entanto, considerando a estrutura variável das escolas, ela afirma que apenas a vacinação fornecerá a segurança necessária para o retorno às salas de aula.
No próximo dia 8, deve ser definida uma data para o retorno das aulas na rede municipal de Salvador, estima o secretário de Educação do Município, Marcelo Oliveira. “A gente está só aguardando uma sinalização das secretarias de saúde de que Salvador reúne as condições sanitárias para fazer esse retorno”, afirma. O secretário diz que as escolas já passaram pelas adaptações necessárias para a garantia de distanciamento e está em andamento o treinamento dos profissionais quanto aos protocolos. A proposta é que o retorno seja feito em formato híbrido, conciliando aulas presenciais e online, até para garantir a quantidade reduzida de alunos.
Oliveira conta que a intenção é que as secretarias definam a retomada das aulas presenciais de forma coordenada, com o retorno simultâneo nas redes municipal, estadual e particular de ensino. Esse objetivo também é apontado pelo secretário de Educação do Estado, Jerônimo Rodrigues, que não estimou uma data para que esse retorno seja anunciado. Rodrigues lembra que havia uma previsão para retomada após as eleições, mas o aumento das taxas de infecção, além do crescimento do número diário de novos casos e óbitos, impossibilitaram a volta das atividades. Dessa forma, a redução dos números é a condição central para que as escolas voltem a funcionar.
Caso a Bahia consiga fazer a compra da vacina Sputnik V, a expectativa do secretário é que a imunização dos profissionais da educação seja antecipada, mas ressalta que as aulas presenciais não estão condicionadas à vacina. Ele diz não ser possível mudar a ordem de prioridade das vacinas encaminhadas pelo Ministério da Saúde, dentro do Plano Nacional de Imunização, que inclui professores na fase 4. Para o coordenador da APLB Sindicato, Rui Oliveira, não existem protocolos capazes de oferecer biossegurança para que professores e outros profissionais possam voltar às escolas. Para ele, apenas a vacinação dessas categorias possibilita a retomada das atividades presenciais, prevendo greve caso o poder público tome uma decisão diferente.
A posição da APLB é compartilhada pelo Sindicato dos Professores no Estado da Bahia (Sinpro), que reúne os profissionais da rede particular. A diretora Cristina Souto lembra que os professores podem, inclusive, ser vetores de transmissão, pois normalmente trabalham em duas ou mais escolas ao longo da semana.
O diretor financeiro do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino da Bahia (Sinepe-BA), Jorge Tadeu Coelho, diz não compreender a falta de previsão para o retorno às aulas no estado. Citando levantamento divulgado na mídia, no início da semana passada, ele diz que somente a Bahia e outros dois estados ainda não definiram um mês para a retomada. De acordo com Coelho, a indefinição está provocando a demissão de professores e brevemente levará ao fechamento de escolas de menor porte.
Ele conta que nas escolas de educação infantil, cerca de 70% dos alunos ainda não foram matriculados em 2021. “Na rede particular, a forma de financiamento da educação é a mensalidade, então se eu não tenho aluno, não tenho mensalidade, não tenho como pagar professor”, justifica. O diretor do Sinepe lembra que a Medida Provisória 936, que criou um benefício emergencial para preservar empregos, ajudou a pagar as folhas até dezembro, mas não foi prorrogada para este ano. Coelho diz que as escolas estão prontas para o retorno e afirma haver previsão de professores dos grupos de risco serem mantidos em trabalho remoto.
As preocupações expressas por Coelho são compartilhadas por Wilson Abdon, porta-voz do Grupo de Valorização da Educação, que reúne mais de 60 escolas particulares. Abdon acrescenta a importância desse retorno acontecer de forma gradual, preferencialmente começando com um rodízio de turmas. Na sua avaliação, as escolas oferecem mais segurança do que os locais de compras e lazer que têm sido mantidos abertos.
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