Para fabricar as vacinas aqui no Brasil, tanto o Instituto Butantan, quanto a Fiocruz precisam de um ingrediente que vem de muito longe: da China. Um país que o presidente Bolsonaro, filhos dele e ministros atacaram de várias formas desde o início da pandemia. IFA é a sigla para “ingrediente farmacêutico ativo”. Em outras palavras, a matéria-prima para a fabricação das vacinas. E um dos maiores fabricantes de IFA no mundo é a China. É de lá que virão os insumos para que a Fiocruz e o Butantan possam fabricar aqui mesmo, no Brasil, a vacina de Oxford/AstraZeneca e a da CoronaVac.
Pelos acordos assinados, tanto o Butantan quanto a Fiocruz recebem doses prontas no primeiro momento. Depois, chega o IFA para começar a produção no Brasil, estágio já alcançado pelo instituto paulista. E, por fim, a transferência de tecnologia para fabricação nacional do insumo. Só assim, o Brasil terá autonomia na produção das vacinas.
Neste domingo (17), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a afirmar que os chineses estavam atrasando a entrega da matéria-prima: “A China tem colocado barreiras para fazer autorização de cumprimento deste… Não tem dado celeridade – o termo correto – aos documentos de exportação necessários para que o IFA saia e venha para o Brasil. Estamos fazendo movimentos fortes, no nível diplomático, para encontrar onde está essa resistência e resolver o problema”.
No Butantan, a matéria-prima acabou. O segundo carregamento de IFA está parado na China. Segundo Dimas Covas, o instituto tem capacidade de produzir um milhão de doses por dia. Em entrevista nesta segunda-feira (18) à Globo News ele ressaltou a importância da parceria com a China e disse que está negociando a liberação da matéria-prima.
“Estamos nessa expectativa, em contato constante com as autoridades chinesas, seja através da nossa embaixada da China no Brasil, seja através de nossos representantes lá na China e, enfim, da própria Sinovac. Existe uma certa dificuldade na liberação, mas esperamos que isso seja resolvido ainda esta semana. Com a demonstração da eficácia e o registro, o Brasil passa a ser o maior parceiro da Sinovac no mundo, e passa a ser também, neste momento, o maior parceiro da China, em termos de vacina”, disse Dimas Covas.
A Fiocruz também está à espera da liberação do IFA pelo governo chinês. “Não, o cronograma ainda não está furado porque o prazo de cronograma estabelecido pela Fiocruz é o recebimento do IFA ainda durante o mês de janeiro. Uma vez o IFA chegando, a linha de produção de BioManguinhos está completamente pronta. Absolutamente indispensável. Sem a matéria-prima da vacina, nós não podemos… De nada adianta ter o resto – envase, controle de qualidade, enfim, condensadores prontos -, se nós não tivermos a matéria-prima, que é o insumo farmacêutico ativo”, explica Margareth Dalcomo.
O Brasil depende da China para ampliar a produção nacional da vacina, mas foram muitos os ataques do governo brasileiro e da família Bolsonaro ao governo chinês. Em março de 2020, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), fez uma insinuação sobre o fato de o coronavírus ter aparecido primeiro na China. Postou em rede social: “Quem assistiu Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. Mais uma vez, uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas. A culpa é da China e liberdade seria a solução.”
Depois, ainda compartilhou postagens culpando o governo chinês pela pandemia. O embaixador da China no Brasil Yang Wanming repudiou as palavras do deputado também em uma rede social. O ex-ministro da educação, Abraham Weintraub, sugeriu, sem provas, que a China poderia se beneficiar da crise mundial causada pela Covid. Usou o jeito de falar do personagem ‘Cebolinha’ da Turma da Mônica, que troca o ‘L’ pelo ‘R’ para ironizar o sotaque chinês. Depois da reação negativa da embaixada chinesa, ele apagou as postagem. Por causa disso, é alvo de um inquérito na Justiça Federal pelo crime de racismo.
Em outubro, em entrevista, o presidente Jair Bolsonaro disse que faltava credibilidade à CoronaVac, vacina produzida na China. Ele disse: “A da China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como dizem, esse vírus teria nascido lá.”. Em novembro, Eduardo Bolsonaro provocou a China novamente, desta vez, sobre as negociações para rede 5G de internet móvel. A embaixada da China respondeu dizendo que, se o deputado e outras personalidades não parassem de produzir declarações infames, teriam que arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China/Brasil.
Na época, o Itamaraty não reprovou as declarações de Eduardo Bolsonaro. O ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, inclusive, enviou uma carta à embaixada da China reclamando do que considerou um conteúdo ‘ofensivo e desrespeitoso’ da resposta dada ao deputado. Nesta segunda-feira (18), em entrevista coletiva, o governador de São Paulo, João Doria, criticou o tom adotado pelo governo Bolsonaro em relação à China. Lembrou que o Brasil depende do país para conseguir produzir as duas únicas vacinas autorizadas pela Anvisa.
“Se o presidente Jair Bolsonaro parar de falar mal da China e seus filhos pararem de falar mal da China, isso já ajuda bastante. Pois, os insumos da vacina da AstraZeneca são produzidos na China. Os insumos da vacina do Butantan são produzidos na China. E são as duas únicas vacinas aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. Pelo menos se não atrapalhar, já é uma ajuda”. O Jornal Nacional procurou a embaixada da China e o Palácio do Planalto, mas teve resposta.
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