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FRANCESES DESCOBREM QUE AUSÊNCIA DE PROTEÍNAS AJUDA NO COMBATE A CASOS GRAVES DO COVID-19 

Redação - 28/07/2020 09:00 - Atualizado 28/07/2020

Reprodução em 3D do modelo do novo coronavírus (Sars-CoV-2) criada pela Visual Science. Dentro do verde mais claro, as bolinhas vermelhas representam o ‘centro’ do vírus, o genoma de RNA; as bolinhas verdes são proteínas ‘especiais’, que protegem esse material genético. Ao redor do verde, o vermelho mais fraco é a ‘casca’, feita de uma membrana retirada da célula hospedeira. O vermelho mais vivo são as proteínas ‘matrizes’ codificadas pelo vírus. As ‘pontas’ que saem do vírus são as ‘lanças de proteínas’, que o vírus usa para se conectar às células hospedeiras e infectá-las.  — Foto: Reprodução/Visual Science

Reprodução em 3D do modelo do novo coronavírus (Sars-CoV-2) criada pela Visual Science. Dentro do verde mais claro, as bolinhas vermelhas representam o ‘centro’ do vírus, o genoma de RNA; as bolinhas verdes são proteínas ‘especiais’, que protegem esse material genético. Ao redor do verde, o vermelho mais fraco é a ‘casca’, feita de uma membrana retirada da célula hospedeira. O vermelho mais vivo são as proteínas ‘matrizes’ codificadas pelo vírus. As ‘pontas’ que saem do vírus são as ‘lanças de proteínas’, que o vírus usa para se conectar às células hospedeiras e infectá-las. — Foto: Reprodução/Visual Science

Cientistas do mundo todo correm em duas direções para tirar o planeta do caos global gerado pela epidemia do coronavírus: a descoberta de uma vacina, que avança rapidamente, e de medicamentos que previnam formas severas da doença e a superlotação das unidades de terapia intensiva (UTI) nos hospitais. Uma equipe multidisciplinar de pesquisadores dos hospitais públicos parisienses (APHP), do Inserm (Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica), da Universidade Paris-Descartes, do Instituto Pasteur e do Imagine, especializado em doenças genéticas, publicou um estudo na revista “Science” no dia 13 de julho que traz mais uma esperança na luta contra o vírus.

Na publicação, os especialistas descrevem o fenótipo imunológico dos pacientes que desenvolvem uma forma grave: eles têm uma resposta alterada pelos chamados interférons do tipo 1, proteínas da família das citoquinas naturalmente produzidas pelas células do sistema de defesa do organismo e que ajudam a combater as infecções.

A pesquisa

A pesquisa, feita com 50 pacientes, mostra que a deficiência dessa proteína no sangue poderia ser até mesmo um marcador sanguíneo de casos graves da Covid-19, explica o geneticista e imunologista Frédéric Rieux-Laucat, que participou da pesquisa. A ideia do estudo, conta, partiu de uma constatação do imunologista francês Benjamin Terrier, do hospital parisiense Cochin, que abriu uma ala para pacientes contaminados pela Covid-19 no auge da epidemia. Ele percebeu que os doentes tinham uma “tempestade inflamatória” parecida com a gerada por uma doença genética rara que causa uma produção excessiva de interféron e ataca os pulmões.

Ao investigar essa hipótese, entretanto, o que a equipe observou foi o fenômeno oposto nos casos graves. “Nas formas mais graves e críticas, quando o paciente precisa ser entubado e internado na UTI, constatamos uma diminuição clara da produção do interféron. Também testamos a atividade dessa molécula antiviral, que despencou em comparação aos pacientes que desenvolveram uma infecção moderada”, explica.

Segundo ele, esses pacientes não produzem interféron, que é a primeira molécula antiviral produzida pelo organismo, deixando o vírus livre para se replicar, enquanto o sistema imunológico continua agindo contra o invasor, em um mecanismo que acaba sendo autodestrutivo. “O vírus alimenta uma resposta imunológica ineficaz, que conduz à forma patológica. A similaridade entre a doença genética e a doença infecciosa é a presença de muita interleucina 6 e de TNF, que são moléculas inflamatórias que podem ser muito patológicas se são produzidas em excesso”, explica.

Por que a Covid-19 bloqueia a produção de interféron? Esta é uma questão que ainda continua sem resposta. Existem duas pistas: o vírus pode ter genes capazes de reduzir essa produção ou certos pacientes teriam essa propensão por conta da idade ou de outras doenças, como o diabetes do tipo 2 ou a obesidade, por exemplo. De acordo com o especialista, é possível que certas patologias estejam associadas a uma má-produção dessa molécula essencial para que o organismo possa se defender. Ele esclarece que pessoas com doenças autoimunes, por outro lado, não desenvolvem formas necessariamente mais graves.

O ponto determinante da reação diante do vírus está intrinsicamente ligado à produção de moléculas antivirais do tipo interféron, que é determinada pela imunidade inata, ou seja, presente desde o nascimento e independente de anticorpos adquiridos ao longo da vida. Ou seja, a tendência a desenvolver uma forma grave pode ocorrer por razões genéticas ou porque alguns pacientes geram anticorpos contra o interféron, inibindo a resposta imunitária. “Observamos que nessa interação entre o vírus e o homem podem haver diferentes fatores que conduzem, de maneira independente, ou em sinergia, a uma diminuição da expressão dessa molécula essencial antiviral, principalmente para atacar os vírus respiratórios”, reitera.

Medicamento

A boa notícia é que o estudo pode levar à administração de um medicamento que impedirá o desenvolvimento de formas graves. “No caso de pacientes hospitalizados, poderíamos medir sua produção de interféron e caso haja uma diminuição, podemos administrar a molécula, que já é utilizada nas práticas clínicas. Pudemos observar que a pesquisa de doenças raras pode ser útil para doenças comuns e infecciosas”, diz Rieux-Laucat. Nas formas graves, a ideia é administrar o interféron para bloquear a replicação viral, associado a anti-inflamatórios. Os remédios contra a inflamação, como a dexametasona, por exemplo, podem ajudar a controlar a chamada “tempestade inflamatória” que é causa patológica da destruição dos pulmões.

“É uma associação inédita que pode evitar mortes e diminuir, nas formas graves, o tempo de internação nas UTIs. Esses pacientes passam várias semanas em terapia intensiva, três, quatro ou cinco semanas, o que para eles é muito prejudicial, além de bloquear todo o sistema de saúde”, lembra o cientista francês. A equipe ainda não pode testar o tratamento porque, com o confinamento, o número de casos graves felizmente despencou, mas na hipótese de uma provável segunda onda, o protocolo, que já foi aprovado, poderá ser testado e diminuir a mortalidade, o tempo de internação na UTI e até mesmo evitar que o paciente seja entubado. Os testes clínicos serão pilotados no hospital Cochin pelo imunologista Benjamin Terrier.

Foto: divulgação

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