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SALÁRIO BAIXO E ALTA INFORMALIDADE: A CARA DO EMPREGO DOS JOVENS

Redação - 14/12/2020 09:00 - Atualizado 14/12/2020

Em 2017, aos 21 anos, o sul-mato-grossense Enivaldo Cabral Garcia desembarcou na capital paulista para trabalhar e bancar seus estudos. Sozinho e sem experiência, teve de aceitar o que apareceu pela frente para conseguir entrar no mercado de trabalho. A esperança da carteira assinada deu lugar ao trabalho intermitente, sem estabilidade nem benefícios. Na época, o estudante de Direito arrumou alguns trabalhos em eventos, na área de limpeza, e ganhava por dia.

Aos poucos, ele conseguiu melhorar sua posição, saindo de auxiliar para supervisor. “Mesmo assim, meu salário era bem inferior aos dos colegas mais velhos que faziam o mesmo que eu. Mas, como precisava da renda, não reclamava.” Tempos mais tarde, conseguiu um estágio na defensoria pública e, depois, um trabalho num call center. Este último, no entanto, foi interrompido pela pandemia. Formado em 2019, Garcia aguarda novo calendário para prestar o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), buscar uma vaga na área e tentar melhorar suas condições de trabalho.

A trajetória de Enivaldo resume a cara do Brasil, onde mais de dois terços dos jovens (77,4%) têm emprego considerado de baixa qualidade. Ou seja, de cada dez trabalhadores com até 24 anos de idade, quase oito trabalham em situação vulnerável, segundo levantamento da consultoria IDados. Em números absolutos, isso significa perto de 7,7 milhões de pessoas. Na faixa etária entre 25 e 64 anos, o porcentual é de 39,6% e, acima de 65 anos, de 27,4%.

Para considerar se um emprego é de má qualidade ou não, foram analisados quatro aspectos do nível de ocupação no País: salário, estabilidade, rede de proteção (INSS, por exemplo) e condições de trabalho. Em todos esses pontos, o emprego dos jovens apresenta fragilidades, mas os piores são renda e estabilidade. Para cerca de 90%, a renda é inferior a 6 vezes uma cesta básica (varia de R$ 398 a R$ 539) e 75% têm menos de 36 meses de tempo de trabalho.

“No mundo todo, o jovem tem uma renda menor e maior dificuldade de se colocar no mercado. Mas, no Brasil, os porcentuais indicam uma qualidade do emprego pior por causa da maior rotatividade e da informalidade (no mundo, os porcentuais estão em torno de 60%)”, diz o economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e responsável pelo trabalho, baseado nos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC). Considerando a população total ocupada (não só os jovens), o Brasil tem níveis de qualidade do trabalho parecidos ao de países como Honduras (41,6%) e Nicarágua (43,3%) e bem pior do que Costa Rica (18,8%) e Panamá (29%).

De acordo com o estudo, em 2019, a qualidade do emprego do jovem atingiu o pico de 79,1% e recuou para 77,4% no segundo trimestre deste ano. Ottoni explica que a crise da covid distorce um pouco os indicadores e, por isso, eles apresentam melhora no período. O desempenho ocorre porque quem perdeu o emprego foi o trabalhador de renda mais baixa ou o informal. Os mais qualificados continuaram empregados. “Como a qualidade do emprego é calculada com base em quem está empregado, o indicador pode melhorar. Mas vai piorar assim que o trabalhador demitido voltar ao mercado de trabalho, provavelmente em ocupações piores.”

Uma das principais explicações para a baixa qualidade do trabalho dos jovens está na falta de experiência, menor nível de conhecimento por causa da idade e uma rede pequena de contatos. Esses fatores também são o motivo para o elevado nível de desemprego dos jovens – fator amplamente analisado e documentado no Brasil. Mas os números do IDados, calculados com base na literatura internacional, revelam que o problema vai além da quantidade de vagas de emprego para essa faixa etária. O trabalho mostra em quais condições o jovem entra no mercado, afirma o economista da Tendências Consultoria Integrada, Thiago Xavier.

Esse cenário, avaliam especialistas, traz consequências para o País e para toda uma geração de trabalhadores. A baixa qualidade do emprego deixa o jovem mais desprotegido no caso de ser demitido ou de uma doença, sobretudo se  esse trabalhador está na informalidade – 32,7% dos jovens não têm carteira assinada. Nesse caso, ele não terá direito ao seguro desemprego e ficará sem renda, diz Ottoni. Em muitos casos, isso tem reflexo direto na renda das famílias, que contam com esses recursos no dia a dia e terão de refazer o orçamento diminuindo o consumo.

Para o jovem, esse emprego considerado vulnerável poderá representar o abandono dos estudos e uma estagnação do capital humano, que é o conjunto de conhecimento, habilidades e atitudes que ajudam na execução do trabalho. A má qualidade desse emprego também eleva a rotatividade do jovem no mercado. “A experiência adquirida ao longo do tempo desenvolve capitais específicos. Sem isso, poderemos ter trabalhadores que não conseguiram se desenvolver de forma adequada ao longo do tempo”, diz o professor do Insper, Sérgio Firpo.

Outro reflexo dessa vulnerabilidade do trabalho dos jovens pode respingar na produtividade da mão de obra brasileira, que não tem evoluído muito nos últimos anos. Entre 1981 e 2018, a produtividade do trabalho avançou apenas 0,4%, segundo dados do Ibre/FGV. “A rotatividade elevada, por exemplo, prejudica o ganho de produtividade. Se esse índice é alto, a empresa não vai investir na capacitação desse trabalhador e se torna uma profecia auto realizável. Uma coisa aumenta a outra.”

De acordo com o estudo do IDados, quase metade dos jovens não contribuem com a Previdência. Além disso, muitos não têm benefícios como plano de saúde ou vale refeição. É o caso de Lais Matos, de 23 anos. Ela acaba de completar um mês empregada numa rede de lojas, na área de recursos humanos. Entra às 8 horas e não tem horário para sair. Só recebe vale transporte e não tem nenhum outro benefício. “E quando precisa tenho de acumular funções para cobrir a falta de mão de obra no departamento, que está sobrecarregado”, diz a trabalhadora. Como outros milhares de jovens, ela busca adquirir experiência na área para buscar melhores oportunidades no mercado.

Foto: divulgação

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