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FEIRA VIVE PIOR FASE DA PANDEMIA E SUPERA O PICO DE JULHO

Redação - 28/12/2020 09:00 - Atualizado 28/12/2020

Depois dos plantões no Hospital de Campanha de Feira de Santana, o diretor médico da unidade, Francisco Mota, percorre 4 quilômetros até chegar em casa. Deixa para trás um hospital que trabalha quase sempre no limite, mas encontra, no percurso, um revoada de gente em bares e restaurantes. “Estamos ocupados praticamente o tempo inteiro”, conta o médico sobre a situação vivida pela cidade nas últimas três semanas, considerada a mais grave desde o início da pandemia do coronavírus pelos profissionais de saúde locais.

Em dezembro, os hospitais – públicos e privados – de Feira de Santana, a 115 quilômetros de Salvador, trabalham com ocupação entre 85% e 100%. Nunca abaixo disso. Já foram 3.417 casos, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, o que resulta numa média de 1.139 casos semanais. No boletim diário da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab), constam 3.354 casos em dezembro, pois ainda há testes à espera de resultado no Laboratório Central de Saúde Pública.

Foi o recorde semanal desde o início da pandemia. Cinco meses antes, em julho, quando se acreditava que Feira vivia o pico da pandemia, eram 809 notificações semanais, em média. A cidade registrou o primeiro caso de coronavírus do Norte e Nordeste no dia 8 de março. Feira de Santana tem, hoje, 63 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). São 18 no Hospital de Campanha, onde trabalha Francisco, 40 no Clériston Andrade, e cinco no Hospital Estadual da Criança. Deles, 86% estão ocupados. Em Salvador, a ocupação de leitos de UTI está em 78% e foram 2,4 mil casos por semana, em dezembro, o dobro do notificado em Feira.

A capital baiana tem 3,6 milhões de habitantes, estima o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), seis vezes mais que Feira. Em toda Bahia, a ocupação média é de 77%, com 19,7 mil notificações semanais de covid-19 neste mês. Em julho, os leitos do Hospital de Campanha foram ampliados de 10 para 18. Como o fluxo de pacientes caiu, os leitos extras foram desativados. No final de novembro, depois das eleições municipais, Francisco recebeu a ordem de reativá-los. Os pacientes, notava-se, voltavam em maior volume, como em julho, com sintomas de infecção pelo novo vírus.

A espera para conseguir atendimento pode chegar até 12 horas nas unidades de saúde de Feira, e os médicos, sem escolha, precisam, em alguns casos, decidir quais pacientes entram e saem da UTI. A decisão não depende exclusivamente da necessidade, como deveria ser, mas da disponibilidade. “Não é um fenômeno de Feira de Santana, claro. Mas a situação é de trabalhar no limite. Está fora do controle”, frisa Francisco. “E não vamos conseguir abrir novos leitos de UTI de uma hora para outra aqui [no Hospital de Campanha]”, explica. Para isso, seriam necessários entre 15 e 20 dias para expansão de estrutura e contratação de pessoal.

Aumento na curva

“Eu estou notando aqui na sala de projeção que o aumento na curva começou, em Feira de Santana, no dia 5 de novembro”, compartilha o médico e neurocientista Miguel Nicolelis, um dos coordenadores do comitê científico do Consórcio Nordeste, que reúne informações sobre a covid-19 para orientar estados e municípios nordestinos. Nicolelis, que já foi considerado um dos 20 pesquisadores mais importantes de sua área pela revista estadunidense Scientific American, enxerga erros e reflexos das próprias características de Feira.

O primeiro, nas palavras de Nicolelis, foi “resultado de políticas que não foram sincronizadas”. O segundo, como consequência dessa falta de sincronização, foi a oscilação entre fechamentos e aberturas do comércio e dos bares. Além disso, o mês iniciou depois de campanhas eleitorais que inauguraram um novo ciclo de contaminações, segundo Nicolelis. “Lembro de estar numa entrevista, porque o prefeito de Feira queria reabrir as coisas e eu afirmava que ia ter uma explosão de casos se abrisse. Isso é reflexo da falta de políticas consistentes que levem em consideração em primeiro plano os riscos de infecção”, avalia.

