Segundo dados do índice nacional de homicídios criado pelo G1, com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal. A região Nordeste capitaneou o aumento de mortes em todo o país. Sozinha, ela teve uma alta de 22,4% nos primeiros seis meses deste ano em comparação com o ano passado. Foram 10.488 assassinatos, contra 8.571 em 2019. No total, foram 1.917 mortes a mais.
A Bahia foi um dos estados que menos contribuiu para essa alta assustadora. Segundo os números apenas os estados da Paraíba, Piauí e Maranhão tiveram números menos violêntos que o estado. Os dados apontam que a Bahia teve um índice por cem mil habitantes de 2,28%. A Paraíba teve 2,21%, Piauí teve 1,77%, e o Maranhão teve 2,13%. O maior foi o Ceará com 3,92%, seguido por Pernambuco 3,10%, Rio Grande do Norte 3,08%, Alagoas com 2,79% e Sergipe com 2,39%.
No balanço deste primeiro semestre, os homicídios cresceram nas nove unidades da federação nordestinas: Alagoas (15,5%), Bahia (5,6%), Ceará (102,3%), Maranhão (21,1%), Paraíba (19,4%), Pernambuco (11,5%), Piauí (7,7%), Rio Grande do Norte (8,5%) e Sergipe (7,3%). Enquanto os crimes violentos em toda a região cresceram 22,4%, as demais reduziram ou ficaram praticamente estáveis, casos do Sudeste (-0,8%), Sul (1,7%), Norte (-13,8%) e Centro-Oeste (-10,4%).
Nenhum estado do Brasil, no entanto, viveu situação tão dramática como a do Ceará, que dobrou os casos de homicídios no primeiro semestre em relação ao ano passado. Em 2019, o estado estava no extremo oposto, como a unidade brasileira que mais reduziu os assassinatos entre as 27 unidades da federação, com queda de 50%.
Apesar da reeleição do governador Camilo Santana, o Ceará viveu momentos conturbados em 2020, com o motim da Polícia Militar em fevereiro. Nesse mês, os homicídios cresceram 178% em relação ao mesmo período do ano anterior. Desde então, com exceção de março, o crescimento continuou dobrando todos os meses.
A crise na polícia acabou encorajando a disputa por territórios entre grupos rivais, que passaram a brigar por mercado e poder, multiplicando os conflitos violentos. Foi identificado o movimento do Comando Vermelho sobre os Guardiões do Estado – gangue local.
Esse crescimento generalizado na região levanta algumas perguntas: as facções que levantam a bandeira do CV e que concorrerem por territórios e mercados nos outros estados poderiam estar seguindo a mesma estratégia contra seus rivais locais? Haveria um diálogo entre chefes regionais desses grupos, que pudessem promover ações conjuntas? Ainda é difícil saber se a hipótese faz sentido diante da escassa troca de informações dos departamentos de inteligência estaduais e federal.
A intensa variação de taxas na região, mais do que um efeito de políticas públicas, pode estar relacionada a questões circunstanciais ligadas a esse mercado de drogas, cuja concorrência muitas vezes é disputada à bala. Um dos motivos que reforçam essa hipótese é a relativa estabilidade política na região, considerando que seis dos sete governadores reeleitos no Brasil estão na região Nordeste. A grande mudança ocorrida nessas áreas foi a pandemia do coronavírus, que por causa do isolamento deveria diminuir as ocorrências de crime.
O resultado desse crescimento é que seis estados do Nordeste passaram a liderar neste semestre o ranking dos mais violentos do país. Ceará está em primeiro lugar, seguido de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Bahia.
São Paulo segue como o estado com a menor taxa de mortes violentas no Brasil, mas a situação se tornou preocupante para os paulistas, que fecharam o semestre com crescimento de 4,7% nos homicídios. Caso a tendência se mantenha, o estado corre o risco de registrar em pleno ano de pandemia uma das raras elevações nas taxas anuais de violência das últimas duas décadas. O aumento coincide com os recordes sucessivos de homicídios praticados pela polícia, ações que não fazem parte deste levantamento do Monitor, mas que parecem contribuir para estimular a violência geral no estado.
Outra situação que chama a atenção é a do Rio de janeiro. O estado entrou em 2020 com grave crise política e ameaça de impeachment do governador Wilson Witzel. Nesse período, o governo parecia ter perdido o controle das polícias, que passaram a fazer diversas operações nos morros, mesmo durante o período de isolamento social, quando os moradores distribuíam máscaras, kits de higiene e alimentos.
Nesse período, recordes de mortes em operações da polícia foram quebrados, mesmo no mês de março, o primeiro da quarentena, quando o Rio registrou crescimento de 6% dos homicídios. Houve grande mobilização da sociedade civil diante das mortes provocadas pela polícia durante as operações no isolamento. Em junho, o Supremo Tribunal Federal concedeu uma liminar limitando as operações policiais durante a pandemia de coronavírus, diminuindo tiroteios e mortes nas comunidades e reduzindo as taxas de violência no Rio.
A confirmação da queda dos homicídios no estado, mesmo diante do desgoverno fluminense, levanta questões importantes. A presença de grupos paramilitares em diversos territórios no estado está mais forte do que nunca. Até que ponto essa expansão permite às milícias alcançar um tipo de hegemonia capaz de reduzir os conflitos com seus concorrentes no crime? Assim como ocorreu em São Paulo com a facção que controla os presídios paulistas, definindo regras e protocolos da cena criminal do estado, estariam os paramilitares fortes o suficiente para coibir os conflitos e a reação de seus competidores?
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