Em 2 anos de governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda não conseguiu cumprir boa parte das suas promessas de campanha. Em meio às dificuldades para aplicar sua agenda liberal e aos impactos provocados pela pandemia do novo coronavírus, muitos dos planos defendidos como prioridade pelo ministro foram adiados e viraram agora promessa para 2021 e 2022. Os atrasos e a frustração com o ritmo de implementação das promessas de campanha levaram ao que Guedes chamou de “debandada” no ministério, após a saída dos secretários especiais de Desestatização, Salim Mattar, e de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel. Desde 2019, sete já deixaram a equipe econômica.
Entre as principais propostas ainda distantes de se tornar realidade estão arrecadar R$ 1 trilhão com a privatização de estatais, zerar o déficit primário e implementar uma ampla agenda de reformas estruturais, incluindo a tributária e a administrativa. Guedes segue reafirmando, porém, a defesa do teto de gastos (regra que não permite o crescimento das despesas acima da inflação do ano anterior) e prometendo que o governo irá avançar com a agenda de reformas no Congresso. Relembre algumas das promessas e propostas do ministro, os desdobramentos ao longo do ano e a situação atual:
Privatizações
Em novembro, Guedes admitiu estar “bastante frustrado” por ainda não ter conseguido concluir nenhuma privatização ou venda de empresa pública de controle direto da União. Na ocasião, ele afirmou que “acordos políticos” no Congresso têm impedido as privatizações. Quando assumiu o cargo, o ministro estimou que a privatização das estatais poderia render mais de R$ 1 trilhão para os cofres públicos – valor considerado superestimado pelos analistas.
Para 2020, Guedes pretendia fazer quatro grandes privatizações: Eletrobras, Correios, Porto de Santos e Pré-Sal Petróleo S.A. Em agosto, afirmou que o governo anunciaria “três ou quatro grandes privatizações” em até dois meses. Passados quase 2 anos de governo, porém, nenhuma estatal foi ainda a leilão. Em setembro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que a Casa da Moeda não será privatizada no seu governo e afastou novamente a possibilidade de vender o controle do Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
A nova meta de Guedes agora é realizar 9 privatizações em 2021, entre as quais Correios e Eletrobras, que dependem de aval do Congresso. No dia 11 de dezembro, o Ministério da Economia anunciou um programa para acelerar a venda de imóveis da União e tentar levantar R$ 110 bilhões até 2022. No início do ano, Guedes havia dito que o governo poderia vender R$ 1 trilhão em imóveis para abater dívida. Guedes defende a desestatização como medida para baixar a dívida pública e, com isso, economizar no pagamento de juros, que somam de R$ 300 bilhões a R$ 400 bilhões por ano. O ministro estima que o Brasil possui atualmente cerca de R$ 2 trilhões em ativos, considerando R$ 700 bilhões em empresas estatais e R$ 1,2 trilhão em imóveis.
Reforma tributária
Em setembro do ano passado, Guedes disse que esperava que a reforma tributária fosse aprovada até o fim de 2019. Em 12 fevereiro de 2020, o ministro afirmou que o governo encaminharia em até duas semanas uma proposta de reforma tributária ao Congresso Nacional. A primeira parte da proposta de reforma tributária do governo foi encaminhada somente no final de julho. Já a a segunda etapa da proposta para simplificar impostos ainda aguarda entendimento entre a equipe econômica e o presidente Jair Bolsonaro para ser apresentada.
A demora na apresentação das propostas de reformas foi alvo de críticas. O PSDB, por exemplo, divulgou uma carta aberta chamando Guedes de ministro do “semana que vem nós vamos” e de “ministro de uma semana que nunca chega”. No texto da parte já encaminhada no Congresso, o governo propôs a unificação do PIS e Cofins em um imposto único chamado Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), que teria uma alíquota única de 12% para empresas em geral. Guedes já afirmou, porém, que, caso se mostre “exagerada”, a alíquota de 12% poderá ser reduzida.
