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JORNAL A TARDE: ARMANDO AVENA: PANDEMIA, DEMOCRACIA E CONTRATO SOCIAL

Redação - 04/06/2020 08:52 - Atualizado 11/06/2020

A pandemia fez com que a população fosse obrigada a usar máscara, ficar em casa e fechar sua loja ou empresa. Por que aceitamos isso? O leitor poderia responder imediatamente que é por causa do poder de polícia, mas isso só veio depois, antes o povo assinou um contrato, um contrato social.  Nesse contrato, a população renuncia ao seu livre-arbítrio em prol de um Estado que, em troca, lhe garante a preservação da vida, da liberdade e da propriedade. Sem esse contrato, a polícia não teria legitimidade. Esse contrato social foi assinado por todos nós com a promulgação da Constituição Brasileira de 1888 e é renovado de quatro em quatro anos quando você, leitor, deposita seu voto nas urnas.

Mas aqui cabe um adendo: o contrato não foi firmado com um homem, ou com uma instituição, foi firmado com a nação e todas as instituições que a compõem. Na democracia não existe chefe, nem mito, existe chefia, momentânea e limitada, e o presidente, seja de qual poder for, é um mero ocupante da chefia. O contrato social tem uma especificidade: o Estado que dele resulta precisa lutar para preservar a vida de todos e governar para todos.

Um ocupante da  presidência  da República pode ter sido eleito por apenas 40% da população, mas é obrigado a governar para todos e se não o fizer será admoestado e limitado pelos outros poderes e pode ser tirado do cargo. Um deputado pode ser cassado, um membro do STF pode sofrer o impeachment, todos estão submetidos a esse sistema que não dá o poder total a ninguém. Essa é, em tese, a descrição da democracia que, como disse Winston Churchill, é o pior dos sistemas, salvo todos os outros.

O homem comum não pode quebrar o contrato sem ser posto a margem da sociedade, mas o Estado também não pode e, quando faz isso, mais cedo ou mais tarde, o povo lhe tira do poder. No contrato assinado com o povo brasileiro, o  Estado tem como objetivo principal a proteção à vida e chama a atenção, no momento em que mais de 30 mil brasileiros já morreram e 1200 deles morrem  por dia, que o presidente da República –  ao invés de unir a nação contra o inimigo, de estar liderado políticas nacionais e visitando cada estado onde seu povo está morrendo –, encastele-se em Brasília, criando todo tipo de crise e, quando questionado sobre os milhares de mortos, limite-se a dizer: “Lamento, mas todos vão morrer um dia”.

Sim, todos, mas  quando  milhares morrem num único dia a culpa é da incompetência do principal líder do país. Felizmente, apesar dos seus conflitos, a democracia funciona e, se o chefe do Poder Executivo não assume sua função, outras instituições o fazem e aí estão governadores e prefeitos lutando pela vida do povo. E, quando um poder não respeita os demais e se insurge contra as instituições que compõe a democracia – entre elas o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional –, está quebrando o contrato. Assim, ou ele volta a ler na cartilha democrática ou será defenestrado do poder, pois, como dizia John Locke, o povo tem “o direito de resistência”.

Mas esse direito não é a alternativa das crianças covardes que – incapazes de conviver com o conflito que é próprio da democracia – pedem a intervenção militar e querem um pai poderoso e autoritário, munido de armas, para controlar tudo. Esse pesadelo  não passará. O Brasil não é a Venezuela e não entrará para a história como uma republiqueta de bananas, tiranizada por um governante exótico.

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