O presidente Donald Trump conseguiu deixar indignados tanto os adversários do Partido Democrata quanto os correligionários dele, no Partido Republicano. Trump fez acusações e afirmações completamente falsas sobre o processo eleitoral americano, e de uma forma tão escandalosa que as principais redes de televisão dos Estados Unidos se viram obrigadas a tirá-lo do ar. Foram 16 minutos e 42 segundos que chocaram o país. Na sala de imprensa da Casa Branca, o presidente Trump, sem apresentar nenhuma prova, afirmou: “Se você contar os votos legais, eu ganhei com folga. Se você contar os votos ilegais, eles podem nos roubar essa eleição. Se você contar os votos que chegaram atrasados, estamos vendo isso, mas muitos votos chegaram atrasados”, disse Trump.
E acusou a campanha de Biden, governadores e prefeitos do Partido Democrata de arquitetarem um esquema para fraudar a eleição americana. Os principais canais de televisão do país começaram a transmitir ao vivo o discurso do presidente, mas foram interrompendo a transmissão. Uma atitude sem precedentes. O principal apresentador da rede NBC disse que teria que interromper porque o presidente tinha feito declarações falsas, incluindo fraude na votação, e disse que não há provas disso. “Temos que interromper aqui, porque o presidente fez uma série de declarações falsas, incluindo a noção de que houve uma votação fraudulenta. Não há qualquer evidência dessas alegações da campanha dele”, disse o apresentador.
A apresentadora da CBS também interrompeu o discurso de Trump e passou a palavra para uma colega que passou a fazer a checagem de cada alegação falsa do presidente: “Nancy Cordes está aqui com a gente. Há algumas declarações do presidente… Você tem uma checagem dos fatos?”, disse a apresentadora. “Sim, de várias questões, Norah”, afirmou Nancy Cordes, que completou: “Primeiro de tudo, não há nenhuma indicação de um número substancial de votos ilegais por aí”. O apresentador do canal a cabo MSNBC lamentou ter que interromper e corrigir o presidente: “Cá estamos novamente na posição pouco usual de ter não só ter que interromper o presidente dos Estados Unidos, mas ter que corrigir o presidente dos Estados Unidos”.
As afirmações de Donald Trump podem ter sido revoltantes, mas não foram improvisadas e nem surpreendentes. Há meses, ele vem se preparando para o caso de perder apertado nas urnas. Sabendo que milhões de americanos – muito deles democratas – iriam enfrentar o perigo da pandemia votando antecipadamente pelo correio, ele afirmou que isso levaria a fraudes, mesmo sem base em fatos concretos. Partidários de Trump não se arriscaram a discordar dele. O senador Lindsey Graham, disse: “Estou aqui para apoiar o presidente”. Mas foi exceção. O tom das reações dos integrantes do partido do presidente foi de apreensão e condenação.
O ex-governador de Nova Jersey, Chris Christie, afirmou: “Quero saber o que sustenta o que ele disse”. O senador Mitt Romney afirmou: “Contar cada voto é a essência da democracia”. Nesta sexta-feira (6), a Organização dos Estados Americanos divulgou um relatório preliminar da comissão que acompanha a eleição nos Estados Unidos. A comissão concluiu que as eleições foram históricas em vários aspectos, incluindo os esforços para expandir as opções dos eleitores e permitir que um número recorde deles votasse de forma segura, apesar de uma pandemia global. O documento pede que o resto do processo se desenvolva como previsto na lei.
No início da tarde, a campanha de Trump divulgou um comunicado do presidente: “O que está em jogo é a integridade de todo o processo eleitoral. Vamos usar todos os meios legais. Nunca vou desistir de lutar por você e pela nossa nação”, afirma a nota do presidente. Steven Levitsky, que é cientista político e professor da Universidade Harvard, afirmou: “Eles, provavelmente, vão denunciar que houve golpe e é possível que isso desencadeie algum tipo de violência por parte de alguns apoiadores dele. Mas eu não vejo uma estratégia legal ou mesmo política que Trump possa adotar. Parecem apenas palavras”.
Mas essas palavras podem ter consequências por anos. “Há um efeito corrosivo terrível nas instituições democráticas quando 40%, 50% dos cidadãos acreditam que a eleição foi roubada”, concluiu o professor. “Isso não é uma democracia saudável”, completou.