O Brasil faz tão poucos testes RT- PCR, considerados os ideais para diagnosticar a Covid-19, que o número de casos confirmados muitas vezes é secundário para cientistas que analisam a evolução pandemia no país. A avaliação é de especialistas ouvidos pelo G1. Segundo eles, é mais seguro considerar outros índices, como o de óbitos e o de ocupação de leitos de UTI, para compreender se é momento de retomar os serviços essenciais ou de decretar lockdown, por exemplo.
“O Brasil está testando brutalmente menos do que deveria. Na melhor das hipóteses, 20 vezes menos do que é considerado adequado”, afirma Daniel Lahr, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). “É tão pouco que a amostra pode ser basicamente ignorada.”
Um dos indicativos da baixa testagem é a taxa de resultados positivos para Sars-CoV-2 nos exames que detectam vírus respiratórios. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o ideal é que, de todos os testes feitos, 5% ou menos deem positivo. No Brasil, a média diária está muito acima disso: é de 36,68%, segundo a plataforma Our World In Data, usada nas estatísticas da Universidade Johns Hopkins.
“Os dados (de positivos) são mais altos porque estamos testando apenas os casos mais graves, principalmente nos hospitais”, afirma Paulo Nadanovsky, epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Considerando os números até 7 de junho, países como Espanha (3,59%), Itália (3,61%) e Alemanha (4,58%) apresentam médias diárias de resultados positivos para Covid-19 dentro do padrão esperado pela OMS – um sinal de que estão testando a população de forma suficiente para detectar os doentes de forma rápida e isolá-los.
México (17,17%) e Índia (8,73%) não obedecem ainda ao padrão ideal, mas registram índices muito melhores que os do Brasil. Os Estados Unidos, até 7 de junho, tinham média diária de 13,83% de resultados positivos. Mas, como a capacidade de testagem foi ampliada, se foram considerados apenas os testes da primeira semana do mês, o índice diário de positivos cai para cerca de 4,2% – e se encaixa no padrão esperado pela OMS.
Outra forma de avaliar se um país está fazendo o número suficiente de testes de Covid-19 é considerar o tamanho da população. No Brasil, segundo o Our World in Data, a média até a primeira semana de junho é de 2,28 pessoas testadas a cada 100 mil habitantes. Nos Estados Unidos, são 61,59 para cada 100 mil; na Itália, 69,25; em Portugal, 85,81; no Chile, 35,97.
Segundo a OMS, quanto mais casos o país registra, mais testes deve fazer – o órgão indica que o número de indivíduos testados seja de 10 a 30 vezes o de infecções confirmadas. Quando a situação melhora, portanto, é possível reduzir o esforço de testagem. “A testagem ampla é importante, porque dá um panorama imediato da doença”, afirma Lahr. Segundo ele, com um número tão baixo de exames, não é possível tirar qualquer conclusão sobre a progressão da Covid-19 no Brasil.
Alessandro Farias, coordenador da frente de diagnósticos da força-tarefa da Unicamp, também reforça a relevância dos testes. “Eles são a base para você reabrir os serviços. O melhor exemplo é a Alemanha: começaram a reabertura, monitorando a taxa de transmissão. Faziam mais de 500 mil testes por dia. Quando notaram que a contaminação estava aumentando de novo, voltaram atrás e fecharam novamente os estabelecimentos”, diz.
“O absurdo é você retomar tudo sem ter números exatos do que está acontecendo, sem saber quem está infectado. E não dá para ter essas informações sem os testes”, completa. Além disso, a doença pode ser mais facilmente controlada se os infectados forem identificados e isolados. Analisando os exemplos de outros países, como a Alemanha, percebe-se um padrão: quando a população começa a ser testada em massa, o número de óbitos passa a cair. Resumindo: quanto mais testes, menos mortes.
Nadanovsky, da Fiocruz, explica que, para uma reabertura segura, é preciso monitorar a população constantemente. “Precisamos identificar os profissionais de saúde e os trabalhadores dos serviços essenciais para a economia. Aí, testá-los de dois em dois dias, por exemplo. Eles ficam trabalhando e sendo testados, trabalhando e sendo testados”, diz.
“Não adianta fazer um teste uma vez e dizer que a pessoa está pronta para trabalhar. Ela pode sair do laboratório e ser contaminada naquele dia”, afirma o epidemiologista. “Somos um país pobre, então é preciso eleger quem é prioridade, quem tá mais exposto e não pode ficar em casa. Porque fazer um teste uma vez só em alguém não adianta.”
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