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AO MENOS 21 MIL CANDIDATOS MUDARAM DECLARAÇÃO DE COR

Redação - 25/09/2020 07:20 - Atualizado 25/09/2020

Ao menos 21 mil candidatos brasileiros que disputarão as eleições municipais deste ano para prefeito ou vereador mudaram a declaração de cor e raça que deram no último pleito, em 2016, conforme registros disponibilizados até agora pela Justiça Eleitoral. A mudança atinge um a cada quatro (26%) candidatos que concorreram nas últimas eleições e estão participando da disputa de 2020.

O movimento acontece num momento em que os partidos têm sido pressionados a ampliar a representatividade de negros na disputa, inclusive com a fixação de cota na distribuição dos recursos de campanha proporcional à quantidade de candidatos. Ao mesmo tempo, especialistas falam no impacto do aumento de pessoas que se reconhecem como pretas e pardas após ações de combate ao racismo.

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar neste mês para que a cota financeira para negros no fundo eleitoral, que havia sido aprovado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para 2022, seja aplicada já nas eleições deste ano. O caso deve ser analisado pelo plenário do STF. A criação da cota financeira para negros chegou a gerar debate sobre brechas nas regras —incluindo a subjetividade da autodeclaração de cor e raça e eventuais tentativas de burlá-la.

Os 21 mil candidatos que mudaram a declaração de cor e raça que havia sido dada no último pleito municipal representam por volta de 8% das 260 mil candidaturas que constavam no sistema do TSE até esta quinta-feira (24) —os números ainda devem aumentar, uma vez que as inscrições ainda estão sendo acrescentadas. Embora essa quantidade de alterações não possa ser atribuída à criação da cota, especialistas avaliam que esse fator pode ter influência em ao menos parte do fenômeno.

A maior parte das mudanças —36% do total— foi da cor branca para parda. O movimento contrário vem na sequência, com 30% das alterações de pardo para branco. Outros 22% mudaram de pardo para preto ou preto para pardo, mudança sem efeito prático do ponto de vista da distribuição de recursos do fundo eleitoral. Outros 2% mudaram de branco para preto. Na capital paulista, a reportagem localizou ao menos quatro vereadores que, na comparação com a eleição de 2016, tiveram mudanças na cor.

De pele clara, o vereador Caio Miranda (DEM) mudou sua cor de branca para parda. Ele disse que o preenchimento, em 2016, foi feito pelo partido. “A minha mãe era branca e meu pai é um nordestino, filho de indígena com africano, e com judeu ainda. Tem uma mistura super grande. Então, eu sou pardo. Se eu falar que sou branco, por mais que eu pareça branco, vou estar negando a minha raiz”, diz ele. Miranda diz que a mudança não teve relação com as cotas e cita o fato de já em 2018 ter se descrito como pardo na campanha a deputado federal.

O vereador Alfredinho (PT) mudou sua cor de pardo para negro. “Com a consciência que a gente passa a ter, eu posso dizer que sou uma pessoa negra. Eu tenho uma avó que foi descendente de escravos”, diz ele, que criticou eventuais mudanças devido à cota. “Acho que é muito ruim alguns que não tenha a cor se declarar apenas por causa da cota.” Segundo levantamento da Folha, os partidos que mais tiveram candidatos que mudaram são PSD (1829), MDB (1.787) e PP (1.685). Por estado, são Minas Gerais (3.143), São Paulo (2.308) e Bahia (2.095).

Na Bahia, um dos estados de maior população negra do país, 33% dos candidatos trocaram declaração da cor da pele entre as eleições de 2016 e 2020, incluindo candidatos a prefeito de quatro das principais cidades do estado. Em Barreiras, oeste do estado, o deputado federal Carlos Tito (Avante) disputará a prefeitura declarando ser pardo. Há quatro anos, ele afirmava ser branco.

Já em Camaçari (47 km de Salvador), o prefeito Antônio Elinaldo (DEM) declarou-se como preto na eleição deste ano e pardo na anterior. O mesmo aconteceu na cidade vizinha de Lauro de Freitas, onde a prefeita e ex-deputada federal Moema Gramacho (PT) também passou a classificar como preta. “Nunca me senti identificada com esta cor parda, por isso busquei resgatar a minha identidade. Foi autoafirmação mesmo. Sou uma negra, filha de mãe branca e pai negro, nascida no Pelourinho”, afirma Moerma Gramacho.

Doutor em ciência política, o professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Cloves Oliveira afirma que há duas hipóteses para as mudanças entre 2016 e 2020 de candidatos que se autodeclaram como pretos ou pardos. De um lado, é crescente o número de pessoas, sobretudo entre os mais jovens, que tem se reconhecido como negro, resultado direto de mobilizações de movimentos da sociedade civil.

Esta premissa encontra respaldo nos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que apontam que 19,2 milhões de brasileiros se declararam pretos em 2018, um crescimento de 32% comparado a 2012, quando este número era de 14,5 milhões. Por outro lado, com o avanço de políticas públicas de reparação, o declarar-se pardo ou preto ganhou uma dimensão simbólica no campo político: “A sociedade passou a valorizar este sentimento de pertencimento”, afirma o professor.

O caso de Salvador é bastante didático neste sentido. Uma das cidades com maior proporção, a capital baiana nunca elegeu um prefeito negro. O tema, contudo, ganhou centralidade na pré-campanha, a partir de uma campanha de entidades do movimento negro por mais pretos e pardos na disputa pela prefeitura. Também houve um movimento de candidatos brancos ao Executivo que buscaram pretos ou pardos como companheiros de chapa: “É artifício de lideranças partidárias para dar uma ênfase na ideia de que essas organizações não são racistas”, destaca Cloves Oliveira.

Em sua avaliação, a disputa por espaços de protagonismo dentro da estrutura dos partidos não deve ser fácil. “Sem recursos, tempo de televisão e ferramentas para que os grupos sub-representados consigam expor as suas ideias, será impossível corrigir esta distorção.”. Cientista político da FGV, Marco Antonio Teixeira afirma que uma combinação de fatores pode ajudar a explicar as mudanças nas declarações de cor. “Têm ocorrido situações em que pessoas começam a se reconhecer enquanto a condição étnica que antes não se identificavam. Mas teve aí recentemente a decisão sobre a alocação de recursos [com cota para negros] e é preciso ver se houve uma onda de alterações [na identificação]”, diz.

O advogado Rodrigo Pedreira, especializado em direito eleitoral, acredita que haverá casos de brancos identificados como negros e que isso deverá ser fiscalizado, embora ainda não tenha ficado clara qual seria a punição. “Acredito que virão à tona, tanto por adversários quanto pelo Ministério Público quanto por militantes”, disse.

Foto: divulgação

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