No começo de dezembro, Guedes culpou o “impasse político” causado pela disputa pela presidência da Câmara pela paralisação das discussões sobre a reforma tributária. A mais recente promessa do ministro na área foi feita no dia 9 de dezembro, quando afirmou que governo mandaria ainda neste ano “um sinal forte de reduzir subsídios e gastos tributários”. Guedes, porém, não especificou em que setores haveria esse corte. As renúncias tributárias (dinheiro que o governo deixa de arrecadar como forma de incentivo a alguns setores da economia) somam atualmente cerca de R$ 320 bilhões por ano.
Reforma administrativa
No dia 30 de janeiro, Guedes anunciou que a proposta de reforma administrativa seria encaminhada ao Congresso em “uma a duas semanas”. O texto que pretende mudar regras de contratação e progressão na carreira para futuros servidores foi apresentado apenas em setembro, e a proposta encaminhada foi mais branda do que Guedes pretendia, já que não afeta os que já ingressaram no funcionalismo.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) ainda não começou a tramitar na Câmara porque a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) segue paralisada para evitar aglomerações em meio à pandemia. Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) no final de novembro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), informou que, enquanto a Casa não retomar as deliberações presenciais, a reforma não deve tramitar.
Ainda não está claro, no entanto, o lugar que a reforma administrativa terá na fila de prioridades do Congresso e do governo. “Com esse impasse político, esse desentendimento político envolvendo a disputa da presidência da Câmara, a conversa está parcialmente interrompida”, afirmou Guedes no início de dezembro.
Déficit primário
A promessa que se mostrou mais difícil é a de deixar as contas do governo novamente no azul. Guedes tinha uma meta inicial de zerar o déficit público no primeiro ano do governo. O déficit primário ocorre quando as despesas superam as receitas. Nessa conta não são considerados os gastos do governo com o pagamento de juros da dívida pública. As contas do governo registram resultados negativos desde 2014. No ano passado, o déficit primário foi de R$ 95 bilhões. Em 2020, em meio ao “orçamento de guerra” para enfrentar os efeitos da pandemia, o rombo no acumulado no ano até outubro atingiu a marca recorde de R$ 681 bilhões, caminhando para o pior ano da série histórica, iniciada em 1997. Com a pandemia, o plano de deixar as contas no azul parece estar bem longe da realidade, segundo expectativa da própria equipe econômica.
Em novembro do ano passado, após a aprovação da reforma da Previdência, o governo federal encaminhou ao Congresso o chamado Plano mais Brasil com o objetivo de ajuste das contas públicas. As 3 Propostas de Emenda Constitucional (PEC do Pacto Federativo, PEC Emergencial e PEC dos Fundos Públicos) seguem também à espera de tramitação no Congresso e na dependência de uma entendimento entre Executivo e Legislativo para avançarem. Para 2021, o governo definiu uma meta fiscal com um rombo de até R$ 247,1 bilhões para o próximo ano.
Pelas projeções atuais do mercado, mantido as estimativas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e o cenário atual de incertezas, o Brasil só deverá voltar a registrar superávits a partir de 2026.
Criação de imposto digital
Outras propostas, como a da criação de um imposto sobre transações financeiras, continuaram sendo defendidas por Guedes ao longo do ano, mas ficaram mais no campo da vontade do que da promessa. No final de 2019, Guedes disse que o governo avaliava um tributo sobre transações digitais como forma de desonerar a folha de pagamentos de empresas e de buscar “tributos alternativos”. Em julho de 2020, o ministro afirmou que o governo pretendia incluir na reforma tributária a criação de um imposto de 0,2% sobre pagamentos ou comércio em meio eletrônico. A proposta foi rapidamente chamada por muitos como “nova CPMF” e passou a enfrentar forte resistência de parlamentares. Em 2 de agosto, Bolsonaro entrou no debate, afirmando que só haverá novo imposto se não houver aumento da carga tributária.
No fim de outubro, durante audiência pública no Congresso, o ministro voltou a defender a criação do imposto digital, apelidado por ele de “digitax”. Em seguida, declarou que o imposto estava “morto”. Em novembro, porém, Guedes voltou a citar o imposto sobre transações financeiras, afirmando que a equipe econômica não quer criar impostos, mas sim promover uma “substituição tributária”, ou seja, acabar com alguns tributos e adotar outros. Outra proposta polêmica defendida por Guedes, mas que ainda não foi apresentada oficialmente, é a da criação de um imposto seletivo sobre cigarros e bebidas alcoólicas, apelidado pelo ministro de imposto sobre o “pecado”.
