Em um único dia do mês de fevereiro, quatro mortes violentas de mulheres em Salvador. O caso da empregada doméstica Jessi Santiago dos Santos, 29 anos, grávida de seis meses, assassinada a facadas pelo neto da patroa, chocou, mas não foi o único. Nos meses de janeiro e fevereiro de 2020, 25 mulheres foram assassinadas em Salvador e Região Metropolitana (RMS). Os dados, levantados pelo CORREIO junto aos boletins da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP), através do projeto Mil Vidas, mostram aumento no número de mortes de mulheres pela primeira vez desde 2014, quando 35 mulheres tinham sido mortas.
Embora não seja possível, ainda, dizer quantos destes casos se enquadram como feminicídios – quando a mulher é morta justamente pelo fato de ser mulher -, os dados chamam a atenção para uma violência que as tem como alvo. No ano passado, 113 mulheres foram assassinadas em Salvador e RMS – 18,9% a mais do que as 95 mortas ao longo de 2018. Para o sociólogo César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), tem sido surpreendente o crescimento no número de feminicídios e da crueldade. Muitas vítimas, aponta, são torturadas.
“A gente tem apontado esse crescimento nos feminicídios que, em parte, estão ligados a disputas de facções, a questões envolvendo jovens mulheres e carregadas de crueldades, em que elas são torturadas e, depois, mortas”, declarou. A desembargadora Nágila Brito, presidente da Coordenadoria da Mulher do Tribunal de Justiça da Bahia, trata os casos de feminicídio no Brasil, de um modo geral, como uma espécie de epidemia. Segundo ela, tem sido grande o número de recursos envolvendo casos de feminicídio e outros tipos de violência contra a mulher.
“Isso envolve sentimentos, envolve relacionamento, o emocional das pessoas. Só a aplicação de uma pena não vai resolver a história de uma vez por todas. A gente vai ter que procurar a seara psicológica, social”, diz. Para ela, a saída para a redução da violência de gênero está numa educação antimachismo. “A gente tem que criar nossos filhos e filhas para a igualdade, menino e menina são iguais. Enquanto nós fizermos aquela vista grossa para as coisas que os filhos fazem e exigirmos das nossas meninas que voltem cedo para casa, o menino vai crescer acreditando que pode tudo, inclusive matar a mulher que ele acha que não segue as regras”, explica.
A cientista social Silvia Ramos, que é coordenadora geral da Rede de Observatórios da Segurança e esteve nessa quinta-feira (5) em Salvador em Salvador para apresentação do relatório chamado ‘A cor da violência na Bahia’, aposta numa relação entre violência de gênero e disputa por facções que não aparece como feminicídio.
“Você tem várias categorias de punição, em que a morte é a mais grave, mas vai desde apanhar, ser humilhada, ter o cabelo cortado, ser proibida de sair de casa, sofrer violência sexual. Se você é namorada de um cara de uma facção e você não pode passar em uma rua de outra porque você morre, isso acontece porque você é mulher. E eu acho que a gente ainda não está vendo a gravidade disso”, declarou.
A violência de gênero, além do racismo, foram o tema do relatório apresentado nessa quinta, em Salvador, pela Rede de Observatórios de Segurança, vinculada ao Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido Mendes, e conta com pesquisadores da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
Segundo o relatório, embora as mulheres não sejam a maioria das vítimas dos homicídios no Brasil – nem na Bahia – elas têm sido cada vez mais vítimas de violência sexual. De 2009 a 2017, esse tipo de registro cresceu 887% na Bahia. Neste intervalo de oito anos, 6.975 mulheres sofreram algum tipo de violência sexual no estado. O que chama atenção, no entanto, é a escalada no número de casos: em 2009, foram 121 registros, enquanto oito anos depois, 1.194 mulheres foram parar em unidades de saúde após sofrerem violência sexual.
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