O tempo é um devorador de coisas, dizia Ovídio, e, na luta contra o coronavírus, ele precisa ser levado em conta. O presidente Bolsonaro, por exemplo, em vez de condenar de forma irresponsável o isolamento social, deveria estar discutindo medidas e ações para torna-lo o mais breve possível. O isolamento é a única ferramenta disponível para enfrentar a pandemia, pois achata a curva de contágio, evita o colapso do sistema de saúde e com isso reduz o número de mortos.
Assim, não faz sentido discutir a adoção ou não do único remédio disponível, o que se torna indispensável é reduzir ao mínimo seu tempo de uso, pois quanto maior for esse tempo mais debilitada estará a economia. Nenhuma país, nenhuma população, nenhuma economia vai aguentar um isolamento social por tempo muito longo. E a economia brasileira será fortemente desestruturada se a previsão do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, se confirmar e o isolamento perdurar até setembro.
Um isolamento de pouco mais de 2 meses, como o que foi feito em Wuhan, na China, será dramático, mas seus efeitos poderão ser compensados com o governo realizando maciças transferências de renda, viabilizando empréstimos para a empresas, adiando impostos, flexibilizando o mercado de trabalho e garantindo o salário dos trabalhadores. Se, no entanto, o isolamento durar 4 ou 5 meses, a economia vai sair combalida. Já agora no final do mês, não serão muitas as empresas que terão condições de honrar seus compromissos e pagar salários, aluguéis e fornecedores sem ajuda imediata do governo.
E, a medida que o tempo passar, a maior parte dessas empresas vai demitir pessoal e muitas vão simplesmente fechar as portas. Com isso, o PIB vai desabar e o desemprego acelerar. Frente a esse quadro, e a impossibilidade de por fim ao isolamento social, é preciso adotar as medidas necessárias para que ele dure o menor tempo possível. E isso pode ser feito se for disseminada a política preconizada pela OMS – Organização Mundial de Saúde e que pode ser resumida em 3 palavras: “testar, testar e testar ”. O diagnóstico massivo, como foi feito na Coréia do Sul, e também na Alemanha, pode reduzir drasticamente o tempo de isolamento social. Quem deseja minimizar os efeitos econômicos do coronavírus deve defender o isolamento social e, ao mesmo tempo, exigir do governo medidas que tornem sua duração a mais breve possível.
ENTRE A INTENÇÃO E O GESTO
As medidas adotadas pelo governo federal para enfrentar o coronavírus estão corretas, mas há distância entre a intenção e o gesto. Um exemplo: o governo prometeu a transferência de renda de R$ 200,00 para pessoas do mercado informal que perderam sua renda diária, mas, passado mais de uma semana do anúncio, ninguém sabe exatamente como isso será feito. O mesmo para as empresas, cujo anúncio da disponibilidade de crédito foi feito em montante expressivo, mas pouco se sabe em relação as garantias exigidas e ao modus operandi das linhas disponibilizadas. Ou seja, enquanto o governo está na intenção, o gesto de fechar lojas, shoppings, reduzir o transporte, implantar a quarentena já foi feito.
O REAL E A ABSTRAÇÃO
Dizer que o PIB vai cair por conta da quarentena é algo abstrato. Vamos então ao mundo real: um dono de restaurante, sem clientes e com faturamento zero, deixa de pagar o aluguel e os fornecedores e resolve demitir trabalhadores. E dá-se o efeito em cadeia: o proprietário do imóvel, o fornecedor, a imobiliária e o próprio dono do restaurante terão sua remuneração reduzida drasticamente e talvez não possam pagar o aluguel da casa onde moram, o condomínio, a prestação do carro, da casa, a luz e a água. E forma-se uma outra cadeia, pois os trabalhadores que foram demitidos pelo restaurante, ficando sem renda, tampouco pagarão suas obrigações. Estenda isso para a economia toda e o PIB desaba.