O comércio do município chegou a ficar fechado em março e julho, mas a reabertura veio logo em seguida. Aglomerações em botecos se tornaram cada vez mais comuns. O prefeito de Feira, Colbert Martins (MDB), que também é médico e professor de Epidemiologia da Universidade Estadual do município (Uefs), nega qualquer “erro” que justifique o momento atual. Na quarta (23), ele participou de uma reunião para pensar novas medidas restritivas contra o avanço do vírus (confira abaixo). “Não vejo erro de Feira de Santana. Ao invés de fecharmos tudo, Salvador fechou tudo, flexibilizamos e acertamos. Abrir e fechar é mais eficaz do que fechar, porque existem os problemas econômicos também”, defende Colbert, que vê uma situação “mais grave, pior não sei”, ao contrapor número de casos mais elevados com quantidade de óbitos.

As medidas restritivas planejadas pela prefeitura preveem a ampliação das fiscalizações e reduzir o horário de funcionamento dos estabelecimentos, entre bares e restaurantes. Ficaram estabelecidas regras como o encerramento das atividades de estabelecimentos como bares, restaurantes, lanchonetes e lojas de conveniência às 21h e a proibição de mais de quatro pessoas em uma mesa. Lockdown não está nos planos. Os bares, por outro lado, podem voltar a ser fechados, pois são uma das principais armadilhas para a população e um dos paraísos do vírus – pessoas aglomeradas, falando alto e trocando fluidos, como gotículas de saliva no ar. O prefeito Colbert pede que sejam evitados encontros para a virada do ano.

Para entender como Feira chegou até aqui é preciso, ainda, enxergar outros fatores. Dezembro é, tradicionalmente, mês de viagens e reuniões entre familiares que moram na capital com os do interior, complementa Nicolelis, o neurocientista do Consórcio Nordeste. É mês de pegar a estrada para o reencontro e também de comprar presentes. E Feira de Santana é tanto o maior entroncamento rodoviário do Norte e Nordeste, quanto um forte polo comercial no estado.

Número de casos pode quase dobrar em um mês

Desde o início do mês, especialistas alertam sobre uma segunda onda da pandemia de covid-19 no Brasil. No dia 22 de dezembro, o país registrou 963 mortes por covid, o valor mais alto desde 17 de setembro, quando 779 pessoas morreram vítimas do coronavírus. A tendência se repete nos estados e cidades brasileiros. Hoje, o comitê científico do Consórcio Nordeste tem voltado a atenção, no que diz respeito a interiores baianos, a Feira de Santana, Brumado, Itaberaba, Itabuna, Jequié e Vitoria da Conquista. A preocupação direcionada a Feira de Santana é potencializada pela localização da cidade e a falta de UTIs para atender a demanda, que só cresce.

“O que acontece é que por mais que estejamos mostrando os fatos, a responsabilidade individual não é uma realidade. Não temos leitos disponíveis, quem adoecer, não vai ter leito”, conta Melissa Falcão, infectologista que coordena o Comitê Gestor Municipal de Controle ao Coronavírus em Feira. Mesmo a rede privada enfrenta desafios em Feira. Há pacientes que esperam, em leitos na emergência, de dois a três dias, por uma vaga na UTI. No horizonte, não há nenhuma previsão de abertura de novos leitos na cidade. O que se tem é um temor quanto as consequências das festas natalinas e de Réveillon. Caso o crescimento permaneça o mesmo, calculou Miguel Nicolelis, do comitê científico do Consorcio Nordeste, em um mês os casos podem saltar de 22.437 mil para 35 mil no município.

Quando completa o percurso até em casa, Francisco, o diretor do hospital de campanha, não consegue se desligar dos números e das histórias que, diariamente, se repetem – a idosa isolada que foi contaminada por um parente, a jovem que evoluiu para estado grave, a filha que foi para o bar e levou o vírus para casa. Na véspera do Natal, Francisco não reuniu a família, mas não foi o que viu na vizinhança do bairro onde mora. “Eu tenho que passar tranquilidade, mas a palavra que me define é ‘angustiado’”.

Até esse domingo (27), a cidade registrava 387 mortes e 22.450 casos confirmados da doença.

Confira as medidas adotadas pela prefeitura:

– Aumento do número de realizações de exames, mesmo das pessoas assintomáticas

– Fechamento de bares, restaurantes, lanchonetes e lojas de conveniência às 21h

– Aumento da fiscalização

– Horário do comércio foi estendido para até 22h, para evitar aglomeração em espaços.

– Proibição de bebidas alcoólicas em espaços públicos

– Proibição de shows e apresentações musicais e de transmissão de jogos de futebol

– Proibição de mais de quatro pessoas em uma mesma mesa

– Utilização de 50% da área total de um espaço

– Estabelecimentos são obrigados a manter os protocolos sanitários, como disponibilizar álcool a 70%, sabão e papel toalha para clientes e funcionários.

 

Foto: divulgação

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