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ASSASSINATOS DE MULHERES SOBEM NO 1º SEMESTRE NO BRASIL, DURANTE PANDEMIA

Redação - 16/09/2020 06:50 - Atualizado 16/09/2020

O Brasil teve um aumento de 2% no número de mulheres assassinadas no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Os casos de feminicídio também subiram. Em contrapartida, os registros de outros crimes relacionados à violência contra a mulher, como agressões e estupros, caíram no país. É o que mostra um levantamento exclusivo feito pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.

Nos primeiros seis meses de 2020, 1.890 mulheres foram mortas de forma violenta em plena pandemia do novo coronavírus – um aumento de 2% em relação ao mesmo período de 2019. O número de feminicídios, quando as mulheres são mortas pelo simples fato de serem mulheres, também teve uma leve alta. Houve 631 crimes de ódio motivados pela condição de gênero. Já os casos de lesão corporal no contexto de violência doméstica caíram 11%, e os estupros e estupros de vulneráveis tiveram uma queda de 21% e 20%, respectivamente.

O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A alta nas mortes segue a tendência registrada em todo o país no primeiro semestre deste ano. O percentual de homens mortos, porém, é um pouco superior. Dados do Monitor da Violência apontam que os assassinatos cresceram 6% de janeiro a junho, interrompendo as quedas recordes de mortes violentas no Brasil nos últimos dois anos.

Chama a atenção que o aumento de mortes neste ano aconteceu mesmo durante a pandemia do novo coronavírus, que fez com que estados adotassem diversas medidas de isolamento social. Ou seja, houve alta na violência mesmo com menos pessoas nas ruas. A queda nos registros de lesões corporais e estupros, por sua vez, impressiona, já que era esperada uma alta com o confinamento. Especialistas afirmam, porém, que se trata de uma subnotificação, isto é, menos denúncias foram feitas em razão das dificuldades impostas pela pandemia. Governos de estados como Acre e Sergipe reforçam que os números estão, de fato, subestimados.

Os dados revelam que:

  • o Brasil teve 1.890 homicídios dolosos de mulheres no primeiro semestre de 2020 (uma alta de 2% em relação ao mesmo período de 2019)
  • do total, 631 foram feminicídios, número também maior que o registrado no primeiro semestre do ano passado
  • 14 estados tiveram alta no número de homicídios de mulheres
  • 11 estados contabilizaram mais vítimas de feminicídios de um ano para o outro
  • Rondônia é o estado com a maior alta (255%) e o maior índice de homicídios de mulheres: 4,4 a cada 100 mil
  • Acre é o estado com a maior alta (167%) e a maior taxa de feminicídios: 1,8 a cada 100 mil
  • o país teve 119.546 casos de lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica (11% a menos que no primeiro semestre de 2019)
  • houve o registro de 9.310 estupros (uma redução de 21% em um ano)
  • foram 13.379 estupros de vulnerável (uma queda de 20% no indicador de um ano para o outro)
  • o Pará tem a maior alta de casos de lesão corporal (46%) e o Mato Grosso, a maior taxa (259 a cada 100 mil)

Segundo especialistas consultadas pelo G1, os registros das mortes e dos outros crimes não letais, como agressões e estupros, devem ser analisados de formas distintas. Isso porque as formas como esses registros são feitos diferem bastante. Segundo a pesquisadora da Universidade de São Paulo Jackeline Romio, os registros de mortes são mais confiáveis porque passam por um “duplo registro”: são contabilizados nas delegacias e nos sistemas de segurança pública, bem como nos hospitais e nos dados de saúde.

“Por isso, ela é mais registrada que outros tipos de crime e acaba se tornando o próprio indicador de violência na sociedade”, diz Romio. Valéria Scarance, promotora de Justiça especializada em gênero e enfrentamento à violência contra a mulher, concorda. “Não há subnotificação de morte de mulheres. Mortes são mortes, ainda que não registradas como feminicídio. Por isso, os índices de assassinatos de mulheres representam um importante indicador da evolução da violência de gênero no país”, diz. Já as lesões corporais e os estupros dependem das denúncias das próprias mulheres.

“O problema da subnotificação é um problema grave para os crimes não letais, porque depende da iniciativa da vítima. E, muitas vezes, as pessoas sofrem a violência e preferem resolver o problema de outra maneira, e não por meio da via institucional”, diz Ana Paula Portella, socióloga e consultora, com doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco. Assim, segundo as especialistas, a queda nos indicadores desses crimes não letais não quer dizer que houve menos violência contra a mulher durante o primeiro semestre, mas, sim, que houve muita subnotificação. Uma das principais evidências está no fato de que os homicídios dolosos de mulheres cresceram no mesmo período.

“O homicídio é a ‘ponta’ da violência. Então, quando você vê que os homicídios aumentaram, espera-se que outros tipos de violência, que são o processo até essa morte, também tenham aumentado”, diz Jackeline Romio. A pesquisadora afirma que são diversos fatores por trás da subnotificação. “A gente está em um contexto de pandemia e fechamento parcial dos serviços públicos que resultam em uma barreira institucional para que a mulher consiga fazer essas queixas e denúncias. Tem a ver também com transporte, com o funcionamento das instituições e dos próprios fóruns e da Justiça”, afirma a pesquisadora. “As instituições fecharam, mas as ocorrências continuam. Isso causa subnotificação e gera esse ‘delay’ [atraso, demora] entre o número oficial e a realidade vivida pelas mulheres”, diz Jackeline Romio, pesquisadora da USP.

“Este cenário atinge ainda mais gravemente as milhares de mulheres brasileiras em situação de violência doméstica, que muitas vezes se veem confinadas em suas casas com seus agressores e com ainda mais dificuldade em acessar os serviços de proteção e canais de denúncia da violência”, reforçam Isabela Sobral e Juliana Martins, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para Scarance, o funcionamento dos serviços é essencial para entender os indicadores. “Por que o atendimento é tão importante? Em regra, as mulheres sofrem violências mais severas quando não rompem o silêncio ou não conseguem atendimento adequado e desistem. Assim, se há uma rede estruturada que permite à mulher falar e ser acolhida, as mortes diminuem”, diz.

Romio afirma, porém, que, de forma geral, as instituições públicas não conseguiram adaptar os serviços às novas realidades de pandemia e isolamento social, que passaram a exigir atendimentos digitais. E, mesmo que os serviços tenham oferecido atendimento digital, Romio lembra que o acesso à internet não é universal no país. “Isso prejudica ainda mais as mulheres pobres, negras, de periferias e regiões afastadas”, diz. Além disso, as especialistas afirmam que a quarentena conseguiu isolar ainda mais as mulheres em situação vulnerável. “O agressor está em casa, então é muito difícil você procurar ajuda quando o cara que agride está do seu lado. Então, se ele desconfiar que você está procurando ajuda, é possível que ele se torne mais violento e que você venha sofrer novas agressões”, diz Portella.

“Eu arriscaria dizer que essa redução pode se dever principalmente a essa dificuldade de chegar às instituições de apoio, aos locais onde as mulheres poderiam conseguir ajuda”, diz Ana Paula Portella. Por isso, segundo Romio, “o subregistro é uma realidade”. “Se tem todo esse diagnóstico de dificuldades e aumento de óbitos, tem evidência de que esses crimes foram subnotificados pela falta de denúncias e pelo impedimento institucional”, afirma. “Estratégias têm que ser pensadas para que isso possa acontecer de forma democrática, não só para mulheres de classe média e alta, mas também para mulheres pobres, sem internet.”

Foto: divulgação

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