Em um ano marcado pela crise financeira gerada pela pandemia da covid-19, cerca de 40% dos prefeitos baianos deixarão dívidas para serem assumidas pela próxima gestão, entre 2021 e 2024. Isso é o que aponta a pesquisa ‘O Pagamento do 13º Salário pelos Municípios Brasileiros em 2020’, realizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) entre os dias 16 de novembro e 11 de dezembro deste ano.
No total, 102 das 275 cidades entrevistadas disseram que não vão ou não sabem se vão conseguir fechar as contas em 2020. Outros 162 municípios afirmaram que conseguirão gastar menos do que arrecadam, enquanto 11 prefeituras sequer responderam ao questionamento – as demais 144, do total de 417 no estado, não foram consultadas. Se a situação parece alarmante, saiba que o percentual já foi pior. Em 2019, foram 63,3% das cidades que admitiram que iam deixar contas a pagar em 2020.
Essa queda de municípios devedores entre 2019 e 2020 é explicada pela rigorosidade na legislação de Responsabilidade Fiscal em não permitir que o gestor em final de mandato deixe obrigações a vencer ou a pagar sem que seja deixada uma contrapartida financeira. Ou seja, se o prefeito fizer uma dívida para a próxima gestão, ele tem que deixar o dinheiro que vai pagar o débito. Segundo a União dos Municípios da Bahia (UPB), 232 cidades terão novos prefeitos em 2021.
“Historicamente, as prefeituras descumprem mesmo essa regra e o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) acaba atuando, rejeitando as contas daquele ano. No final de gestão, posso afirmar que esse é o ponto majoritário de rejeição de contas”, relata o conselheiro substituto Ronaldo Nascimento de Sant’Anna. Os gastos das prefeituras no ano de 2020 só serão julgados pelos sete conselheiros do TCM em 2021.
Até a manhã de terça-feira (22), eles já tinham julgado 268 contas de 2019, com 78 reprovações (confira ao lado) e 190 aprovações com ressalvas. “Para as contas de 2020, nós esperamos um número de rejeição maior do que obtivemos em 2019, justamente por ser final de mandato. A pandemia também pode contribuir para que ultrapassem os gastos, mas se os gestores comprovarem que tal dívida tenha mesmo relação com a questão da saúde pública, ele não deve ser penalizado”, explica Ronaldo.
Eduardo Stranz, consultor técnico da CNM, explicou que, quando uma gestão tem sua conta rejeitada, podem ser geradas punições para o município e o próprio gestor. “Após o parecer do TCM, as contas são julgadas pela Câmara de Vereadores. Se as contas permanecerem rejeitadas, então o gestor pode perder os direitos políticos e o Ministério Público de Contas entra com um processo de improbidade administrativa”, aponta.
Dados
Na vida prática de um município, não fechar as contas pode representar muita dor de cabeça para a população. “É igual ao nosso salário. Quando nós gastamos mais do que recebemos, criamos uma dívida para o próximo mês e isso diminui a nossa capacidade de gastar. Uma hora a dívida terá que ser paga para as coisas voltarem ao normal”, explica Stranz.
Segundo a pesquisa, por exemplo, 34,2% dos municípios baianos estão com atraso no pagamento dos fornecedores. Em compensação, apenas 5% das cidades disseram não conseguir pagar o salário dos servidores em dia. Mas, cerca de 10% das prefeituras baianas afirmaram que vão atrasar o pagamento do 13º salário. Esse pagamento obrigatório deveria ter sido feito, por lei, até o dia 20 de dezembro.
Salvador no azul
Em Salvador, o prefeito ACM Neto (DEM) vai encerrar sua gestão com R$ 1,6 bilhão em caixa para o próximo prefeito. Ao apresentar o balanço fiscal, ele lembrou que, no final de 2012, antes de assumir o cargo, o município tinha saldo negativo de R$ 77 milhões. Inclusive, o próprio Neto teve as suas contas aprovadas pelo TCM em todas as oportunidades que elas foram julgadas. Já o antecessor, João Henrique, teve as contas rejeitadas pelo TCM em todos os quatro anos do seu segundo mandato, entre 2009 e 2012. Foram as únicas vezes que a prefeitura da capital baiana viveu esse cenário negativo desde 1990.
A pouco mais de 100 km de Salvador, 85 estudantes universitários de Santa Terezinha vivem uma apreensão gerada pelo fechamento das contas do atual prefeito Zé de Zila (PP). É que, desde setembro, eles não recebem a bolsa de R$ 200 do Programa Municipal de Auxílio ao Estudante (PAE), que ajuda os alunos da cidade matriculados em universidades públicas a concluírem o ensino superior.
“Desde setembro ele dizia que ia quitar as bolsas, mas como não foi reeleito, parou de retornar os contatos. Estamos com medo de não vermos esse dinheiro, pois vai entrar uma outra gestão e a gente não sabe se há garantia de que eles vão pagar. Podem dizer que a culpa foi do atual prefeito. E, enquanto isso, nossas dívidas aumentam, temos casas alugadas”, explica Alfredo Plínio, 23 anos, estudante de engenharia elétrica da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
O consultor técnico da CNM explicou que, se tem uma lei municipal dando essa bolsa e caso a prefeitura não pague até o final de 2020, os valores vão entrar como dívida para a próxima gestão, que vai ter que pagar. “O débito não é do prefeito e sim do município. Se está aprovado em lei, tem que ser resolvido”, aponta Stranz. O Jornal Correio da Bahia entrou em contato com Zé de Zila, que não deu retorno até o fechamento da reportagem. Segundo o TCM, em 2019, Santa Terezinha teve receita total de mais de R$ 29 milhões e gastou R$ 12,3 milhões com despesas em saúde e educação.
Lista das 78 cidades que tiveram as contas de 2019 rejeitadas pelo TCM: