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COM O ENEM MANTIDO, COMO SE VIRAR PARA ESTUDAR SOZINHO?

admin - 12/06/2020 07:00 - Atualizado 12/06/2020

O terceiro ano do Ensino Médio é a última etapa antes da conclusão de um ciclo importante: o colegial. E a aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que cada vez mais substitui o vestibular, é o atestado de que o colégio ficou para traz e a porta da universidade está aberta. Muitos garotos têm pressa para finalizar este importante período da vida. Um deles é João Gabriel Vinhaes, 17. A ansiedade natural do momento é ainda maior este ano. São várias incertezas e questionamentos acumulados. Já são quase dois meses desde a última vez em que João foi à escola. Desde então, as aulas acontecem exclusivamente na frente do computador, sem a conversinha de lado, sem pedir ajuda de um colega.

No meio de toda essa necessidade de adaptação, a apreensão sobre a realização ou não do Enem neste ano, em meio à pandemia do coronavírus. O Exame está mantido pelo Ministério da Educação (Mec), que anunciou que a inscrição para a edição deste ano custa R$ 85. A matrícula para a realização das provas segue até 22 de maio e devem ser feitas pela internet. “Aguardei por muito tempo chegar nesse ano. A gente vislumbrava uma coisa que caiu por terra”, lamenta João ao se referir à nova rotina de aulas online. As classes dele acontecem normalmente, nos mesmos horários de antes da pandemia, e ele avalia que a sua rotina até conseguiu ficar reduzida mesmo mantendo um ritmo de estudos semelhante ao que praticava antes da paralisação das aulas presenciais. No entanto, ele, que é representante estudantil, sabe que essa não é a realidade majoritária entre seus próprios colegas.

“Tem muita gente que não consegue se concentrar. É muito diferente o ritmo de uma videoconferência para o presencial e isso é muito nítido”, explica o rapaz que pretende cursar psicologia. A partir deste ano o Enem terá duas modalidades de provas, as impressas, com aplicação prevista para os dias 1º e 8 de novembro, e as digitais, para os dias 22 e 29 de novembro. Os participantes vão poder escolher entre essas modalidades. Quem optar pelo o Enem impresso não poderá se inscrever na edição digital e, após concluir o processo, não poderá alterar sua opção. O valor da taxa de inscrição é de R$ 85 e deverá ser pago até 28 de maio. A estrutura dos dois exames será a mesma, com quatro provas objetivas, constituídas por 45 questões cada, e uma redação. Como de praxe, o estudante deverá selecionar uma opção de língua estrangeira – inglês ou espanhol.

Neste ano, será obrigatória a inclusão de uma foto atual do participante no sistema de inscrição, que deverá ser utilizada para procedimento de identificação no momento da prova. Diretora pedagógica do colégio Vitória Régia, Débora Bove conta que a dificuldade não é apenas para alunos. Professores e coordenação correm para garantir que a garotada chegue afiada ao exame. Por lá, as aulas remotas começaram no dia 19 de março. Como outras entidades privadas, a escola aproveitou que já usava algumas ferramentas virtuais e conseguiu se adaptar melhor: as jornadas de aula seguem iguais e nos mesmos cronograma, incluindo os intervalos. Elas acontecem pela plataforma Google Meets. O que mudou foi o tempo de aula, que era de 1h30 por disciplina e reduziu para 1h10.

Semanalmente, há uma reunião virtual com professores e alunos para acompanhar o rendimento e colher feedbacks sobre o andamento das aulas. “No início foi mais difícil. O aluno precisa autogerir o tempo e o foco. Na escola -presencialmente- a gente consegue organizar o tempo, horário, puxar um pouco mais”, explica. Sonhando com uma aprovação em medicina, Marcos Paulo Guedes estuda de 7h a 9h por dia dentro de casa. Adaptado ao sistema de aulas online, ele diz que manter o foco tem sido o mais difícil e por conta disso decidiu endurecer um pouco sua rotina de estudos: se esforça para escrever redações todos os dias, resolver o máximo de exercícios que consegue e revisar tudo o que foi passado nas aulas pela manhã.

Algumas intempéries atrapalham o planejamento do garoto de 17 anos: se a internet do professor fica fraca, por exemplo, há o risco da aula ser suspensa ou remarcada para o período da tarde como reposição. Em dias como esse, não sobra muito tempo para escrever textos e é preciso se adaptar. Um outro problema é a relação com a família. Dentro de casa, volta e meia recebe algum chamado, pedido de ajuda ou convite para comer alguma coisa durante as aulas. Por outro lado, ele assume que se deu bem em algumas coisas: principalmente em relação ao tempo de deslocamento entre a casa e o colégio – 60km de distância. Ele ganha cerca de 2h que perdia diariamente com o deslocamento e, agora, usa isso a seu favor.

“No geral eu estou me adaptando bem. Há vantagens e desvantagens, mas nada que se compare a estar em uma sala de aula, com o contato direto do professor e a cabeça focada apenas em estudar. Aqui há mais distrações. Além disso, sei que não é todo o mundo que está assim. Tenho colegas que não conseguiram se adaptar a esse modelo Minha irmã, que é 1º ano, está sentindo muitas dificuldades para acompanhar”, explica. Colega de Marcos, Yasmin Lisboa, 17, confessa que está sofrendo um pouco mais para manter o seu objetivo de estudar pelo menos 4h além do que passa na ‘sala de aula’ virtual. Ela não foi a única que precisou se adaptar dentro de casa: o pai, que trabalha como contador, também está de home office e os dois ‘disputam’ espaço mesmo que involuntariamente.

“É muito diferente e a gente está tentnado lidar. Às vezes ele precisa fazer uma ligação e eu me distraio com isso. Também tem a questão da gente usar o computador ao mesmo tempo e o sinal da internet fica instável. Tem sido bem complicado. A parte boa é que a escola nos deu um suporte legal e a gente vai se virando”, diz Yasmin. Para o Enem 2020, a confiança dela vem da experiência. Ela já fez o exame nos dois últimos dois anos como treineira e entende bem o funcionamento da prova. Desejando cursar fisioterapia no nível superior, essa bagagem tem sido fundamental para se manter esperançosa. “Fiquei surpresa por continuar o Enem, pensei que não teria. Já que vai acontecer, o jeito é continuar estudando”, afirma.

Professora de Redação, Rozana Pires tenta passar para os alunos que este momento é uma verdadeira entrada no século XXI e incentiva que eles aproveitem a oportunidade de continuar tendo aulas e seguir se preparando para o exame. Para manter a atenção dos alunos dentro de casa, ela começou a passar mais documentários e adotou a prática de iniciar ou finalizar suas aulas com alguma música com letra que converse sobre o momento atual. “O aluno chega ao terceiro ano pronto. Se ele chegou até ali, tem condições de prestar um vestibular. O que fazemos nessa última etapa é aumentar o nível dos desafios”, explica. Ela conta que a adaptação ao novo sistema de aula foi complicada e lhe tirou várias noites de sono.

A carga de trabalho aumentou bastante para os mestres. Professor em três colégios particulares de Salvador, além do seu próprio curso de redação, Léo Mendes não precisou de muito tempo para perceber isso. São mais reuniões e demandas que os professores não teriam em condições normais. Léo Mendes ainda chama atenção de que há colegas de idade mais avançada e sem tanta desenvoltura com a tecnologia, e  isso acaba atrapalhando também. E se atrapalha o professor, o aluno fica prejudicado. “Tem sido desconfortável. Uma das singularidades do encontro presencial é o olho no olho. O professor consegue ler as duvidas do aluno com as reações, o jeito de olhar. Além de acompanhar se tornar mais difícil. Eu particularmente gosto de interagir, então sinto muita falta dessa parte. Mas temos que seguir em frente e nos adaptar”, relata.

O professor, que também é advogado, entende que manter o Enem em 2020 fere diretamente uma regra básica de qualquer concurso público que é o princípio de isonomia entre os candidatos. Os alunos de colégios públicos simplesmente não têm como continuar se preparando e isso gera uma concorrência desleal com quem tem a oportunidade de continuar estudando com suporte adequado. É essa a realidade enfrentada por Pedro Bello, 17, que estuda no colégio Central de Salvador. Até o ano passado, ele era do Salesiano, de Nazaré. Como tantos outros estudantes da rede pública de ensino, ele está completamente sem aulas e não titubeia para declarar que fica perdido para estudar por conta própria.

“A rede estadual não está oferecendo absolutamente nada de conteúdo. E a gente está por conta própria. Eu tive um primo que fez cursinho no ano passado e aí peguei os módulos dele pra estudar. É o único material que eu tenho porque não tem nenhuma assistência do colégio”, relata. Mirando passar no curso de Química da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Pedro conta com a ajuda de amigos e antigos professores na hora de tirar dúvidas ou praticar conteúdos em que encontra mais dificuldade.

Desde 2016 o Curso Pré-Vestibular Voluntários pela Educação oferece a pessoas em situação de vulnerabilidade social a possibilidade de acesso a um curso preparatório. O objetivo é óbvio: dar munição para que essas pessoas consigam uma vaga em universidades públicas ou bolsas em instituições privadas e, a partir disso, conseguir uma transformação nas suas vidas e de seus familiares. Administradora do cursinho, Samanta Santos lamenta que neste ano sequer foi possível iniciar os trabalhos de fato. O dia 16 de março era a data marcada para as primeiras aulas após o curso de nivelamento oferecido aos 79 alunos que conseguiram a vaga por lá em 2020. Mas ela nunca aconteceu.

Ciente de que nem todos os alunos possuem internet em banda larga, os mais de 40 voluntários que trabalham no cursinho sabiam desde o início que aulas EaD eram impossíveis. A alternativa foi utilizar o Google Classroom para enviar textos e apostilas, que são arquivos mais leves e demandam menos potência de internet para fazer o download. Além disso, o grupo experimenta transformar o WhatsApp em uma espécie de sala de aula, com os professores enviando áudios e textos explicando o conteúdo da melhor forma possível.

“Imaginamos que fossem se sentir isolados e tivemos medo de desistências. Começamos a conversar e pensar em um formato. Percebemos na entrevista de renda que todos de alguma forma acessavam internet. Nem todos com computador, nem todos com banda larga. Ou seja, tinha que ser uma forma simples e ampla”, explica Samanta.

Aluna do cursinho desde o ano passado, Gláucia Medeiros conta que se vê em diversas áreas, mas no momento é a Arquitetura que está na frente de seu coração. Ela prestou vestibular no ano passado e não conseguiu a aprovação de primeira, mas a experiência de um primeiro ano de estudos deu mais maturidade para organizar sua rotina. Algo que está sendo fundamental durante a pandemia. A estudante de 19 anos afirma que enfrenta muita dificuldade na área de exatas e que as aulas por distância atrapalham um pouco o ritmo dela, que já não era dos mais altos, segundo a própria Gláucia.

“Vim de colégio público e por isso não tive um embasamento muito bom no ensino médio. Tenho dificuldades com a plataforma virtual e está complicado de absorver os conteúdos. Mas o Pré-Vestibular tem sido muito sensível e está buscando alternativas para nos ajudar”, diz Gláucia.

Representante geral do Pré-vestibular da Ufba, Caio Ribeiro diz que o número de alunos caiu consideravelmente após a suspensão das aulas presenciais. O cursinho tem apoio da Universidade e fecha turmas que vão de 40 a 50 alunos por ano, todos com direito a aulas gratuitas oferecidas por estudantes da graduação ou pós-gradução da universidade baiana.

Ele conta que por atender pessoas em situação de vulnerabilidade, já é visto como normal uma evasão muito grande durante o ano. Os alunos enfrentam dificuldades de transporte, às vezes abandonam o estudo por não conseguir conciliar com o trabalho e em média a queda de de 50% se comparado ao número que inicia as aulas. Para tentar minimizar os efeitos da pandemia, o cursinho passou a dar aulas através da plataforma Zoom, que também possibilita gravar o material. Desta forma, os alunos sem internet com conexão que suporta uma videoconferência podem acessar em outros momentos, pedindo ajuda de um vizinho para fazer download, por exemplo.

“Não é o modelo ideal, mas é o que está em nosso alcance. Sabemos que há uma perda de interação que é fundamental”, reflete Caio. Ciente dessa dificuldade enfrentada pelos alunos, Caio, que é estudante de física na Ufba, classifica como irresponsável a manutenção do Enem em 2020. “Manter o exame é uma medida completamente fora da realidade. Qualquer alteração do tecido social afeta essas pessoas. Até quem está acompanhando a gente teve uma queda grave no seu rendimento. Temos vários alunos sem um ambiente propício em casa, por exemplo, então fecham o microfone pra não atrapalhar a aula, que fica em silêncio, sem terem condições de tirar dúvida”, explica.

Professor de matemática do cursinho, Juarez Eusébio diz que a falta de interação compromete muito o aprendizado. Principalmente quando se trata de um ‘EaD no improviso’, longe das condições ideais: “Nas matérias de exatas o entendimento do assunto depende dos exercícios e complica quando não consigo, de imediato, passar o exercício e ver a resposta deles”.

A decisão de realizar o Enem mesmo com o coronavírus atrapalhando as rotinas de estudantes em todo o Brasil está longe de ser uma unanimidade. Uma das principais iniciativas contrárias à postura do Mec é o #AdiaEnem, iniciativa criada por entidades estudantis que visa “garantir a democratização do acesso ao ensino superior no Brasil”.