Teto de gastos
Diante do ritmo fraco da economia e em meio às discussões em torno da criação de um novo programa social, a ala política do governo e integrantes da base de apoio de Bolsonaro no Congresso aumentaram as pressões para elevar investimentos públicos em 2021, e Guedes tem atuado dentro do governo para que a regra do teto de gastos seja respeitada. A regra do teto de gastos é um dos principais dispositivos de controle das despesas do governo e é considerado hoje a única âncora fiscal e garantia de que o controle da dívida pública será perseguido. O mecanismo criado em 2016 não permite o crescimento das despesas acima da inflação do ano anterior.
No dia 11 de agosto, o ministro disse que os auxiliares que aconselhavam o presidente Jair Bolsonaro a “furar” a regra do teto de gastos poderiam levar o presidente para uma “zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal”. Após notícias de que o ministro Rogério Marinho era um defensor da flexibilização da regra do teto, o ministro conseguiu que Bolsonaro se manifestasse publicamente a favor da regra e manifestasse o compromisso de que o governo respeitará o teto de gastos.
No dia 9 de dezembro, Guedes voltou a garantir que o teto de gastos será respeitado. A declaração foi dada após reação do mercado financeiro à divulgação de um suposto “relatório preliminar” da PEC Emergencial que excluiria da regra despesas financiadas com verba desvinculada de fundos públicos. Em meio a um Orçamento apertado para 2021 e uma agenda de reformas estruturais atrasada, tem sido recorrente entre os agentes econômicos a preocupação de que o governo adote medidas para flexibilizar ou furar seu teto de gastos.
No dia 12 de dezembro, o relator da PEC Emergencial, senador Marcio Bittar (MDB-AC) anunciou que não irá mais apresentar seu parecer sobre o texto neste ano. A PEC estabelece gatilhos para cumprimento do teto de gastos e é considerada a medida mais importante no curto prazo para ajustar as contas do governo e manter o teto de gastos.
Auxílio Emergencial e Renda Cidadã
A criação do Renda Cidadã, uma espécie de substituto do Bolsa Família, é visto pelo governo como uma medida para evitar o agravamento da pobreza no país, diante das consequências da crise da pandemia. Bolsonaro também quer que o novo programa funcione como uma continuidade do Auxílio Emergencial, que vem lhe rendendo aumento de popularidade, mas termina no fim do ano.
No dia 16 de outubro, Guedes afirmou que, se não encontrar espaço fiscal, o governo vai continuar com o Bolsa Família. Segundo o ministro, o novo programa tem que obedecer a regra do teto de gastos. Nesta reta final do ano, Guedes tem reafirmado que o governo não pretende estender o Auxílio Emergencial para além de 2020. Em setembro, o governo publicou uma medida provisória que prorrogou até dezembro o pagamento do auxílio emergencial. O valor das quatro últimas parcelas, no entanto, caiu de R$ 600 para R$ 300. No dia 12 de novembro, Guedes afirmou que, se houver uma “segunda onda” da Covid-19 — que, para ele, não está caracterizada — a prorrogação seria “uma certeza”.
Integrantes da ala política do governo passaram a defender a prorrogação do auxílio emergencial por dois ou três meses em 2021 em razão da indefinição a respeito da criação de um novo programa social. No dia 23 de novembro, Guedes disse que, “do ponto de vista do governo”, não existe prorrogação do auxílio emergencial, mas voltou a admitir a possibilidade na hipótese de um forte aumento no número de mortes por Covid-19.
“Evidente que há muita pressão política para isso acontecer. É evidente que tem muita gente falando em segunda onda, etc. e nós estamos preparados para reagir a qualquer evidência empírica. Se houver uma evidência empírica, o Brasil tiver de novo mil mortes, tiver uma segunda onda efetivamente, nós já sabemos como reagir, já sabemos os programas que funcionaram melhor”, afirmou.
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