O movimento se ampara em números como a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e que levanta números que indicam o acesso à tecnologias digitais no país. A pesquisa divulgada no início deste mês de maio, por exemplo, indicou que quae 60% dos baianos têm acesso à internet por celular ou televisão – exclusivamente. A pesquisa também indicou que o estado é o 4º com menos acesso a computadores em todo o Brasil.

O site lançado pelo #AdiaEnem tem uma petição online solicitando que o Mec reveja a postura de manter o exame em 2020, que foi assinada por quase 143 mil pessoas até o fechamento desta matéria. “Visto que o Enem avalia os conteúdos estudados no Ensino Médio, consideramos justo que tenhamos o direito de realizar a prova ao fim do nosso ensino médio. É a prova que define o nosso futuro”, diz o manifesto assinado pela iniciativa. Do outro lado da moeda, há quem sinta calafrio só de pensar em um adiamento. É o caso de Renata Oliveira. Ela 24 anos: sete deles dedicados à luta para ingressar no curso de medicina. A estudante já tentou de várias maneiras: cursinhos de pré-vestibular, ingresso pelo Bacharelado Interdisciplinar em Saúde da Ufba que concluiu em 2019 mas não conseguiu a nota necessária para migrar ao tão desejado curso.

Cria do município de Ribeira do Pombal, Renata viajou até sua cidade para o batizado de um familiar no mês de março – e até agora não voltou. Isso porque a sua ida coincidiu com o início das medidas restritivas: ônibus intermunicipais foram barrados e o trânsito na cidade ficou limitado. Por conta disso, ela decidiu ficar em sua terra natal e por lá toca seus estudos. Com o Enem mantido até segunda ordem, Renata segue a sua rotina de estudos, que já estava planejada para ser quase que inteiramente digital. Faz cursos online e pela internet também tira suas dúvidas e consegue cada vez mais apostilas para manter seu ritmo de exercícios que dura de 6h a 9h por dia.

Confira 10 dicas para estudar em casa:

  1. Resolver questões de anos anteriores

O portal do Inep disponibiliza as provas e gabaritos das provas de 2009 até 2019. Além disso, também ficam disponíveis as provas até 1998 – contudo, sem gabarito.

  1. Fazer simulados online marcando tempo das resoluções de questões.

Os alunos têm, em média, três minutos para resolver as questões. Isso inclui ler, interpretar, resolver e marcar no gabarito. Ficar de olho no seu próprio tempo é uma boa prática para se acostumar com o relógio.

  1. Manter uma rotina de estudos e priorizar matérias que têm dificuldade

Essa vai principalmente para quem está sem aula, mas tenta se manter estudando. Uma dica é fazer um exercício de autoconhecimento e priorizar a resolução de questões nas matérias onde encontra mais dificuldade.

  1. Caso tenha aula, buscar o professor

Ter professor em tempos de pandemia é um privilégio e tanto. A ideia, portanto, é buscá-lo. Não deixe que a vergonha seja maior do que sua dúvida: isso pode ser decisivo.

  1. Procurar videoaulas

Para os alunos que têm acesso à internet, uma boa opção é procurar canais especializados e estudar com videoaulas

  1. Redação: mantenha rotina de escrita

Um bom redator se faz… redigindo! Parece óbvio, mas é sempre bom lembrar que uma rotina de escrita aperfeiçoa seus argumentos, estilo e coesão.

  1. Assistir documentários e filmes que debatem a atualidade

O cinema é uma fonte imensa de debates sociais e cotidianos que podem servir de referência na hora de construir um texto argumentativo

  1. Procure atividades para relaxar

O nervosismo é um grande vilão. Principalmente em um período de pandemia, é natural que ansiedade e incertezas se façam presentes. Tente driblar isso da melhor forma possível: procure colocar em dia seus hobbys, busque exercícios para respiração ou um tempo para exercícios físicos em casa.

  1. Grupos de estudos

Uma andorinha só não faz verão. O grupo do whatsapp da galera com certeza não parou durante a quarentena. Então que tão fazer grupos de estudos online? Marca com a galera para fazer uma videoconferência, resolver questões e interpretar textos. Pode ser um estímulo para se manter forte.

  1. Converse com a família

A rotina mudou pra todo o mundo. Seus pais, irmãos… todo o mundo em casa. Tente negociar com seus pais para evitar chamar para “comer uma coisinha” ou “resolver isso aqui rapidinho” enquanto você estuda. Ter a parceria da família é fundamental!

Foto: divulgação

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